a travessia
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Fotografia da minha autoria |
O mundo em clara ascensão talvez não estivesse preparado para o projeto ambicioso de Sacadura Cabral. No entanto, ainda que todos ao seu redor o considerassem uma loucura, o aviador português foi traçando um plano, limando arestas e as técnicas necessárias para que a sua ideia saísse do papel. Com o apoio de Gago Coutinho, alcançaram uma revolução tecnológica na navegação aérea, há mais de cem anos.
breve contextualização
A Travessia, nova aposta audiovisual da RTP, concentra-se, então, na viagem que estas duas figuras realizaram e que ficou conhecida como a primeira ligação do Atlântico Sul, unindo Lisboa ao Rio de Janeiro. A preparação foi exigente e percebeu-se que o espírito de aventura veio desafiar «os limites do esforço humano». Ainda assim, há alturas em que é necessário um salto de fé, para que se alcancem novos horizontes.
O desejo de navegar por céus desconhecidos não só potenciou inovações científicas, «revelando o caminho para outros planetas do universo», como também permitiu estabelecer um vínculo curioso entre homem e máquina, já que é preciso que estejam em perfeita simbiose. E esse foi um dos objetivos do realizador da série, que também não escondeu a intenção de fazer uma homenagem ao «espírito pioneiro». Num plano paralelo, poderemos assistir à rivalidade evidente entre a Marinha e o Exército.
consideração final
Um dos pensamento que me ficou a pairar quando terminei o primeiro episódio de A Travessia foi que estaríamos perante diferentes tipos de travessias. Claro que a viagem épica dos maiores pioneiros da aviação portuguesa, Sacadura Cabral e Gago Coutinho, é o elemento central de todo o argumento, no entanto, permite que se explorem várias reflexões, até porque num projeto desta natureza há muitas movimentações paralelas.
A produção é ambiciosa e o texto estimulante, ainda assim, sem tirar crédito a essas valências por si só, creio que sobressaem pelo elenco de luxo. Não sei como é que se processou a seleção, no entanto, parece que foi tudo escrito a pensar naqueles atores, principalmente Gonçalo Waddington e Miguel Góis, que interpretam, respetivamente, Sacadura Cabral e Gago Coutinho, pela amizade, pelo respeito e pelas provocações, mas também Júlia Palha, no papel de Tibita, uma jovem desprendida, leve, muito à frente da mentalidade da época. Não obstante, foi o coletivo que fez brilhar a série.
O único senão, para mim, é que a história merecia ter mais episódios: por um lado, evita que a narrativa se estenda por detalhes pouco relevantes e que se afastem do propósito inicial, mas, por outro, faz com que alguns cenários se percam e eu queria muito continuar mais tempo na companhia destas personagens, porque é impossível não darmos por nós a vibrar com o avançar de uma ideia que mexeu com o país. E, admito aqui, houve lágrimas no episódio final, porque fica um sentimento agridoce.
É impressionante como há tanto que se ganha com este projeto, mas como questões da nossa vida pessoal sofrem com essas decisões: o objetivo é claro e o esforço que se está disposto a abraçar para o alcançar também, no entanto, não deixa de entristecer a noção de que para chegar àquele patamar é necessário abdicar de certas coisas, quase como se fossem incompatíveis. Porém, talvez seja apenas uma questão de prioridades.
Regressando ao tema das travessias que esperava encontrar, permitam-me listar tudo aquilo em que cada um dos episódios me fez pensar, para além da coragem nacional.
- Episódio 2: A aviação como ponte entre povos, a vontade/o desejo de trazer esperança a muita gente e a diferença entre fazer coisas com alma ou por ego;
- Episódio 3: O papel da mulher na sociedade, as burocracias que, embora sejam necessárias, atrasam sonhos, as relações que ficam comprometidas (porque não dá para esperar por quem está só de passagem), o medo de ficar parado;
- Episódio 4: O quanto termos alguém que acredite em nós, nas nossas capacidades, é uma força extra, a inteligência emocional para gerir percalços;
- Episódio 5: O mundo parece em suspenso por causa da travessia, mas a verdade é que a vida das pessoas que ficaram em terra não parou;
- Episódio 6: A importância de não recuar, mesmo que o desfecho não seja o idealizado, tentar esconder fraquezas, mas não permitir que a teimosia leve a melhor sobre aquilo que será melhor para nós, para algo maior do que nós.
Acredito que A Travessia possa abrir uma porta para períodos pouco falados.
Parece-me uma excelente série.
ResponderEliminarTenho de perder um tempinho a explorar a RTP Play.
Beijinho grande, minha querida 😘
Sou suspeita, mas acho que vale bem a pena explorar o catálogo disponível
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