ainda compro discos e vinis


[fotografias da minha autoria]
A minha casa nunca teve estantes cheias de livros, mas sempre teve música. Não que uma condição invalidasse a outra, mas era evidente a manifestação artística que reunia mais apoiantes, mesmo que nem todos fossem vocais sobre o assunto. E ainda que não conversássemos abertamente sobre o tema, sei que foi do meu pai que herdei este gosto.
Quando afirmam que as crianças aprendem pelo que veem, tendo a concordar, porque sempre vi o meu pai a ligar o rádio quando viajávamos de carro, a manter perto cassetes de grupos que não me diziam assim tanto, mas que o marcavam a ele, a comprar discos ou a pedi-los emprestados. Ainda hoje, enquanto faz o jantar ou está entretido com outra coisa qualquer, é comum ouvi-lo a cantarolar melodias que sabemos de cor ou que ele inventa, acrescentando-lhes letras que mais ninguém conhece a não ser ele - o grave é que algumas se colam a nós. Portanto, creio que é natural ter crescido com esta vontade de estar rodeada de banda sonora.
A cassete dos Gipsy Kings deve ter sido a mais ouvida, mas também havia a-ha e Bruce Springsteen. Dancei muitas vezes no pátio com o meu walkman e, depois, com o discman. Com os hábitos musicais a mudarem e a abraçarem uma modernização no sistema, fui arrumando esses aparelhos para deixar que toda a minha música passasse a ser reproduzida num pequeno mp3 (ainda guardo, pelo menos, dois dos que tive). Impressionante como aquele objeto, que cabia num bolso, era capaz de transportar tantas memórias e estados de espírito.
Apesar de ser muito mais prático andar com um mp3 (ou um ipod), a verdade é que continuava a comprar discos, a estar atenta às novidades, a trocar os que tinha com os meus amigos. Talvez seja uma comparação desleal, mas é quase como estarmos a ouvir música em casa e irmos a um concerto: notamos sempre diferenças e a magia propaga-se de outra maneira.
Nos dias que correm, passo muito mais tempo ligada ao Spotify do que aos discos que ouvi durante a minha infância/adolescência, mas ainda os preservo. Agora que também tenho um gira-discos, estou a descobrir o encanto de ter mais uma alternativa, de ir às lojas e percorrer o que têm em stock, de perceber como é que as canções soam naquele formato. E sei que isto é uma consequência de todas as horas em que não conversamos sobre o assunto, mas que vi o impacto bonito que a música tinha no olhar do meu pai, dos duetos que fazíamos no carro, daquela manhã em que, à saída do Cercal, achávamos que a cassete dos Gipsy Kings estava estragada e ele aumentou o volume para o máximo: só estava a mudar de lado e, quando passou para o B, a batida ressoou como uma espécie de explosão que nos assustou a todos.
A música une-nos com fios invisíveis e, por esse motivo, será sempre emocional, despertando sensações que outras artes não são capazes. Neste processo, descobri quem são os artistas que me definem e quais é que apenas vieram para acompanhar fases específicas do meu crescimento. Mas ainda compro discos e vinis porque me mantêm perto da adolescente que sabia todas as músicas dos Blue de cor e da adulta que espera pelo vinil de Carta de Alforria. Passou uma vida inteira por ambas, mas existem pontes que não se quebram pelo meio.
Enquanto apoiamos a arte de músicos que admiramos, vamos deixando pistas sobre a nossa história. Eu ainda compro discos e vinis porque cada um destes objetos guarda memórias e um legado que, sem me ter sido imposto, abracei como uma extensão de mim. Hoje, os artistas que escutamos são outros, mas continuamos a comunicar através da música, a reconhecermo-nos na coleção que aumenta e a redescobrirmo-nos até nas melodias que improvisamos.
Contamos muitas histórias assim. E, só para que nunca nos faltem, continuarei a acrescentar álbuns no móvel da sala, enquanto o disco continua a girar, enquanto pelas colunas do computador ecoam vozes que nem sempre reconheces, enquanto me lembro de ir no banco de trás do carro a ver-te dar concertos para três pessoas - e acabo por me juntar com a minha voz de cana rachada. É por isso que a música nos move, mas nunca será só pela música.
Andreia nunca mais vi um disco depois que surgiu o CD, bjs.
ResponderEliminarPost sensacional. Também tenho boas memórias musicais.
ResponderEliminarBoa semana!
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Até mais, Emerson Garcia