O nosso amor é como o vento #5

Fotografia retirada do Tumblr


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Vestir-me de preto, nestes dias, é um suplício. Não gosto de o fazer. Aliás, não consigo compactuar com a obrigação que procuram impor. Conversamos inúmeras vezes sobre esta questão e, em todas elas, a nossa opinião coincidiu: o luto não está na roupa, mas nos nossos sentimentos. E o meu coração, incontornavelmente, está de luto; está magoado e ferido, e demorará algum tempo até curar as feridas. Porém, nada disto é mais ou menos intenso pela cor com que cubro o meu corpo.

Sou capaz, ainda assim, de entender as pessoas que o fazem sem segundas intenções. Porque, quando se perde alguém, não há, propriamente, disposição para cores garridas. Não condiz com o que nos vai na alma. E o nosso estado de espírito tem um peso demasiado significativo para ser ignorado. Portanto, quando nos sentimos fragilizados, sem forças, completamente esgotados, acaba por fazer sentido optar por uma cor menos alegre. Aquilo que eu nunca compreendi foi o facto de existir quem recorra a esta tradição, simplesmente, por causa do que os outros poderão pensar. Nunca me preocupei com isso. E não é agora que o passarei a fazer. Faço o luto à minha maneira - da maneira que considero ser mais cortês para ambos -, sem pensar em possíveis juízos de valor. Hoje - e nos próximos dias -, o meu vestuário não se alterará muito na tonalidade. E ficará dependente do meu ânimo. Sem qualquer tipo de pressão. Porque a dor é minha. E ninguém saberá por quanto tempo terei que a carregar - nem mesmo eu. Mas é tudo tão recente, que não me apetece fazer planos.

Entrar naquele cemitério gelou-me. Arrepiou-me. Deixou-me inquieta e desolada. Era o último momento, a despedida, e tu sabes que eu nunca gostei de despedidas, muito menos deste tipo. E, diante da tua campa, senti um aperto no peito. Doía-me tudo. Comecei a ficar aflita e a sentir o meu corpo a ceder. Adivinhando a minha queda, o teu irmão Bernardo segurou a minha mão com força e colocou o seu braço à volta dos meus ombros, impedindo-me de vacilar naquele instante. Olhei-o com ternura, em jeito de agradecimento, e beijei o girassol, que atirei para aquele buraco fundo e desumano, que me separará de ti, fisicamente, para o resto da vida. E, depois, agarrei-me ao teu irmão a chorar. E numa tentativa de nos sossegar a ambos, ouvi-o dizer:

- Ele estará sempre a olhar por nós, independentemente de onde estiver agora. E continuará a amar-te como sempre te amou.

Não tenho assim tantas certezas na minha vida, mas o teu amor sempre foi uma delas. Quando dissemos que seria para sempre, não mentimos. E sei que iremos cumprir essa promessa, cada um no seu espaço de existência. No fundo, nunca chegou a existir um adeus. Um até já, talvez, mas nada que sentenciasse um final irreversível. Porque, no meu coração, tu não morreste. E, mais cedo ou mais tarde, estarás a chegar a casa, envolvendo-me num abraço apertado e num beijo apaixonado.

Aos poucos, um a um, em família, acompanhados por amigos, as pessoas foram abandonando o local. Deixaram-me com mensagens de força e sorrisos de esperança. Gradualmente, fui ficando sozinha, embora os meus pais não quisessem ir para casa sem mim. 

- O dia foi muito violento para ti, princezinha. Aliás, todo este ano o foi. Precisas de descansar, o Gonçalo não ia querer que ficasses aqui tanto tempo e, muito menos, sem estares acompanhada. 

Eu sei que ele tinha razão, mas senti que ainda não era o momento. E vi nos olhos dos meus pais, nos olhos dos teus, nos olhos dos meus amigos próximos e dos que tínhamos em comum, que ficavam inquietos por me deixarem. Mas eu precisava disso. Precisava de uma última oportunidade a sós contigo, mesmo que aquele não fosse o cenário desejado.

Comentários

  1. O luto somos nós que o fazemos interiormente.... eu não uso preto como forma de luto...

    Isabel Sá
    Brilhos da Moda

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  2. Concordo perfeitamente em que o luto não está na roupa, mas nos nossos sentimentos.
    Um abraço e continuação de boa semana.

    Andarilhar
    Dedais de Francisco e Idalisa
    O prazer dos livros

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  3. Não tenho palavras... Apenas que estava a ler e a arrepiar-me por estar a viver tudo o que estava a ler. Parabéns, minha querida por uma história tão forte e tão cheia de sentimentos.

    Beijinhos! :*

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  4. Realmente também nunca entendi, desde miúda, o porque do preto como forma de fazer luto... cm foi dito acima e bem, o luto somos nós que o fazemos, cada qual a sua maneira... e o tempo e o nosso maior aliado.
    Muitos Parabens por esta história que estou a gostar muito de seguir*
    Bjinhosss
    https://matildeferreira.co.uk

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  5. Estou encantada com esta história 😍
    "Aquilo que eu nunca compreendi foi o facto de existir quem recorra a esta tradição, simplesmente, por causa do que os outros poderão pensar."
    É verdade a maior parte das pessoas usa o preto porque tem medo do que as pessoas vão dizer.
    Eu uso o preto nos primeiros dias porque não tenho vontade de vestir cores, mas não levo essa regra muito avante, a única coisa que imponho é não vestir o vermelho mas também não visto peças no meu dia a dia vermelhas, é raro.
    Beijinhos

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  6. Um texto de cortar a respiração de tão triste. Nunca fui a favor do luto. Como não visto garridos num luto. Apenas visto cores que me falam sentir bem sem estar de negro, que me entristece mais a alma. O luto não está na roupa mas sim no coração.

    Bjos
    Votos de uma óptima Quarta-Feira

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  7. O luto devemos fazê-lo interiormente! Eu raramente uso preto...
    Parabéns por esta história! :)

    amarcadamarta.blogspot.pt

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  8. Olá
    Quando o meu pai morreu há 22 anos atrás não me vesti de luto, isto porque não gosto de me vestir de preto, mas também não me vesti de forma garrida, fui super criticada por isso mas o meu coração estava em paz porque tinha feito tudo o que estava ao meu alcance para ajudar o meu pai. O luto ou acor preta não o ia trazer de volta. Mas o padre inclusivamente defendeu-me durante a homilia na missa.
    A partir daí todos começaram a fazer o mesmo e hoje já ninguém faz esse tipo de luto.
    Beijinhos

    marisasclosetblog.com

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  9. Acho que o luto deve ser feito sem que envolva cores de roupa. Não é a cor com que estamos vestidos que vá dar a entender que estamos de luto ou a sofrer. Cada um sabe as dores que carrega. Às vezes, o que mais magoa é não conseguirmos despedir-nos de alguém. Eu levei algum tempo a perdoar-me depois da minha avó falecer porque não me tinha despedido dela. No dia em que ia visitá-la, ela faleceu. Foi totalmente horrível e eu não estava de todo preparada para isso (nunca ninguém esta não é? independentemente da idade). Hoje em dia, não vou a funerais, pois custa-me imenso e passo mal. Só fui a um, depois da morte dela, porque era a minha melhor amiga na altura e ela precisava de um ombro amigo naquele momento, mas de resto, não vou. Bernardo e Gonçalo? Sério? Adorei os nomes ahah. São nomes de excelentes pessoas até (mas nem todos são assim ahah). Beijinhos querida! A cada capítulo tudo se intensifica e fica mais difícil de segurar as lágrimas. <3

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  10. O luto não se exibe em quaisquer sinais exteriores... sente-se, apenas...
    O texto é belo e reflexivo, apesar de triste.

    Temos um novo conto. E como é para vós que escrevemos, convidamos-vos a participar na escolha do título.
    https://contospartilhados.blogspot.com/2018/06/novo-conto-ainda-sem-titulo.html

    Continuação de boa semana.
    Saudações literárias!

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  11. Cada vez estou adorado acompanhar um pouco mais sobre esta historia,
    Acho que quanto ao luto devemos fazer da maneira que nós mais queremos, perdi a minha mais que tudo que vivia comigo na altura andei 3 meses vestida de preto, mas agora não aconselho ninguém o a fazer pois o preto não vai tirar a dor que fica dentro de nós
    Beijinhos
    Novo post (Unha Decorada?) // CantinhoDaSofia /Facebook /Intagram
    Tem post novos todos os dias

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  12. Forte a despedida, quando cheguei ao fim do texto também senti a vontade dela ficar sozinha, mesmo sem a olhar nos olhos...Impressionante, tudo o que queremos num bom livro, que nos faça sentir!!
    Mais uma vez os meus parabéns!!
    Beijinhos

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  13. Desde que os meus pais me ensinaram o significado de morte, nunca mas mesmo nunca me incentivaram a vestir preto pelo luto. Sempre me vesti normalmente, porque o meu luto não estava na roupa mas, sim, no meu coração.O problema é que, muita gente, incentiva a usar preto porque "as pessoas vão comentar estares de vermelho depois da morte da pessoa x". O problema do luto é o problema da sociedade: ligar demais à opinião dos outros e ao que eles vão pensar. Eu nunca liguei, sempre me vesti como queria e sempre fiz o luto à minha maneira. E é assim que devia ser com toda a gente. Só nós podemos definir o nosso luto :)

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  14. " O luto não está na roupa, mas nos nossos sentimentos", esta frase resume tudo! Sinceramente, a sociedade faz cada imposição mais estúpida. Uma pessoa, quando perder alguém, já está em demasiado sofrimento, não precisa de se ter que preocupar também com o que vestir. Se veste preto inconscientemente muito bem, se não o faz também não tem mal, e ninguém tem que andar a falar mal.
    Beijinhos
    Blog: Life of Cherry

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  15. "O NOSSO AMOR É COMO O VENTO" está a tomar a forma de um romance.
    Um romance, triste, realista que cativa.

    Desatar o nó do luto é difícel, mas quando se consegue, abre-se nas nossas vidas, novas oportunidades | perspectivas.

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  16. Que sentimento de mágoa que as palavras transbordam, parece que consigo ver o desenrolar da cena em frente aos olhos.
    Concordo com tudo aquilo que disseste sobre o luto e que o preto vem do estado de espírito e é algo opcional, não uma tradição que deve servir de prisão.
    Escreves imensamente bem,como já disse mas reforço!
    Beijinhos querida

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  17. Concordo plenamente contigo, não consigo descrever tão bem como tu o que é luto,é algo que só um de nós consegue sentir e de forma diferente, é um sentimento nosso que fica sempre.
    Beijinhos Andreia mais um texto profundo,lindo.

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  18. O luto é um costume do antigamente. Menos usado pelas novas gerações. Não critico quem o queira nem quem o não queira usar. O sentimento está com quem o sente no coração e não na roupa que usa vestida...

    Tenha uma boa noite Andreia.

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  19. Como é difícil o luto. E ele realmente não está na cor da roupa, cada um sabe a melhor maneira de lidar com ele. :(

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  20. awww, obrigado, obrigado meu bem :D Sim, viste primeiramente no instagram dela. :D Depois disto percebi que trabalhamos muito bem juntos, e só tenho de dar graças a isso e ao facto de acreditarem no meu trabalho :)

    Acho que começo sempre os comentários a estes teus textos com "Meu Deus!!", porque não consigo arranjar palavras mais fortes. É incrível como, no tempo que leio o texto, me sinto a viver tudo. É uma dor incomensurável a que se deve sentir nestes momentos! Não consigo nem sequer pensar :(
    Ainda em relação ao luto: partilho da opinião de que o luto é interior e não exterior. Mesmo que não haja predisposição para vestir as tais cores alegres e mais garridas, não se deve refletir, só e tão somente, pelo uso do preto. Aqui, na aldeia do meu pai, é imperativo usar preto... o que não é muito correto!

    NEW REVIEW POST | THE BEST DUO OF LIFE FOR MIXED AND OILY SKINS.
    Instagram // Facebook Official Page // Miguel Gouveia - Blog Pieces Of Me :D

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  21. Bom dia, o luto não tem nada com a cor, o luto é a dor que não tem que ser exibida, é o sentimento que causa o luto.
    Feliz fim de semana,
    AG

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  22. "Aquilo que eu nunca compreendi foi o facto de existir quem recorra a esta tradição, simplesmente, por causa do que os outros poderão pensar." Concordo com o que disseste em relação ao luto, acho que esse deve ser feito da forma como bem entendermos. As cores da nossa roupa poderão até dizer alguma coisa sobre o nosso estado de espírito, mas isso não é regra, não quer dizer que eu sofra mais ou menos que alguém. Isso deve ficar ao critério de cada pessoa, se quer vestir preto veste preto, se não quer, não veste. Acima de tudo, devemos ser nós, fazer o nosso luto e não nos deixarmos levar pelo que os outros poderão pensar ou dizer.

    Em relação ao resto do texto, mais uma vez, sabes como nos agarrar. As despedidas são tão dolorosas...

    R: Obrigada pela tua participação querida. Se te lembrares de mais algumas podes sempre ir lá deixá-las. Quantas mais melhor :)

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  23. Foi quando perdi a minha avó que percebi que não tinha roupa preta. Mas também não me importei. Sabia bem que ela não me iria querer num lugar sombrio. Quando perdemos alguém devemos ser honestos com a nossa dor. Seja o que for que isso implica.

    Mais um capítulo profundo.

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