O nosso amor é como o vento #6
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Fotografia de James Chororos |
Estava estática diante da tua campa. Abraçada a mim, mas de olhos fechados, como se esperasse que, ao abri-los, tu aparecesses à minha frente. E, de repente, comecei a ouvir o som de passos a aproximarem-se. O meu coração desassossegou e procurei ver quem seria. Essa presença forte colocou-se ao meu lado, pôs a mão sobre o meu ombro esquerdo e falou-me, com uma voz suave e segura.
- Lamento a sua perda. Sei que não deveria intrometer-me, não tenho esse direito, mas seria melhor ir descansar. Está, visivelmente, desgastada, tem que se recompor. Acredite, se o fizer, será mais fácil encarar os dias que se avizinham. As forças são muito poucas, sei isso por experiência própria, mas permanecer aqui não a ajudará a sentir-se melhor. Muito pelo contrário, só aumentará a sua dor.
Aquele perfeito desconhecido, para além de estar carregado de razão, conseguiu fazer aquilo que mais ninguém foi capaz: convencer-me a ir embora para descansar. Porém, esse efeito automático não deixou de me intrigar. Perto dele havia uma espécie de bolha de segurança, como se nada de mal pudesse acontecer. Noutra altura, certamente, poderia encarar a sua abordagem como abusadora, mas em nenhum momento, desde que chegou, me fez sentir desconfortável pela sua presença e pelas suas palavras tão paternais e acertadas. Além disso, transmitia qualquer coisa de familiar.
Quando, finalmente, o encarei, percebi o porquê daquela sensação: era o homem que me confortou no hospital. Ainda que o meu olhar estivesse turvado pelas lágrimas, não seria capaz de esquecer o seu rosto. Foi um gesto muito bonito da parte dele vir até aqui, sobretudo, porque não tinha essa obrigação. Afinal, nem sequer nos conhecia. Ficarei, eternamente, grata e sensibilizada com tamanha compaixão e ternura. Pode ser o meu lado mais fragilizado a falar, mas é percetível que é um ser humano com um bom coração e que, por circunstâncias da vida, sabia, perfeitamente, aquilo que eu estava a passar. E atrevo-me a dizer que a sua ferida não deve ser antiga.
Olhei para o céu, respirei fundo e murmurei que me irias fazer imensa falta, mas que prometia ser forte e aguentar pelos dois. Abri os olhos, sussurrei «eu amo-te» e atirei um beijo para lugar nenhum, com esperança de que o pudesses sentir de alguma forma. Adiei esta despedida o máximo que consegui, mas tinha chegado a hora. O meu coração estava desfeito em infinitos fragmentos e senti o mundo a comprimir o meu peito. Julguei que o pesadelo não se podia prolongar mais, mas, claro, estava enganada. E voltei a chorar toda a dor que existia dentro de mim. Compreensivamente, o meu acompanhante afastou-se, proporcionando uma certa privacidade, até me recompor. Depois disso, fez-me companhia até ao carro. Numa marcha lenta e silenciosa, que eu acabei por quebrar.
- Quando é que perdeu a pessoa que mais amou na vida? - perguntei-lhe sem ter noção de que, talvez, aquela não fosse a questão mais acertada.
- Fez, ontem, dois anos! - disse-me por entre um suspiro profundo e melancólico.
- Não lhe deveria ter feito esta pergunta... Lamento! - tentei desculpar-me perante a minha falta de sensibilidade.
- Não há problema, não fique confrangida - sorriu, ligeiramente, e prosseguiu - Já passou algum tempo, ainda que, para mim, continue a soar a meia dúzia de dias. Na realidade, o tempo acaba por ser um dado irrelevante, porque o vazio subsiste.
- Recupera-se de uma perda assim? - perguntei-lhe, hesitante, como se tivesse medo de descobrir que não existe uma fórmula secreta para lidar com o assunto.
- Na totalidade? Não. As primeiras semanas são muito confusas, porque vivenciamos inúmeros estados de espírito. A aceitação parece-nos impossível, culpamo-nos e culpamos os outros; desacreditamos, tudo nos incomoda, há pequenas demonstrações de raiva e entramos num completo estado de melancolia. Mas, aos poucos, aprendemos a gerir melhor os nossos sentimentos, porque compreendemos que nada reverterá o que aconteceu. A pessoa não volta, existe uma parte de nós que foi embora com ela, mas não é errado retomar a nossa vida. E, então, reerguemo-nos. Mas recuperar nunca se recupera, porque há sempre algo que nos faz regressar ao dia em que o nosso mundo desabou.
O discurso deste homem é tão sólido, tão coerente, tão verdadeiro. Qualquer outra pessoa não demoraria a dizer-me que iria recuperar com o tempo, que a dor seria cada vez menor. Mas ele, de uma forma ponderada e meiga, abriu o jogo e explicou-me, muito sucintamente, como é que as coisas seriam daqui para a frente.
Quando perdemos alguém de que gostamos dá sempre a sensação de que ela vai aparecer a qualquer momento.
ResponderEliminarGostei bastante desta excelente história.
Um abraço e continuação de boa semana.
Andarilhar
Dedais de Francisco e Idalisa
O prazer dos livros
Caramba... fiquei sem palavras e viram me as lágrimas aos olhos do de imaginar o que estás personagens estão a sentir... :’( mas acredito quando se fecha uma porta abre se mesmo uma janela porque enquanto há vida há esperança :) mal posso esperar pela continuação desta história :) continua, princesa, vou querer o livro autografado :)
ResponderEliminarBjinhosss
https://matildeferreira.co.uk
Este excerto em particular fez-me lembrar o meu avô paterno após a morte da minha avô em 2015. A mescla de sentimentos e o sentimento de desorientação quando perdes alguém.
ResponderEliminarExcelente reflexão sobre a perda!
Beijinhos!
Bom dia. Um texto tão comovente que me deixou sem palavras. Uma perda, demora sempre muito tempo para se recuperar. :(
ResponderEliminarHoje:-Das cartas que eu nunca te enviei.
Bjos
Votos de uma óptima Quarta-Feira.
Olá
ResponderEliminarEste tema é bastante desgastante, porque inevitavelmente todos iremos passar por ele.
Tem de se aprender a viver com a ausência dessa pessoa.
xoxo
marisasclosetblog.com
É como o vento. Há dias em que se sente como um sussurro ao ouvido. Há outros em que nos transforma a vida numa imensa tempestade.
ResponderEliminar"Tem dias..."
Intenso, forte e tenho a certeza que também verdadeiro para muitos de nós!
ResponderEliminarSinto que o tempo apenas nos permite, como escreveste, reerguermo-nos. Mas não atenua nada, não tira dor nenhuma nem fará esquecer nunca aquilo que sentimos!
Um grande beijinho, minha querida *
Caramba, é um texto tão maravilhoso e tão intenso! Gostei imenso!
ResponderEliminarBeijinhos
THAT GIRL | FACEBOOK PAGE | INSTAGRAM | TWITTER | YOUTUBE
Oh sabe sempre bem acompanhar mais um pouco desse teu texto cada vez tenho adorado essa tua historia, mas da mesmo que pensar um pouco
ResponderEliminarBeijinhos
Novo post // CantinhoDaSofia /Facebook /Intagram
Tem post novos todos os dias
Cada vez mais me prendo a história. Muito bom :)
ResponderEliminarE realmente é verdade, nunca se esquece.
Uns ultrapassam melhor que outros. E às vezes com a rotina estamos desligados dessa perda, mas mais tarde ou mais cedo a memória volta a relembrar a pessoa, e do dia mais doloroso.
Beijinho
Parabéns mais uma vez pelo texto! Realmente tocante. Nestas ocasiões por vezes vale mais uma palavra vinda de um desconhecido, do que as palavras já gastas de quem nos conhece...
ResponderEliminarBeijinhos
Sandra C.
https://bluestrass.blogspot.com
Muito forte esse tema da perda da pessoa amada Andreia. Belo texto!
ResponderEliminarE a imagem combinou perfeitamente com as suas palavras. <3
Estou a adorar acompanhar!
ResponderEliminarBjxxx
Ontem é só Memória | Facebook | Instagram
Já dou o spoiler que estou amando os produtos! hahaha! ;D
ResponderEliminarÀs vezes o conforto vem de pessoas que nem esperamos. Isso porque é difícil encontrar alguém que consiga compreender a dor do próximo!
Ótima quarta!
Beijo! ^^
Adorei o post, adoro ler-te! Parabéns :)
ResponderEliminarQue texto emotivo! Estou a adorar esta história! :D
ResponderEliminaramarcadamarta.blogspot.pt
;)
ResponderEliminarBom restinho de quarta!
Beijo! ^^
Uma história inquietante.
ResponderEliminarIsabel Sá
Brilhos da Moda
Um texto bonito e pungente!
ResponderEliminarAcho que ele está certo, a gente não se recupera, mas aprende a conviver.
Tão incrível, como sempre.
ResponderEliminarE sim, acredito que quando perdemos alguém que nos diz muito nunca recuperamos totalmente, porque será sempre um lugar que ninguém irá ocupar, no entanto, acho que sim, que é possível reerguermo-nos, que o tempo ajuda e que atenua a dor. Não quer dizer que ela desapareça para sempre, pois as saudades são tramadas, mas acredito que podemos voltar a ser felizes :)
Será que se vão ajudar um ao outro nessa dor?
ResponderEliminarQuando se perde alguém nunca se recupera verdadeiramente. Em Dezembro faz 8 anos que perdi a minha avó e tem dias que parece que foi ontem. Felizmente existem pessoas que nos dizem as palavras certas na hora certa.
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