O nosso amor é como o vento #7

Fotografia da minha autoria


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Quando cheguei à beira do meu carro, despedi-me e agradeci, uma vez mais, por toda a amabilidade e conforto prestados, e, sobretudo, pela presença no funeral, quando não tinha a obrigação de o ter feito. Em resposta, deu-me um cartão com o seu contacto.

- Se precisar de alguma coisa, tiver dúvidas ou, simplesmente, quiser desabafar, não tenha qualquer receio em ligar-me. Mesmo que não consiga atender na hora, garanto que retribuo. Feliz ou infelizmente, sei que os próximos dias virão acompanhados por um estado de limbo constante, receios, crises, portanto, no que puder ajudar, conte comigo.

As suas palavras soavam a uma rede que nos ampara e nos embala, confortavelmente. De facto, tem sido incansável. Acho que, em nenhum outro momento da minha vida, um estranho se tinha mostrado tão prestável. Admito, no entanto, que tanta generosidade me fez desconfiar; tive um certo receio de que só se quisesse aproveitar da situação e da minha vulnerabilidade - não seria o primeiro caso. Porém, quando o olhei nos olhos, no exato fragmento temporal em que partilhou a sua dor e a sua perda, foi o suficiente para compreender que as suas intenções eram puras. Nós somos capazes de fingir inúmeras coisas, menos o sofrimento genuíno que o olhar carrega. E eu sempre fui boa a ler as pessoas.

- Tem sido tão gentil comigo e eu nem me apresentei: Constança Mendonça, prazer - estendendo a mão para o cumprimentar.

- É, perfeitamente, natural. A sua cabeça tem coisas mais importantes com que se ocupar. Muito prazer, Constança, sou o Lourenço Botelho.

Depois de saber o seu nome, também escrito em letras garrafais no cartão que me tinha dado, senti uma estranha familiaridade, como se já nos tivéssemos cruzado antes. Seria impossível, caso contrário, ele ter-me-ia alertado para isso. Mas não consegui evitar a sensação de que não era a primeira vez que o escutava. Procurei afastá-la e entrei no carro. Acenei-lhe. E, enquanto me distanciava do local, ainda lhe consegui dizer «até qualquer dia».


🌻🌻🌻


Os dias parecem, agora, tão sombrios, tão desinteressantes, tão vazios como o meu coração; parece que se arrastam e que me levam com eles para um qualquer espaço negro da minha alma. Já passou um mês e continuo a chegar a casa desejosa de te abraçar. De me sentar ao teu lado, no sofá, e encostar a minha cabeça no teu ombro, contando-te mais um conjunto de peripécias do meu dia. Em reflexo, tu rias sempre, fazias uma observação sarcástica, só para me irritar, e eu lançava-te um olhar reprovador. E aguentávamos uns segundos, até nos perdermos nas nossas gargalhadas.

Sinto tanta falta do teu riso. Era o que preenchia a casa, ainda vazia, com sinais evidentes de que nos tínhamos acabado de mudar. Mas o teu riso cobria todas as divisões. Aconchegava-as. E mostrava-me o quanto fizemos bem em dar este passo. Lembro-me que nos rendemos, automaticamente, à fachada desta moradia, caiada de branco e janelas azuis. E quando vimos o espaço interior, sentimos que seria o nosso refúgio. Não precisávamos de procurar mais. E, por isso, tenho feito um esforço para o decorar como o idealizamos, em tantas madrugadas sem sono, acompanhados por um chá de hortelã. 

Não pretendo quebrar a nossa promessa, mas, no fim deste primeiro mês, senti que chegou a altura de arrumar as tuas coisas em caixas: ficar, apenas, com o essencial, oferecer à tua família e amigos a hipótese de ficarem com algumas recordações físicas e doar o restante. Devo dizer-te que todo este processo é horrível, porque a última coisa que queria era a sensação de te estar a colocar do lado de fora da porta; do lado de lá do lar que escolhemos para viver até ao fim das nossas vidas. Irónico, não é? Mas eu sei que manter tudo é equivalente a não reagir e a chorar todos os dias. Consequentemente, continuarei a questionar-se sobre tudo e isso não é saudável. Preciso de me recompor - pelos dois. E quando percebi isso, percebi que nenhuma memória iria perdida numa das caixas de cartão. Porque tudo o que é teu ficará sempre comigo. Tu ficarás para sempre comigo!

Comentários

  1. A cada capítulo a curiosidade aumenta. Estou a adorar e acho que este seria uma excelente estreia tua no mundo literário.

    Beijinhos!

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  2. Das coisas que mais receio tenho... de o perder! Por isso dou lhe valor a cada dia que passa <3
    Estou a gostar muito da lição desta história, e preciso dar valor para não perder mas sinto que enquanto há vida há esperança
    Bjinhosss
    https://matildeferreira.co.uk

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  3. Continuo a ler com grande interesse "O nosso amor é como o vento", embora nem sempre comente. É uma história que podia ser a minha, cujo nó do luto ainda não desatou.

    A fotografia é absolutamente fantástica.

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  4. Oh que essa tua historia da mesmo um livro, agora é só esperar pelo próximo texto, pois estou bastante a adorar
    Beijinhos
    Novo post // CantinhoDaSofia /Facebook /Intagram
    Tem post novos todos os dias

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  5. Os objetos guardam-se numa caixa de cartão. Os sentimentos guardam-se no coração.

    Lamento ser um leitor tão desleixado (e cada dia estou pior), mas um dia hei de começar a ler esta história do princípio.

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  6. Ai, esse momento de colocar tudo em caixas... realmente terríveis. Mas as lembranças e os momentos bons se guardam no coração e na alma, é verdade. <3

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  7. A perda é sempre dolorosa. tenho muito medo. Gostei de ler o texto. Muitos sentido.

    Bjos
    Votos de um óptimo fim de tarde.

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  8. Este comentário foi removido pelo autor.

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  9. ;)

    Essa parte da história me fez lembrar da minha sogra. Quando a mãe dela partiu ela não se desfez de nenhum objeto. Continuam na casa dela até hoje: roupas, utensílios domésticos, móveis... Sei que não deve ser fácil se desapegar de tudo isso. Porém, acho que é mais difícil guardar e sempre que olhar pra cada canto da casa se lembrar da tristeza de ter perdido uma pessoa querida! Bom, mas isso é uma escolha de cada um, né?!

    Ótima quarta!

    Beijo! ^^

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  10. Que texto apaixonante!!
    Fiquei cheia de curiosidade, fico à espera
    Adorei, como sempre**

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  11. Adorei, é maravilhoso ler-te. Não me farto nunca de vir aqui e encontrar serenidade e paz nos teus textos. Para além disso tens uma escrita fantástica, já pensas-te em seguir esta área? Tens imenso jeito, sem dúvida eu compraria um livro teu! Beijinhos

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  12. Porque o faz com talento,
    deve continuar a escrever
    esse amor que é como o vento
    Andreia, não minto, gostei de ler!

    Tenha uma boa noite.

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  13. Tão lindo. Um texto que realmente transmite emoção, e que nos deixa de lágrimas nos olhos. Desejo-te muita, muita força, e que nos continues sempre a escrever, porque estaremos sempre aqui para te ouvir <3
    Beijinhos,
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  14. ;D

    Sim! E no caso da minha sogra sinto que não faz bem... Mas não falo nada, pois respeito o desejo dela.

    Ótima quarta!

    Beijo!

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  15. Oh querida estou a ficar tão curiosa com o desenrolar da história!
    https://retromaggie.blogspot.com

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  16. A imagem é linda, sensacional o texto já fiquei curiosa pra saber a continuação, aguardando bjs.

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  17. É mesmo isso, meu bem. Para te ser sincero, irrita-me, intriga-me e aborrece-me as pessoas não cuidarem tanto da vida delas como deveriam. Acho que se cada um vivesse a sua vidinha, nada deste género de coisas acontecia. É muito mais fácil apontar o dedo aos outros do que a nós mesmos... Será sempre assim!

    Estou, genuinamente, ansioso por ler mais um capítulo. A história está a ficar cada vez mais coesa!!! É quase impossível não dos deixarmos envolver na trama, sem margem para dúvidas!

    NEW TIPS POST | ESSENTIAL IN A TRAVEL NECESSAIRE. <3
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  18. Tem sido um gosto acompanhar esta história. E sei que me repito, mas tu escreves tão bem, que eu sinto sempre vontade de saber mais!

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  19. Ohhh mais uma fase dolorosa para ultrapassar!!

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  20. Há objetos que sempre iremos querer guardar dessa pessoa, mas que acabam por si só por magoar-nos imenso. Acho que não é de todo uma má intenção da parte dela. Afinal, as memórias estão dentro dela, não nos objetos. Beijinhos 💛

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  21. As memórias mais importantes nunca desaparecem. Ficam bem gravadas em nós, para sempre.

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