Outubro. Se tivesse que resumir este mês em duas palavras, escolheria concretização e serenidade. Primeiro, porque consegui conhecer locais que há muito figuravam na minha lista de desejos. Segundo, porque, embora tenha sentido o peso da nostalgia ao não estar presente em mais uma Semana de Receção da Academia, não houve situações de maior, que me obrigassem a uma gestão emocional delicada. Portanto, estes trinta e um dias foram muito tranquilos, mas permitiram-me estruturar melhor algumas componentes do blogue e, inclusive, começar a limar as arestas de uma nova ideia que me abraçou. Com muitas leituras e o regresso de séries que me completam, outubro abriu as portas a uma combinação que eu tanto aprecio: chá quente, mantas e bolos de caneca.
Fotografia da minha autoria
«Uma das obras-primas que consagraram
definitivamente [o] autor»
A magia da literatura alicerça-se no quanto conseguimos prolongar o desfecho de uma obra. Embora a curiosidade aumente e o peito acelere, nunca queremos pistas óbvias e conclusões rápidas, para desfrutarmos dos contornos imprevisíveis. Quando as respostas são demasiado evidentes, tendemos a perder interesse, porque pouco haverá a acrescentar na narrativa, reavivando o seu fulgor. Porém, quando o autor é Gabriel García Márquez, essa hipótese deixa de ser linear, sendo completamente desconstruída. Apesar de ter sido a minha estreia no autor, foi fácil abraçar essa certeza. Porque tem toque de mestre.
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«Uma vila que se sente»
As lembranças da minha infância estão um pouco turvas, como se o baú onde se escondem estivesse praticamente inalcançável. Porém, há traços que se colam no nosso peito, transmitindo vitalidade. E, por mais que viva, regresso sempre a esse estado saudosista, que me transporta para lugares únicos. Imperdíveis. A Ericeira foi amor à primeira vista, mas a nossa história ficou em suspenso, uma vez que as nossas rotas estiveram desencontradas. Voltei aos 27 e compreendi, em pleno, o porquê de nunca a ter esquecido: porque tem uma luz que nos habita, mesmo quando nos ausentamos por tempo indeterminado.
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«Cozinhar é só um jeito diferente de amar»
As ruas da Ericeira têm traços delicados e familiares. Têm cheiro a maresia. E têm alguns contrastes: uma paz que nos inspira, logo pelo amanhecer, e uma azáfama de conversas e gargalhadas quando, à noite, as esplanadas começam a encher para o jantar. Parece que descobrimos dois locais distintos, mas complementares. Porém, é este pulsar de vida que me faz sentir em casa. E o aroma da gastronomia tradicional, onde o peixe é protagonista, abre-nos o apetite e convida-nos a sentar, fazendo-nos embarcar numa viagem de sabores inconfundíveis.
«Eu congelei
Não saí daqui
E já calei
O verão em mim
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... Miniaturas!
[De barcos, de faróis, de palácios, de carrinhas Pão de Forma... Porque são peças com história, que acabam por se tornar colecionáveis. Além disso, permitem-me guardar um pouco de mundo dentro destas quatro paredes que são muito minhas. Logo, a minha casa tem detalhes de tudo o que me entusiasma e de todos os lugares que vou palmilhando. Observando as várias divisões e móveis, vou sendo transportada para realidades paralelas, que habitam na minha memória. E cada uma destas miniaturas é quase uma viagem ao passado, mas sem sair do lugar]
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Direita ou esquerda? Num instante, a minha vida passou a desenrolar-se dentro de um labirinto.
O medo é um mundo. E não deixa de ser um mecanismo de defesa, perante mudanças que nos retiram da nossa zona de conforto. Este estado emocional ativa todos os nossos sentidos de consciência, porque nos predispõe a antever o perigo e a analisar a ameaça - seja ela real ou hipotética. Nem sempre somos capazes de desconstruir os nossos receios, pois há traços irracionais incontroláveis. Ainda assim, existe sempre maneira de nos libertarmos dos nossos fantasmas. E uma delas é através da literatura. Portanto, para o tema deste mês do The Bibliophile Club, selecionei uma obra que expõe vários dos meus.
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«A essência do conhecimento consiste em aplicá-lo»
A corda que nos permite equilibrar na vida é sempre ténue. Escorregadia. Imprevisível. Porque nos alerta para a importância de estudarmos o chão que pisamos, compreendendo o peso dos nossos passos. Mas esta aprendizagem requer tempo e compromisso. E, mesmo assim, permanecerá a dúvida de termos seguido - ou não - a rota certa. Nunca o saberemos na totalidade, uma vez que existem inúmeras hipóteses. Portanto, não é justo analisarmos o passado com o filtro do presente, até porque as nossas ferramentas divergem. E a nossa maturidade vai-se construindo pela experiência. E pela dicotomia tentativa-erro.
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«Vivemos melhor com menos, mas, cá entre nós,
alguém vive melhor com menos livros?»
O minimalismo trouxe alguma paz de espírito à nossa casa interna e física, porque nos permitiu compreender aquilo que, efetivamente, nos pode ser útil. No entanto, somos feitos de emoções e temos uma capacidade singular para criar memórias nos mais diversos objetos e peças. Portanto, este processo nem sempre é intuitivo e célere. Requer desapego e auto-controlo. E uma perceção clara dos benefícios. Mas, quando o abraçamos, há um aconchego diferente. Há uma sensação de liberdade inspiradora e mágica. E acabamos por nos deixar ir, embalados nos seus resultados. Só que tudo isto muda de figura quando chegamos a um compartimento muito específico: a nossa biblioteca.
Fotografia da minha autoria
«Andei por aí, procurando o universo»
A vida ao mar, sentida
Em outono na cor da pele
Sereno e quebradiço, desigual
Dentro de uma nuvem desabitada
Sem chuva, sem sol, sem cheiro
«Eu quero ficar
Mas o corpo vai
Aonde tu estás
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... Pequenas Coisas!
[Parar. Observar. Absorver todos os pormenores bons, que motivam e atribuem sentido à jornada. Dentro de mim, guardo infinitos compartimentos, mas todos se orientam pelo princípio da admiração pelas pequenas coisas maravilhosas que a vida coloca à nossa disposição: desde os abraços aos sorrisos. Desde mergulhar nas páginas de um livro ao processo de pegar na caneta e deixar a imaginação fluir. Desde brincar com o Goji e o Silvestre a preparar uma chávena de chá. Desde palmilhar sítios desconhecidos a ficar fascinada com traços de locais que conheço - quase - de cor... A lista nunca terminaria. Há momentos grandiosos, que nos arrebatam para sempre. Há memórias avassaladoras, de sonhos que têm uma dimensão megalómana. Porém, é na tranquilidade destas aparentes manifestações mínimas que encontro propósito. Porque não necessito de grandes coisas para ser feliz e sentir-me em paz. Preciso, sim, de todos estes pequenos focos de luz que sustentam os meus passos. E que são a minha essência]
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«Fotografar é uma maneira de ver o passado»
A viagem começa a encaminhar-se para o regresso a casa, mas não sem antes fazer mais uma paragem. Setúbal é uma cidade maravilhosa, cheia de identidade, que merece ser descoberta ao detalhe. Não foi a minha primeira visita, mas não tinha lembranças muito consistentes. E, também por isso, soube bem calcorrear as suas ruas, embora não tenha permanecido muito tempo. Escondendo-me atrás da minha objetiva, fui registando tudo aquilo que, posteriormente, me permitirá apaziguar as saudades e conhecer os passos de outra perspetiva. Acompanham-me?
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Tema: Um livro com animais
A nossa caminhada necessita de uma componente solitária, porque há batalhas que só dependem do nosso compromisso. No entanto, o percurso é muito mais gratificante quando partilhado. E a companhia pode ser provável ou, então, distanciar-se desse lado previsível, até porque não nos podemos esquecer dos fiéis amigos patudos, que nos proporcionam histórias memoráveis, luz e amor. Por isso, são os protagonistas do tema mais recente de Uma Dúzia de Livros.
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«É preciso ver o que não foi visto,
ver outra vez o que se viu já»
Évora não foi a primeira cidade alentejana que conheci. Porém, foi aquela que me despertou um vínculo umbilical imediato. E foi, durante alguns anos, a minha casa de férias - por uma semana mágica. Por isso, há muitos traços que resistem na memória. E o regresso revela-se sempre emocional. Acredito que as viagens, tal como o nosso lar, são feitas de sentimentos distintos. E que a comunicação que estabelecemos em cada passo ajuda a construir um dialeto muito próprio. Estive longe do seu regaço por um longo período temporal. Portanto, voltar deixou-me a pele eriçada e o peito em alvoroço. Mas pelos melhores motivos.
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«Girassóis: mesmo sabendo que não há tempo de sobra, eles escolhem viver a versão mais bonita da vida»
O dia amanheceu em tons acinzentados, com nuvens a inspirar pouca confiança, uma vez que cobrem todo este quadro-céu de promessas chuviscadas e de nostalgia. Porém, cresci sempre com a certeza de que boda molhada é boda abençoada. E, curiosamente, em ambas as famílias, não houve uma única cerimónia a fugir a esta sina. E têm prosperado.
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«E, às vezes, tudo fica simplesmente meio-a-meio»
Quero e não quero
Essa vontade de te ver
E de te querer
Num reflexo límpido
Diante de mim
«Estrelas, foram estrelas
Que te fizeram assim
Com esse jeito no olhar
O universo a despertar
Foram estrelas que te trouxeram aqui
Fotografia da minha autoria
«A estranha e mágica história de Vivaldo Bonfim»
O meu pai não trata as palavras escritas com a mesma essência com que as acolho. Se o vi a mergulhar nas páginas de um livro, foi o máximo do seu compromisso. Porém, nunca dispensou a leitura de jornais. E isso não me faz qualquer confusão, pois temos prioridades distintas - e eu já estive do outro lado. No entanto, é com uma certa comoção que o ouço mencionar que eu não leio, eu devoro os exemplares que preservo no regaço. Por isso, neste enredo, a filha é que seria devorada pelos livros. Mas a história singular que Afonso Cruz nos conta tem outra poesia. Outro encanto. E um traço familiar inspirador.
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«Fotografar é uma maneira de ver o passado»
Olivença tem dialeto e sangue quentes. Localizada na fronteira entre Portugal e Espanha, preserva influências de ambos os países e recebe-nos com traços de património entre muralhas, quase como se fosse um segredo pronto a ser desvendado. A riqueza histórica e arquitetónica não passa indiferente a quem calcorrear as suas ruas, que nos prendem pelos detalhes sublimes. Neste local de fusão, o Castelo, a Igreja de Santa Maria Madalena, o portal do Palácio dos Duques do Cadaval, a Biblioteca Municipal Manuel Pacheco e as suas Praças são dignas de paragem. Fui num dia pacato e sei que não me importaria de ter ficado mais tempo. Porque Olivença tem identidade - e particularidades onde nos podemos rever, porque também carregam a nossa história.
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«Reler um bom livro é como deslumbrar
várias vezes uma bela paisagem»
A vida parece sempre curta, tendo em conta os livros que mantemos em lista de espera, para, um dia mais tarde, nos perdermos nas suas histórias. No entanto, já aceitei o facto de essa realidade ser inatingível, uma vez que há novas obras a aparecer e a despertar a nossa curiosidade. E, talvez por isso, tenha abraçado as releituras com tanta naturalidade, mesmo não sendo uma prática recorrente. A minha prioridade são os exemplares que ainda não li, porém, como em tudo no nosso percurso, é preciso reconhecer o benefício da dúvida e ser capaz de atribuir segundas oportunidades - inclusive, literárias.
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«É preciso ver o que não foi visto,
ver outra vez o que se viu já»
A nossa jornada pelo Alentejo, esse pedaço de casa que transporto no peito, levou-nos de volta a uma das cidades que não mais me saiu da memória: Beja. Inconscientemente, fui contando o tempo para o reencontro. Por isso, explorei alguns dos seus recantos com um sorriso largo e o coração a transbordar de felicidade. Porque há uma energia impossível de definir, quando chegamos a lugares que queremos tanto. E o carinho que lhe reservo ficará, para sempre, colado à minha pele.
«Lembra-me, por favor,
Nessa tua voz serena
Que ainda valho a pena, lembra.
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... Irmandade da Cerveja!
[Sou apreciadora de cerveja, embora não beba de uma forma regular. E sempre preferi a preta, pois tenho uma predileção por sabores mais amargos. Há uns anos, nas Feiras Medievais, descobri a Irmandade da Cerveja e rendi-me às suas opções artesanais, que são uma delícia. Além disso, investem num design de caneca e copo diferente para cada nova edição. Por isso, passei, também, a fazer coleção dos mesmos. Só comecei em 2015 e perdi a do ano passado, mas a de 2019 é linda. Para possíveis amantes de cerveja, aconselho que descubram esta irmandade, que prima pela originalidade, pela simpatia e pela qualidade].
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«Seu olhar permanece turvo e o coração vazio»
O sonho onde te prendo é turvo
Perdeu consistência e propósito
E talvez tenha, hoje, menos sentido
Sonhar-te e enlaçar-te ao meu abraço
Fotografia da minha autoria
«Uma paixão começa sempre com uma certeza.
Mas nunca sabemos como acaba»
O meu voo literário pode ser longo, mas preserva um ninho ao qual regresso sempre. Porque eu vou, deambulo em novas histórias e autores, mas volto onde sou feliz, até pelo traço familiar e empático. E há muito que estabeleci a minha zona de conforto, pois acrescenta-me, mesmo sem me apresentar desafios novos. Além disso, apazigua qualquer frustração. E auxilia em momentos de bloqueio. Margarida Rebelo Pinto é uma das minhas bases. E foi uma das primeiras escritoras a fomentar esta minha paixão pelos livros. Por isso, nunca lhe largo a mão.
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«Eu quis sonhar mais alto»
A música portuguesa apresenta-se com uma saúde de ferro. Tenho lido alguns comentários nesse sentido, exaltando a sua atual qualidade. E eu contraponho, porque sempre esteve numa forma invejável. A diferença é que, finalmente, há uma aposta mais digna nos artistas nacionais, valorizando os estilos, a identidade e a multiplicidade. E existe uma curiosidade maior por aquilo que é produzido - e cantado - pelos nossos. Como eterna apaixonada pelo nosso dialeto, existem nomes que acompanho desde sempre. E há outros que tenho abraçado pelo caminho.
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[Pedro Abrunhosa // Os dias mais felizes
Agenda Solidária IPO]
«Foi nestes dias entre a infância e a adolescência que aprendi o quanto pode o Amor de quem nos quer. Nesta liberdade de melro-de-fim-de-tarde que esvoaça antes de recolher, creio ter desenvolvido algumas aptidões humanas que haveriam de me salvar tantas vezes no futuro. A talha da vida acontece quando menos damos conta, nos pequenos eventos que nos parecem tão pouco, tão leves, tão normais. Acontece nos silêncios, por dentro, tão lentamente como lenta foi a rocha que se fez areia. Julgávamos estar a brincar [...] mas, em vez disso, aprendíamos a ser homens e mulheres, a viver sem mágoa ou lugar para rancor. Crescíamos sem nos apercebermos disso».
O meu peito pensa em verso. Escrevo a Portugalid[Arte]. E é provável que me encontrem sempre na companhia de um livro, de um caderno e de uma chávena de chá