LER É CONHECER // FEMINISMO

Fotografia da minha autoria

«Tem o andamento de uma grande narrativa popular»

Mulher. Em ascensão. Ecoando a voz firme que a torna do mundo. Numa época em que se quebram barreiras de género, nunca fez tanto sentido lutar pela igualdade. Pelo respeito de sermos quem somos, sem preconceitos. Por isso, há movimentos ideológicos imprescindíveis, como o feminismo. E para o projeto Ler é Conhecer, optei por selecionar uma obra que espelha aquilo que, para mim, é fundamental na preconização dos seus direitos, começando pela imagem que tem de si.

A Amiga Genial transporta-nos até aos arredores de Nápoles, para ficarmos a conhecer a história de duas crianças, durante a infância e a adolescência, cuja amizade improvável oscila entre o amor e o ódio. E é nesta cadência intensa que vemos nascer a cumplicidade entre ambas. E que enfrentamos uma alternância de aproximação e afastamento, própria do crescimento, das opções de vida distintas e da teimosia no caráter. Mas o contexto histórico-social é tão rico, que sentimos o pulsar de um bairro inteiro. Pessoalmente, considero louvável esta abordagem, uma vez que, ao criar uma comunidade participativa com tanto detalhe e credibilidade, faz-nos ter uma sensação de pertença, como se fossemos parte da rotina. Da dinâmica. Dos dramas. E daquele tempo em específico. Porém, naturalmente, o foco reside em Lenù e Lila, ambas provenientes «de famílias remendadas», que descobrirão muito da vida pelas vivências uma da outra - em parelha ou a solo.

O livro parte do presente para nos levar a uma viagem pelo passado. E, confesso, foram tantos anos a fantasiar com esta narrativa, que elevei as expectativas ao máximo. Embora não se tenha revelado a leitura mais viciante, até porque demorei um pouco a fundir-me com o desenrolar dos acontecimentos, é inegável a complexidade e a força individual das protagonistas. E achei curiosa a incidência no lado competitivo que tantas vezes caracteriza as nossas relações de amizade. Ainda assim, acredito que a partilha de memórias fosse mais impactante sem este reforço algo repetitivo. Por outro lado, esta necessidade constante de superiorização extravasa para uma das qualidades desta história: a carga humana, altamente desarmante, provocante e inebriante. Neste plano aberto, de um cenário em pós-guerra, somos envolvidos nos conflitos familiares e amorosos, da mesma maneira que somos encorajados a refletir sobre as tradições e os costumes enraizados.

Elena Ferrante - que se acredita ser um pseudónimo - conseguiu criar um retrato bastante fidedigno, expondo sentimentos ambíguos, medos, ambições, ciúmes e comportamentos moralmente duvidosos. Em simultâneo, fez-nos repensar conceitos como família, amizade e amor próprio. E é neste último que me centro, pois nota-se o esfoço para gerir uma autoestima baixa e para não alimentar comparações e a vontade de corresponder a uma imagem onírica. Um pensamento que se afigurou recorrente foi o facto de sentir que o enredo não deixa de ser uma homenagem às mulheres que nos inspiram. Que nos permitem crescer. E que nos incitam a ser a nossa melhor versão. No entanto, e observamos isso numa das personagens femininas, não podemos cair no erro de nos diminuirmos. De nos desvalorizarmos. E de suplicarmos por aceitação. Porque, desta maneira, cimentamos elos que nos condicionam. E esta descoberta concede-nos uma bela desconstrução da nossa identidade.

A Amiga Genial intercala momentos de afeto e de competição. Alerta-nos para as relações de dependência. E, sendo uma obra de contrastes, promove espaço para as minorias. Além disso, partindo de uma descrição sincera e simbólica, revela-se uma bandeira importante no que diz respeito ao papel da mulher na sociedade [porque o caminho permanece longo]. Envolta numa atmosfera ora violenta, ora sonhadora, constatamos que as duas meninas/adolescentes, por mais que se distanciem, nunca se separam, pois há sempre algo a uni-las. E, por nos provocar um traço de identificação, recuamos às ocasiões em que, também nós, atribuímos demasiada importância a pormenores que não a tinham. É fascinante como - na escrita e na vida - aprendemos a relativizar. E como, por força das nossas lutas, abraçamos mudanças.

Deixo-vos, agora, com algumas citações:

«Há pelo menos trinta anos que me diz que quer desaparecer sem deixar rasto, e só eu sei bem o que ela quer dizer» [p:14];

«Todo aquele período teve este ritmo. Depressa tive de admitir que aquilo que eu fazia sozinha não me dava emoção, só aquilo em que Lila tocava é que era importante» [p:78];

«Mas Enzo, que percebeu de imediato o que se estava a passar, foi o primeiro a empurrar-nos para dentro, e depois dele também Pasquale, também Stefano. Só Rino continuou...» [p:140];

«Fiquei naquela posição não sei quantas horas. Depois, à primeira claridade, saí do torpor, guardei as minhas coisas, desfiz a cama, escrevi duas linhas de agradecimento a Nella e fui-me embora» [p:180];

«Ela era assim, destruía equilíbrios só para ver de que outro modo podia recompô-los» [p:188].

Disponibilidade: Wook | Bertrand

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