SÉTIMA ARTE // BLACK SWAN

Fotografia da minha autoria


«Um thriller psicológico»


A arte que nos inquieta é a que permanece dentro de nós para lá das barreiras do tempo. Porque há histórias - escritas, cantadas e visuais - avassaladoras, até pela desconstrução interior que promovem. Embora a premissa possa não ser sempre a mais original, é pelo facto de nos levarem a questionar quem somos que se tornam memoráveis. Transcendentes. E francamente atualizadas. E é por essa razão que, quase uma década depois, continuo a ficar deslumbrada com Black Swan.

O Cisne Negro - na versão portuguesa - retrata a vida de Nina Sayers, bailarina de uma Companhia de Ballet de Nova Iorque, que dedica toda a sua vida à dança e à conquista da perfeição. Nesta jornada tão intensa e visceral, é acompanhada pela mãe - uma ex-bailarina -, cuja única obsessão é assistir ao triunfo da filha, controlando todos os seus movimentos e a sua emancipação enquanto mulher. Num lar fragmentado e disfuncional, procura um refúgio - e alguma paz - no mundo artístico. E é quando o diretor da Companhia decide substituir a interprete principal do intemporal O Lago dos Cisnes que vê a oportunidade de ouro para se destacar. Para brilhar. E para alcançar tudo aquilo que tanto ambicionou. No entanto, terá duas adversárias poderosas: Lily, que apresenta características das quais carece, e a própria Nina.

Este filme é psicologicamente violento. E, ainda hoje, dou por mim a estremecer em certas cenas. Mas, por mais chocante e perturbador que seja, é inegável o impacto da sua mensagem, pois alerta-nos para as consequências dos problemas mentais e para o quanto nos deterioramos em busca de um ideal onírico. Em simultâneo, faz-nos refletir sobre a auto-afirmação dos artistas. A sua vulnerabilidade. E a aprovação do público. Só que o enredo mergulha mais fundo, resgatando outras bandeiras das relações intra e interpessoais, atendendo a que expõe a pressão, a competição do meio, o amadurecimento tardio, o ciclo de sucesso e decadência e a necessidade de corresponder às exigências de terceiros, minimizando o nosso propósito. Numa mistura de dança, drama e poesia, o argumento é «fatal como o destino», envolvendo-nos num desespero quase palpável, ao mesmo tempo que nos faz questionar sobre o que é real e o que não passa de um produto da nossa imaginação.

Há, para mim, dois pontos centrais nesta narrativa cinematográfica: o papel da mãe, assombrada pelo seu fracasso, que se anula só para viver em função da filha. Consequentemente, impede-a de demonstrar todas as suas qualidades, por ainda a observar como uma criança frágil. E a interpretação irrepreensível de Natalie Portman, que eleva a intensidade inerente à personagem. Sayers coabita em dois planos de [in]sanidade, arrastando-nos para a sua paranoia. Pura, encantadora e inocente, não tem qualquer dificuldade em vestir a pele de Cisne Branco. O seu grande desafio será, então, o Cisne Negro, que exige um nível de sensualidade, confiança, sedução e, até, prepotência que Nina não alimenta. Assim, nesta clara superação de medos e dos limites físicos e psicológicos da sua atuação, assistimos ao lento delírio da protagonista, que se transforma por completo. Mas a que custo?

Black Swan é inesperado. Cru. Sombrio. Psicótico. Emocional. E bastante sensorial. Marcado por um ritmo frenético, em perfeita exaltação, chegando ao ponto de nos sentirmos a sufocar, torna-se evidente a dicotomia entre o Bem e o Mal. E a falácia da linha que os divide. Porque há demasiadas áreas cinzentas na nossa essência, interferindo com a nossa moralidade. Num estado apoteótico, revelamo-nos, sobressaindo a certeza de que, em nós, não existe um só lado. 

Comentários

  1. É muito bom. Ainda há pouco tempo o vi de novo. A performance da Natalie Portman é brilhante.

    Beijinho grande! :*

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    1. Também o estive a rever, há uns dias, no AXN Movies e fiquei completamente siderada, como se o estivesse a ver pela primeira vez.
      Sem dúvida *-*

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    1. Se tiver oportunidade, aconselho, Francisco!
      Obrigada e igualmente

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  3. Não vi, mas depois do que disseste não tenho vontade de o ver...

    Isabel Sá  
    Brilhos da Moda

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    1. É um filme pesado, por toda a sua carga psicológica, mas recomendo

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  4. Um dos filmes que mais gostei de ver na vida :)
    Beijinhos*

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    1. É genial! E a interpretação da Natalie Portman é do outro mundo *-*

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  5. Acredito que seja um filme muito salutar de ver.
    .
    Uma semana feliz

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  6. Creio que não é bem o meu género!

    www.amarcadamarta.pt

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  7. Ainda não o vi! :)

    https://blogda-joana.blogspot.com/

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  8. Vi "Cisne Negro", um flme poderoso e arrepiante, numa sala de um cinema do Porto.

    A transformação da bailarina virginal, frágil e meiga, assustada e sonhadora nesse ser, que representa o lado escuro da sua pureza, fica na memória!!!

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    1. É daqueles filmes que, dificilmente, esqueceremos. Por toda a carga psicológica sombria. A transformação da bailarina é mesmo surreal

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  9. Acredita que ainda não assisti, mas muito obrigada pela sugestão
    Beijinhos
    Novo post
    Tem post novos todos os dias

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  10. Eu gostei imenso do filme. Agora que falaste nele, apeteceu-me ver outra vez!

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    1. É um dos meus filmes e, por acaso, estive a revê-lo, há uns dias, no AXN White. Não sei se ainda está disponível

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  11. Nunca vi mas não fiquei com vontade de o ver... Boa quarentena com todo o cuidado. Bjinhos

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  12. Não vi. há muito que não vejo cinema. A história é muito interessante, fizeste uma bela review, se assim se pode chamar, do filme!!
    xoxo

    marisasclosetblog.com

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    1. Embora não seja a arte que mais privilegio, há filmes que se colam à minha pele. Como este! Muito obrigada

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  13. Estava aqui pensando que já tinha visto esse filme. Mas, afinal o que eu vi foi o Lago nos Cisnes e não Cisne Negro.

    Continuação de boa semana Andreia.

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  14. É um daqueles filmes que quero ver, mas que por algum motivo vou adiando!

    Bjxxx
    Ontem é só Memória | Facebook | Instagram | Youtube

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  15. Vi este filme quando estava no Secundário e rapidamente se tornou daqueles que nos ficam numa lista de filmes favoritos. Porquê? Pelo carácter psicológico intenso, pela ideia de busca constante pela perfeição que se torna obsessão e, por conseguinte, o pior inimigo!
    Sublime em toda a forma de transmitir o desgaste de certas áreas, o quão a sério podemos/devemos levar o nosso esforço, trabalho e desempenho!

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    1. O traço obsessivo é mesmo impressionante. Aliás, toda a abordagem das diferentes temáticas o que. E acho que este filme agiganta-se por tudo o que nos faz sentir. Há cenas em que quase nos sentimos lá.
      É daqueles argumentos que dificilmente esqueceremos

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  16. Vi este filme quando tinha uns 15/16(?) anos, com umas amigas. Na altura, já mexeu imenso comigo, é realmente de fazer estremecer.
    Quando voltei a ver recentemente, e com um olhar ligeiramente diferente (já com o curso que tenho a influenciar também toda uma avaliação) cheguei às mesmas conclusões que tu. Faz-nos refletir sobre imensa coisa, ou (para os da área como eu) para observar comportamentos que algumas pessoas não imaginam possíveis de serem reais.

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    1. Tem uma carga sombria impossível de ignorar!
      Com outra maturidade, acabamos por analisá-lo com mais intensidade. E captar outros detalhes que, inevitavelmente, nos foram passando despercebidos.
      Faz mesmo, sem dúvida!

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  17. Nunca vi este filme, mas tenho-o em lista de espera há imenso tempo.
    Depois da tua review acho que vou aproveitar esta quarentena para o ver!

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    1. Sim, aproveita, vale muito a pena! Se vires, depois diz-me o que achaste, coração :)

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