ENTRELINHAS // O HOMEM DE GIZ

Fotografia da minha autoria


«Toda a gente tem segredos. 
Toda a gente é culpada de alguma coisa»


O passado nem sempre é uma gaveta fechada. Há alturas em que se mistura com o presente, confundindo-nos e despertando uma sensação de desconforto que julgávamos ultrapassada. E é esta imprevisibilidade que nos mantém em estado de alerta, gerindo anseios e expectativas. Mas também nos faz questionar a pertinência da sua manifestação. Porque sentimos o peso que nos atormenta. E na obra de estreia de C. J. Tudor é percetível que existem portas a permanecer entreabertas.

O Homem de Giz é um thriller psicológico, progredindo em duas linhas temporais: 1986 e 2016. E é neste hiato que se desvendam os traumas, os segredos, a hipocrisia e o horror de acontecimentos que marcaram uma localidade, relativamente, pequena e um grupo de cinco crianças. Narrado na primeira pessoa, o mistério intensifica-se. Porém, também nos deixa no limbo, porque a partilha nunca é isenta de emoções e perspetivas individuais, que nos podem conduzir a ilações falaciosas. Portanto, desenvolvemos uma certa empatia pela personagem, ao mesmo tempo que persiste a dúvida. Até porque cedo compreendemos que é necessário estarmos atentos às entrelinhas, pelas pistas que contêm.

A narrativa centra-se, então, num grupo de amigos pré-adolescentes, que partilham entre si um código secreto, desenhado a giz. Este ritual inocente, no entanto, adquire um significado mórbido, quando o mesmo método é utilizado para transmitir mensagens associadas a atos hediondos. E, trinta anos depois, os segredos do passado ameaçam ressurgir. Marcada por pensamentos sombrios e uma enorme tensão, o mal parece estar sempre mais perto, desassossegando-nos e deixando-nos em suspenso. Nesta dinâmica desconcertante, há uma questão que se destaca: será que todas as crianças são inocentes? Com mortes estranhas e fenómenos que nos transcendem, sentimo-nos a um passo do abismo. E, talvez, não estejamos preparados para descobrir a verdade.

Há sempre detalhes ocultos. Culpados. E a certeza de que até a pessoa mais pacata é capaz de cometer monstruosidades, se alimentar as motivações certas para esse fim. Desconstruindo o conceito de alma corrompida, este livro aborda temas fraturantes: o bullying, a religião extremista, a pedofilia, o aborto, a violência/violação, o poder da amizade, a incapacidade mental e o «impacto que uma família disfuncional adquire no imaginário infantil», condicionando todas as suas experiências. Além disso, proporciona-nos uma viagem visceral, porque nunca somos meros observadores. Porque as nossas atitudes e escolhas implicam uma consequência. E porque a inocência que nos protege do mundo começa a esmorecer, colocando-nos em contacto com uma realidade muito mais perturbadora. Gráfica. Pavorosa. E sufocante.

Cada pormenor desta obra é passível de múltiplas interpretações, a começar pela capa, que nos remete para o inofensivo jogo da forca. Contudo, à medida que avançamos no enredo, entendemos que essa candura não é tão linear. Por isso, ficamos inquietos. Acompanhando as lutas internas do protagonista, compartilhamos a urgência de perceber o que aconteceu, mesmo quando o subconsciente nos atraiçoa; mesmo quando os fantasmas e as alucinações nos impedem de racionalizar e separar o real do sobrenatural. Porque há respostas que pretendemos conquistar.

O Homem de Giz é feito de contrastes. É feito de amor e da falta dele. Opõe o traço frágil da moralidade. E faz-nos repensar as nossas ações e as nossas crenças. Nesta história sobre crescimento, somos impelidos a questionar, a ver para além do óbvio e a mantermo-nos fiéis à nossa identidade, para que os traumas do passado não sejam o nosso destino.


Deixo-vos, agora, algumas citações:

«São muitos princípios. Na minha opinião, qualquer um pode assinalar o começo. Mas creio que tudo teve início naquele dia, na feira» [p:11];

«Sento-me num banco, à entrada da igreja. Como era de calcular, estava vazia. Hoje em dia, as pessoas procuram outros locais de culto. Bares, centros comerciais, a televisão e o mundo virtual» [p:163];

«Não. Ninguém está preparado para a morte» [p:307].


// Disponibilidade //
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Comentários

  1. Uhhh este livro promete!!

    Beijos e abraços.
    Sandra C.
    bluestrass.blogspot.com

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  2. Respostas
    1. Muito! Recomendo totalmente :)
      Obrigada, para si também, Francisco

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  3. Parece ser um livro que vale a pena ler.
    Foto e texto bem aprimorados, como é habitual.
    Continuação de boa semana, querida amiga Andreia.
    Beijo.

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    1. É uma leitura que se torna viciante, porque estamos sempre desejosos de desvendar todos o mistério!
      Muito, muito obrigada, Jaime *-*
      Igualmente

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  4. Acredito que seja um livro muito aliciante que prenda o/a leitor/a a cada página.
    .
    Tenha um dia de Paz e Bem
    Cumprimentos poéticos

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  5. Tengo curiosidad por leer este libro. Parece muy interesante. Saludos desde Indonesia.

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  6. Deixaste-me muito curiosa! :)

    www.amarcadamarta.pt

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  7. Fiquei curiosa com esta sugestao :) Gosto bastante de thrillers e este promete :)

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  8. Fiquei com curiosidade de o ler 😊

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  9. Deve ter um historia bastante interessante para conhecer, mas ainda não tinha ouvido falar
    Beijinhos
    Novo post
    Tem post novos todos os dias

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  10. Já o tinha na minha lista e se me restavam dúvidas de que era um excelente livro, agora não tenho nenhuma! Quero muito lê-lo! 😍

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  11. Fiquei logo curiosa assim que vi o titulo do livro.
    Estou mesmo com vontade de ler!

    Bjxxx
    Ontem é só Memória | Facebook | Instagram | Youtube

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  12. R:Tanto os livros "Uma caixinha de primeiros socorros das emoções", como "Um salto para a água" são ambos fantásticos.
    Tinha muita curiosidade acerca desse livro, após ler a tua opinião não sei se será muito o meu tipo de livros a ler, pelo menos neste momento.

    http://arrblogs.blogspot.com/

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    1. Tenho mesmo que apostar neles :)

      Se não fores grande apreciadora de thrillers, pode não ser a escolha mais indicada. Ainda assim, nada como experimentares, até te pode surpreender. Não agora, mas quando te sentires mais confortável

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