UMA DÚZIA DE LIVROS // JULHO

Fotografia da minha autoria


Tema: Um livro que já tenhas lido


A primeira leitura de uma história é bastante imprevisível. Porém, quando a revisitamos, é como se estivéssemos a entrar em casa de um amigo. Embora nos desperte sempre sensações distintas, porque a nossa predisposição não é linear, há ali um nível de conforto que reconhecemos e que nos deixa mais seguros. Por isso, mesmo que o tempo seja escasso para a quantidade de livros que pretendemos descobrir, considero imprescindível abraçarmos as releituras. E, para o tema de julho de Uma Dúzia de Livros, regressei a Margarida Fonseca Santos.

Deixa-me Entrar na Tua Vida é uma viagem visceral. Emocional. E desarmante. Porque nos coloca logo em confronto com a certeza de que só podemos auxiliar alguém que pretenda receber essa assistência. Mas, quando a pessoa em questão é um elemento familiar - ou, até, uma amizade muito próxima -, como é que fazemos essa gestão? Como é que viramos as costas? Como é que o vemos a deteriorar sem lhe darmos a mão? Ou, melhor, como é que o fazemos e não nos sentimos magoados por recusar a nossa ajuda, tendo em conta que só queremos o seu melhor? É certo que não podemos - nem devemos - monopolizar a dor dos outros como se fosse um problema nosso. Contudo, é extremamente complicado desligarmo-nos, permitindo que o protagonista trave as batalhas no seu tempo certo. E isso é uma aprendizagem que nos implica por inteiro.

Nesta narrativa a três vozes, na qual duas mulheres estão separadas por uma parede, mas «unidas pelo sentimento de perda, pelos laços familiares e por um hall comum», somos alertados para o facto das doenças não afetarem apenas o paciente, mas toda a sua estrutura de apoio. Centrando-se, em específico, no alcoolismo, sentimos a urgência de tentar fazer mais. De procurar estar sempre disponível. E de impedir que aconteça uma desgraça. A ironia é que, ao envolvermo-nos com esta intensidade, estamos a alimentar outro tipo de dependência, que nunca será benéfica - para nenhuma das partes. E a frustração, a luta inglória, as cobranças e as recaídas acabarão por ser uma constante. Em consequência, compreendemos a facilidade com que nos deixamos consumir e nos anulamos, ficando o nosso futuro em suspenso.

Com uma escrita envolvente, a autora faz-nos refletir sobre as várias faces do problema. Sobre o peso da negação. Sobre o quanto perdemos por não sermos honestos com os outros e, sobretudo, connosco. Além disso, concede espaço para lidar com os silêncios, com as meias palavras, com os desgostos, com as desilusões e com os medos. Apesar de ser uma história melancólica, com ênfase no sofrimento, evidencia a coragem que habita no nosso peito: seja para lutarmos pelos nossos sonhos, seja para sermos capazes de nos distanciarmos. Porque amar é, também, ter a sensibilidade de perceber quando não devemos insistir.

Deixa-me Entrar na Tua Vida é um enredo que transborda empatia, porque, focando-se nos pensamentos e sentimentos das personagens, atribui sentido a quem estiver a passar pela mesma realidade. E porque é importante partilharmos «conhecimentos sobre as portas que se abrem e que se fecham». Há alturas em que olhamos para as outras casas e questionamo-nos se, no seu interior, existirá alguém a sentir a mesma dor. Ou se alguém entenderia o nosso sofrimento. E este livro mostra-nos que sim, ao expor uma adição camuflada, que afeta várias famílias.


Deixo-vos, agora, com algumas citações:

«Não sei o que sou. Só sei que vivo cada dia para o gastar depressa. Volto sempre para o aconchego em que me sinto ligada a ti» [p:13];

«Podia comentar, mas não o faço. Quem é que se afastou, que nunca aparecia nem ligava? Tens uma explicação qualquer que não queres partilhar comigo, e eu só tenho de aceitar isso» [p:44];

«Podemos estar preparados para morrer, mas nunca estamos preparados para ver morrer quem amamos, nunca» [p:91];

«Parei, sentado à tua frente, longe de ti, para que te sintas livre. Será que sabes que o meu coração está dentro do teu?» [p:170];

«Passei muitos anos a pensar que fazia a diferença, ficando. Contudo, não faço. Sei que, para ti, eu estar ou não do outro lado daquele hall não significa nada. Pior - sinto que já não sabes o que significa ter-me perto. Vives o teu destino sozinha» [p:196].


Disponibilidade: Wook | Bertrand

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Comentários

  1. Parece ser um bom livro.
    Obrigado pela sugestão.
    Bom resto de semana, querida amiga Andreia.
    Beijo.

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    1. Obrigada eu pelo retorno, Jaime. Se tiver oportunidade, aconselho a leitura :)
      Igualmente

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  2. Já ouvi falar muito da autora, apesar de nunca ter lido nada. Fiquei curiosa com este livro. Obrigada pela partilha.

    Beijinho grande!

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    1. A história é desarmante e a escrita tão envolvente! Aconselho muito *-*

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  3. Incrível! Fiquei a querer ler muito, mas muito mesmo, este livro! Vou colocá-lo na lista! De facto, é sempre difícil afastarmo-nos e ver quem mais gostamos a anular-se por completo e a cair num poço fundo. Adorei as citações! 😍

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    1. Quando há elos que nos unem, parece-nos impossível desligar dos problemas da outra pessoa. Então, fazemos tudo o que está ao nosso alcance para a impedirmos de caminhar para o abismo. O problema é que, muitas vezes, não compreendemos que aquela pessoa ainda não percebeu que precisa de ajuda e que, por isso, nada surtirá efeito. Ou, melhor, será sempre um efeito momentâneo.

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  4. Não conhecia de todo, mas pelo que dizes deve ter uma historia bastante bonita
    Beijinhos
    Novo post
    Tem post novos todos os dias

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    1. É uma história que nos obriga a olhar para dentro! E a refletir bastante

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  5. Boas leituras
    .
    Que a vida seja um sorriso
    Cumprimentos

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  6. Não, não deixo entrar alguém na minha vida.

    O romance não é o género de literatura de que eu gosto de ler, Andreia, porém a tua fotografia é como SEMPRE um verdadeiro encanto.

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  7. Mais uma excelente sugestão :) As vezes também apetece reler livros ;)

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    1. Seja para compreender melhor a mensagem, seja para nos perdermos numa história que sabemos maravilhosa, acho que as releituras só nos acrescentam *-*

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