a menina invisível, rita cruz

Fotografia da minha autoria



Gatilhos: Saúde Mental, Linguagem Gráfica e Explícita


O título deste livro intrigou-me, assim que tive conhecimento do seu lançamento, mas acabei por ir priorizando outros. Quando comecei a pensar na edição deste ano do Alma Lusitana, fez-me todo o sentido incluir o nome da Rita Cruz e, finalmente, lê-lo.


estar dentro da escuridão

A Menina Invisível, dividido em duas partes, combina diferentes géneros literários. Transportando-nos para um contexto histórico conturbado, com Portugal a passar da Monarquia para a República, Alice acorda numa casa aristocrática «sem memória da violência que a trouxe ali e sem saber que foi salva» pelo filho do conde, o Pedrinho. A partir desse momento, crescerão cúmplices, não só pela circunstância que cruzou os seus caminhos, mas também porque ela tem um segredo: consegue torna-se invisível.

O nome da obra afigura-se autoexplicativo e, nesse seguimento, o início deixa-nos curiosos, até porque não conhecemos os contornos, nem sabemos de que forma é que se construirá essa invisibilidade. Ademais, ao recebermos estímulos distintos e informações que aparentam ser independentes, levantam-se duas dúvidas: por um lado, em relação à maneira como a autora as interligará e, por outro, se será suposto existirem elos transversais. Poderá esta escolha ser uma estratégia da autora para nos confundir? Achei isso interessante, mas admito que demorei a relacionar-me com a narrativa, por combinar elementos que não aprecio tanto: fantasia e sobrenatural.

A mistura entre o real e o paranormal só não condicionou mais a experiência de leitura, porque senti que o mistério e toda a carga dramática tiveram um destaque maior, mantendo-me presa ao desenrolar da ação. E é mesmo fascinante perceber como se constroem relações com base num segredo, como é que duas crianças se aproximam e preservam um vínculo de lealdade quase cego, porque não se perdem em pormenores. Existe uma pureza que as edifica e que as mantém perto, embora chegue a uma fase das suas vidas em que, naturalmente, sejam mais as perguntas do que as certezas.

«Na confirmação de que o tempo passa e não passa. Dois adultos com jovens interrompidos dentro. Sete anos depois, e outra vez sentados nas escadas molhadas, outra vez em silêncio a precisar de palavras, outra vez o mesmo vazio a estalar por dentro»

A primeira parte deixa-nos num sufoco permanente, mas a segunda não nos liberta de toda a melancolia e tempestade que sentimos habitar. Aliás, na sinopse há uma frase que espelha bem a travessia desta obra: «cada um descobre até onde a escuridão invisível do corpo os pode levar» e nós, indo à boleia, tentamos unir as pontas soltas e compreender até onde é que os protagonistas chegarão, quer para construírem o futuro, quer para vingarem certos acontecimentos do passado. Nem sempre será claro o desfecho. Se calhar, até começamos a compreender, tal como Alice começou a compreender a sua condição, mas preferimos procurar outras hipóteses, porque aquela não pode ser a correta. Mas, mais importante do que tudo isso, fica claro que estas personagens - à semelhança de todos nós - têm sonhos e podem ir da ternura à crueldade num ápice, porque basta o gatilho certo para caírem num abismo.

A componente histórica, o contraste entre uma escrita mais delicada e descrições de extrema violência, o jogo de sombras e de luzes e a própria oposição entre a inocência da infância e a sua perda na idade adulta são elementos que nos transportam para um enredo duro, opressivo, onde são evidentes as desigualdades sociais, a falta de esperança e o papel da mulher na sociedade. Mesmo que, por vezes, nos sintamos perdidos, sem identificarmos o objetivo, nada neste livro é mencionado por acaso.

A Menina Invisível não me arrebatou como esperava, mas achei interessante a maneira como a autora abordou a invisibilidade, mostrando-nos todas as suas camadas.


🎧 Música para acompanhar: Grito, Iolanda


Disponibilidade: Wook | Bertrand

Nota: Esta publicação contém links de afiliada da Wook e da Bertrand

10 Comments

  1. Como sempre uma boa indicação de livro, Andreia bom início de semana bjs.

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  2. Não sou a maior fã do género histórico. Ainda assim vou levar a sugestão para ler mais tarde.

    Beijinho grande, minha querida 😘

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    1. Também não é o género onde me aventuro mais, precisamente pela mesma razão. Mas este livro como é uma espécie de híbrido acho que ajuda e resulta melhor

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  3. Este tema é um dos meus preferidos *.* Muito obrigada pela sugestao, minha querida :) Ja sabes que vou levar ;)

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    1. Espero que te reserve uma excelente leitura, minha querida 💛

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  4. Não conhecia, mas parece interessante 🤗

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    1. Não sou a pessoa mais entusiasta de fantasia e paranormal, mas gostei muito da escrita e da forma como a autora interligou os assuntos

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