se eu fosse chão, nuno camarneiro

Fotografia da minha autoria



Gatilhos: Referência a Suicídio e Luto


Uma das memórias mais presentes que tenho da infância é das férias em Monte Real, mais concretamente na Residencial Colmeia (hoje, Hotel Colmeia). Esta tradição, chamemos-lhe assim, começou com os meus avós, depois os meus pais passaram a acompanhá-los e, quando nasci, segui-lhes as pisadas. Íamos em agosto, quase sempre na mesma altura, o que significava cruzar-me praticamente com os mesmos rostos, todos os anos. Depois desse período, seguíamos as nossas vidas sem termos novidades uns dos outros, mas, no ano seguinte, voltávamos a reconhecer-nos, à rotina e a percorrer os mesmos recantos, como se nunca tivéssemos saído daquele lugar, como se tivéssemos ficado em pausa. Esta noção de familiaridade sempre me fascinou e pareceu-me que ia recuperar uma imagem semelhante no livro de Nuno Camarneiro.


histórias do hotel palace

Se Eu Fosse Chão traz-nos histórias do Hotel Palace, que acolheu diplomatas, políticos, viúvos, recém-casados, crianças, atores, prostitutas, assassinos e até alguns fantasmas, durante três épocas distintas - 1928, 1956 e 2015. Neste estabelecimento, há um mundo de possibilidades, até porque todas estas personagens, para além de virem de meios diferentes, transportam bagagens plurais, onde cabem retratos de felicidade, de tristeza, de conspiração, de solidão, de finitude. Se num quarto podem coabitar histórias tão antagónicas, imaginem multiplicá-las por três pisos, com 17 quartos cada - embora um deles esteja fechado à chave, o que traz uma certa energia misteriosa.

O autor tem uma capacidade extraordinária para colocar portas sucessivas num ambiente fechado. Essa característica atraiu-me quando li Debaixo de Algum Céu e voltou a conquistar-me nesta obra. Ainda assim, tenho de confessar que me ficou a faltar algo: talvez porque estivesse à espera que os protagonistas se encontrassem de alguma forma, em algum momento da narrativa. Mas isso nunca chegou a acontecer. No fundo, parece que funciona como um ponto de partida para imaginarmos o futuro destas pessoas, para lhes criarmos um rumo/sentido e uma série de memórias novas.

«Um quarto fechado é sempre uma história por contar, enquanto não o abrirem, cada um há-de ter a sua»

Não obstante, creio que este livro também alimenta uma curiosidade partilhada: seja num hotel, num apartamento, em transportes públicos, sinto que acabamos por nos questionar sobre as vidas daquelas pessoas, de onde vêm, para onde vão, quais são os seus gostos, os seus sonhos, os seus medos. Não as conhecemos e o mais certo é que assim continuemos, por isso, idealizamos vários cenários, sem chegarmos a um consenso. Aqui, como «as paredes têm ouvidos e os espelhos já viram muitos rostos ao longos dos anos», conseguimos escutar as suas histórias e satisfazer esse vazio.

Se Eu Fosse Chão não me mudou a vida, mas não deixa de ser uma leitura agradável. Ademais, há uma sensação de proximidade, porque se foca na condição humana.


🎧 Música para acompanhar: Gaspard de la Nuit, Maurice Ravel & Ivo Pogorelich



Disponibilidade: Wook (Livro | eBook) | Bertrand (Livro | eBook)

Nota: Esta publicação contém links de afiliada da Wook e da Bertrand

Comentários

  1. Parece-me interessante! :)

    www.amarcadamarta.pt

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    1. Acho que pode ser uma excelente companhia para uma leitura descomplicada :)

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  2. Confesso que desconheço a obra e o autor, mas vou levar a sugestão comigo!

    Bjxxx
    Ontem é só Memória | Facebook | Instagram

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    1. Não sendo, para mim, a melhor do autor, acho que também pode ser uma boa aposta para um primeiro contacto, para ficar a conhecer a sua escrita.
      Boas leituras, Teresa!

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  3. Fiquei muito curiosa com este livro. Ainda não descobri a obra do autor.

    Beijinho grande, minha querida!

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    1. O meu favorito continua a ser Debaixo de Algum Céu.
      Recomendo pela escrita 😍

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