SÉTIMA ARTE // MOVIE 36 EM 40TENA

Fotografia da minha autoria

«Um fluxo constante de sonho»

A tela permanece em branco, esperando pela oportunidade de retomar o hábito de encher uma sala de cinema. E eu sempre preferi este ritual, acompanhada de um balde de pipocas doces. Talvez por isso veja tão poucos filmes em casa, porque a energia é diferente. No entanto, embora priorize pouco a sétima arte, acredito que é sempre possível inverter tendências e libertar espaço na rotina para acolhermos novos tipos de conteúdo. Sobretudo, quando chegam num formato desafiante.

Um filme por dia... É possível a ousadia? Quem lançou a questão foi a Carolayne Ramos - Imperium Blog -, que decidiu recuperar uma das suas rubricas de coração, a Movie 36, incitando-nos a direcionar a nossa atenção para outros lugares e, em simultâneo, a encontrarmos no cinema um entretenimento. Assim, de 10 a 25 de abril, convidou-nos a ver, tal como a premissa indica, um filme diariamente. E teve a amabilidade de partilhar uma lista de sugestões, para que não nos faltassem opções de escolha. Porém, também fez algo que valorizo imenso: dar-nos liberdade para adaptarmos a iniciativa ao nosso ritmo e às nossas preferências. O conceito pode ser uma loucura, mas, para mim, foi uma lufada de ar fresco. E o impulso certo para estabelecer um compromisso definitivo.

Analisei as recomendações com cuidado. E algumas explorarei num futuro próximo. Contudo, aproveitei a ocasião para rasurar aqueles títulos que tinha em espera há demasiado tempo. E foi extraordinário observar a fita a desenrolar, sentindo todas as histórias em movimento.

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A Rapariga Dinamarquesa: O peso da época. Quantas pessoas não viverão atormentadas, sofrendo em silêncio, por existirem num corpo que sentem não lhes pertencer? Baseado na obra homónima de David Ebershoff, o argumento é intenso, emocional, com uma base de apoio e de colo excecional. A ligação entre os protagonistas é mesmo especial, até porque demonstra que, por maior que seja o amor, por vezes, temos que deixar o outro voar, para ser quem sempre quis. Mas isso não significa parar de cuidar. Muito menos, deixar de estar perto.

Chama-me Pelo Teu Nome: Um filme sobre a vida, o amor e a descoberta da sexualidade. Com uma carga emocional palpável, oscilamos pelo desejo, pela inocência e pelas inseguranças de um jovem de 17 anos, que começa a compreender a sua identidade. Apesar de ter gostado da picardia constante entre Elio e Oliver, foi a conversa que o pai de Elio teve com ele que mais me tocou, porque espelha aceitação e tudo aquilo que guardamos sem que os nossos saibam.

Variações: A paixão pela música, o fascinante processo de construção criativa, a excentricidade, o percurso tenso e difícil, a desvalorização da música portuguesa, o desgosto e o amor perdido, proibido, reencontrado. Seguindo os últimos anos de vida de um dos maiores cantautores nacionais, este filme é uma verdadeira obra de arte! Não desfazendo a interpretação dos restantes atores, a genialidade de Sérgio Praia desarma-nos. É tudo fabuloso.

Ocean's 8: Um golpe grandioso reúne oito mulheres pelo mesmo fim. E é impressionante o nível de vigarice, num curto espaço de tempo. Com um traço de comédia - e um elenco de luxo -, compreendemos que há sempre forma de sermos enganados. E nem damos conta. Um detalhe que achei curioso é que o plano, para além de culminar num assalto, é, ao mesmo tempo, uma vingança e uma homenagem. O que, de certo modo, é poético.

A Rapariga Apanhada na Teia de Aranha:  É inegável o quanto adorei a Saga Millennium, por isso, tento acompanhar as adaptações cinematográficas. Neste quarto volume, Salander terá um reencontro pouco feliz com alguém do seu passado. Porém, também trará Blomkvist de volta ao seu quotidiano. Mostrando o lado sombrio e sádico das pessoas, a hacker e o jornalista veem-se envolvidos numa teia de corrupção e espionagem. Apesar de sentir que não está muito fiel ao livro, com mudanças da histórias, em parte, desnecessárias, acredito que a força deste filme está nos sentimentos. E o final é duro.

Milagre na Cela 7: O melhor e o pior da humanidade está bem presente neste argumento, que me desarrumou por dentro. É triste, é cru, é revoltante, mas também nos transmite um certo conforto e esperança. Abordando temas como a deficiência, o preconceito e o abuso de poder, percebemos que até no lugar mais improvável encontramos alguém que cuide de nós. Gostava de ter palavras que fizessem justiça à qualidade desta obra, mas tudo o que consegui foi chorar desalmadamente. Que história! Tenho a certeza que nunca me esquecerei. «Lingo, lingo».

Vaiana: Este filme tem tanto de emocional, como de cómico, ensinando-nos a importância de descobrirmos quem somos, de encontrarmos a felicidade onde estamos, mas sem termos medo de navegar para lá dos limites que conhecemos. Porque não há pior do que nos limitarmos e impedirmos de crescer através dos nossos sonhos.

Coco: Imaginam viver num ambiente em que a música é vista como uma maldição? Eu não. Portanto, senti a dor do pequeno Miguel. Mas se há algo que o nosso protagonista nos ensina é a lutar pelas nossas paixões. Nem que isso nos leve para um mundo muito particular. Inspirado no tradicional Festival do Dia dos Mortos, vamos celebrar aqueles que já partiram e desvendar um mistério familiar.

Emoji - O Filme: Embora não tenha achado a produção brilhante, é um filme que nos diverte e que nos faz refletir sobre as nossas diferenças, gerindo expectativas. Numa linguagem atual, alerta-nos para o lado descartável das relações, das pessoas e da vida, incitando-nos a repensar os nossos comportamentos.

São Jorge: A crise financeira instalou-se em Portugal e isso tem repercussões para grande parte da população, levando-a para um estado de desespero. Uma dessas pessoas é Jorge, um pugilista desempregado, que tenta, a custo, sobreviver. Neste argumento, percebemos o quanto é frágil a fronteira da moralidade e o quanto é fácil entrar no mundo do crime quando a pobreza grita na nossa rotina. Desenrolado nos bairros da Bela Vista e da Jamaica, São Jorge representa a altura em que sofremos a intervenção da Troika, partilhando um retrato cru e duro.

Cinzento e Negro: Uma história sobre amor, traição e vingança, que explora a fragilidade do ser humano, as suas dores e a sua necessidade de encontrar respostas. Numa teia de vidas que se cruzam, nem sempre os valores que nos movem são aqueles que prevalecem. Porque somos feitos de sentimentos profundos e de mudanças constantes.

A Todos os Rapazes que Amei: A energia deste argumento é contagiante e cómica, mas não é por isso que não aborda temas de máxima importância. A começar pela necessidade de sermos honestos com os outros sobre os nossos sentimentos. Com um conceito original, a vida da protagonista vira-se do avesso e é fantástico acompanhar o seu crescimento. Há sempre muitas sensações para gerir, mas a inaptidão social cede espaço. E Lara Jean é a voz que muitas gostaríamos de ter tido - mesmo que ela nem sempre compreenda o verdadeiro impacto que tem nos outros.

P.S. Ainda Te Amor: Após ter visto o primeiro filme [que me fez comprar a trilogia], é claro que não podia perder a sua continuação. E, nesta sequela, é percetível o quanto o passado da outra pessoa pode interferir numa relação, principalmente, se não abordarmos as questões que nos inquietam. E se Lara Jean pensou que as reviravoltas tinham terminado, enganou-se profundamente. Com uma carga emocional mais vincada, esta segunda parte é mesmo um teste à solidez das nossas ligações. E uma viagem mais a fundo nesta descoberta interior.

Annie: Nesta comédia com aparições de musical, acompanhamos a contagiante Annie numa procura incessante pela sua verdadeira família. Pelo meio, vê-se envolvida numa campanha eleitoral, sendo usada como voto de compaixão junto da população. Mas como nem tudo na vida é linear - e há sempre espaço para mudarmos e fazermos sobressair o nosso melhor lado -, fica bem presente que não vale tudo, que o nosso caráter e a verdade são cruciais e que o amor salva-nos.

Só de Passagem: Não é um filme [embora tenha uma duração próxima], mas sim um solo de Stand Up. Porque senti que fazia todo o sentido incluí-lo nesta categoria. Guilherme Duarte, autor do blogue Por Falar Noutra Coisa, disponibilizou o seu segundo espetáculo, levando-nos a fazer a travessia por um facto incontornável: vamos todos morrer. Portanto, já que a vida é tão efémera, aproveitemos para rir. De tudo. Sempre que possível. Oscilando entre temas como, naturalmente, a morte, a religião, os medos e mais uma série de problemáticas importantes, a sua abordagem é genial. Até porque tem uma visão muito criativa.

Para concluir, uma nota de agradecimento à Lyne por este convite maravilhoso, que me permitiu acolher tantas narrativas memoráveis ♥