UMA DÚZIA DE LIVROS // ABRIL

Fotografia da minha autoria


Tema: Um livro vencedor de um prémio


O preconceito na literatura é uma realidade com peso, seja por ainda se descredibilizar o talento de autores mais jovens, seja por se considerar a linguagem de obras candidatas a prémios pouco acessível a toda a comunidade. Embora acredite que há sempre alguém a corroborar estas teorias, defendo a necessidade de nos libertarmos destas ideias pré-concebidas, até para não perdermos experiências transformadoras. Como não escolho exemplares pela sua condecoração - ou falta dela -, foi interessante responder ao quarto tema de Uma Dúzia de Livros. Contudo, ao observar a minha estante, houve um nome a destacar-se.

Afonso Reis Cabral, aos 24 anos, venceu o Prémio Leya com O Meu Irmão. E um dos aspetos que mais me fascinou neste livro, para além da temática central, foi o seu lado humano, imediatamente complementado pela ausência de sentimentalismos e de condescendências. Portanto, assumindo uma abordagem bastante credível de um drama familiar, «misturado com o isolamento rural e a solidão» individual, o autor criou uma narrativa que nos faz sentir a frustração, a perda, os remorsos, a dúvida, o medo, uma luz de esperança, a contradição de sentimentos e o esmorecer de elos que se julgavam - ou pretendiam - inquebráveis. E isso, inevitavelmente, desperta angústia. Uma sensação de culpa. E uma vontade incontrolável de recuperar o que se perdeu.

Neste enredo, o grande foco é a relação entre dois irmãos, apenas com um ano de diferença. Porém, o que me inquietou foi as questões colocadas em evidência: como é que uma criança gere o facto de ter um irmão com Síndrome de Down? Como é que se explica que, em determinadas circunstâncias, terá que ficar em segundo plano? Que mecanismos de defesa poderá desenvolver para não sucumbir na certeza de viver na sombra do irmão? Mesmo sendo filha única e, por isso, não compreender a fundo o fardo destas condicionantes, creio que esta dinâmica exija uma enorme coordenação entre o seio doméstico, num ritmo de entreajuda e cooperação constantes. Porque é imprescindível que as crianças - tendo ou não necessidades educativas e/ou específicas - não se sintam desamparadas. E que os próprios pais não sintam o peso da falha, como se não fossem suficientes. Sendo esta realidade tão delicada, explorar o tema da Trissomia 21 de um modo direto e cru permite-nos refletir com mais consciência, observando um plano possível e não romantizado.

A falta de sensibilidade pode chocar, mas é importante para captar a essência sombria e, inclusive, um pouco imoral deste irmão misantropo, que nunca aceitou ter perdido o estatuto de referência, de herói, do Miguel. E que, mesmo amando-o, nem sempre o soube demonstrar da melhor maneira. É através desta personagem tão dicotómica, que nunca chegamos a conhecer na totalidade - para além da sua profissão -, que debatemos a complexidade das relações inter e intrapessoais. Em simultâneo, somos confrontados por uma espiral de loucura e uma fixação e proteção excessivas. E não deixa de ser curioso como acaba por ser o narrador a tornar-se tão dependente do irmão e não o oposto, como seria expectável. Nesta história, transversal a todas as fases da vida dos protagonistas, há uma impressão subtil de fuga, mas nada nos prepara para a verdade que esconde, revelando-se um alerta poderoso: até que ponto conseguimos ser sempre racionais? Como é que não cedemos aos nossos instintos mais descontrolados? Quais são os nossos limites?

O Meu Irmão expõe algum cinismo, mas também empatia. E é pautado por inúmeros pensamentos paralelos, que funcionam como a voz da consciência. Representando, ainda assim, uma relação em plena construção, lega uma mensagem de amor subentendida... ou a falta dele. Porque é inegável o impacto da deficiência na estrutura familiar. E o quanto a nossa alma tem demasiadas áreas cinzentas, mantendo-nos em permanente combate com a nossa moralidade e aquilo que sentimos estar a perder. Permanecendo no limbo - da aceitação. Da decência. Da vida.


Deixo-vos, agora, com algumas citações:

«Arranco e dou-lhe a mão porque sei que também tem os meus medos e talvez pense o que eu penso e quem sabe sinta as mesmas saudades. Com certeza sente as mesmas saudades. Somos parecidos de modos diferentes e, dadas as circunstâncias, esta parecença é surpreendente. Como o sangue nos pode juntar e afastar no mesmo movimento» [p:10];

«Nestas ocasiões só o meu irmão importava, era só com ele que se preocupavam» [p:120];

«Não amara mais e mais. Quando soube da felicidade do Miguel ao reencontrar-se com a Luciana, percebi o quão desencontrado era o meu casamento» [p:232];


// Disponibilidade //
Bertrand: Livro | eBook | Livro de Bolso

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Comentários

  1. Já li este livro há algum tempo e gostei imenso. Prémio muito merecido.

    Beijinho grande!

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  2. Não conheciamos, mas gostamos do conceito. Sendo que levou um prémio acho que é uma leitura 'semi-obrigatória' ahah ficamos curiosas!

    Beijinhos :D

    https://damselme.blogspot.com/?m=0

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    1. Tenho uma opinião ligeiramente diferente, porque não sinto que seja «obrigatório» só por ter recebido um prémio. Ainda assim, é um facto que se pode tornar mais aliciante :)
      Se vos fizer sentido, recomendo, é uma leitura muito, muito boa!

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  3. Já o li e é um bom livro que aconselho a sua leitura.
    Um abraço e continuação de uma boa semana.

    Andarilhar
    Dedais de Francisco e Idalisa
    O prazer dos livros

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    1. Também aconselho, embora me tivesse faltado qualquer coisa!
      Obrigada e igualmente, Francisco

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  4. Esse prémio é a prova de que o talento, seja literário ou outro, não se mede pela idade da pessoa. É um livro que vou procurar ler.
    .
    Um dia feliz

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    1. Precisamente, também acredito que o talento não se mede pela idade!

      Obrigada e igualmente

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  5. O Afonso é na minha opinião o melhor escritor português da nova geração. Claro que sou suspeita porque conheço o Afonso e, além disso, é o trisneto do meu deus literário:; EÇA de QUEIRÓS ‼‼

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    1. Foi o meu primeiro contacto com a sua escrita e achei-a maravilhosa! Apesar de me ter faltado qualquer coisa na obra, é uma leitura fantástica.
      Sim, acabamos por nunca ser 100% imparciais :p

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  6. Também sempre me questionei sobre os irmãos de crianças com Sindrome de Down, como será?
    xoxo

    marisasclosetblog.com

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    1. É preciso uma cooperação extraordinária entre o seio familiar, para que ninguém se sinta de parte

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  7. Ainda não conhecia, mas parece ser uma boa opção para conhecer
    Beijinhos
    Novo post
    Tem post novos todos os dias

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  8. Ainda não li, mas é um bom livro.
    Andreia, continuação de boa semana e boa Páscoa (a possível).
    Beijo.

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    1. Se tiver oportunidade, aconselho :)
      Obrigada e igualmente, Jaime. Para si e para os seus!

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  9. Ainda não conhecia :)

    https://blogda-joana.blogspot.com/

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  10. Conheço o autor de nome, mas nunca li nada. tocaste num ponto importante "por se considerar a linguagem de obras candidatas a prémios pouco acessível a toda a comunidade." Acho que esse é um dos problemas de alguns autores. Usam uma linguagem tão rebuscada e complexa que não se percebe nada do que eles escreve.
    Sentiste isso em relação ao Afonso Reis Cabral ou tem uma escrita " normal"?

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    1. Também foi o meu primeiro contacto com o autor e fiquei impressionada, a começar pelo facto de ter uma escrita acessível a todos :)
      Sinto que isso acaba por acontecer por causa do peso e do estatuto que colocam nos prémios, porque se a tua obra não atingir determinado nível, então, parece que não tem valor.
      É um autor muito fácil de se ler

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  11. Mais uma excelente sugestão e adorei saber que o autor ganhou um prêmio com ima história tão incrível :)
    Beijinhos*

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  12. Ainda não li o livro. Mas pelo que me foi dado ler do texto escreveu. Será sem duvidas um livro interessante. O seu autor aos 24 anos de idade, dá a conhecer o seu talento através da leitura. De manhã se começa o dia. Enquanto uns começam, outros chegam ao fim.

    Gostei. Tenha uma boa noite Andreia.

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    1. Sim, sem dúvida, é um livro bastante interessante!

      Obrigada e boa sexta

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  13. Confesso que não conhecia mas já estou curiosa. Parece ser excelente.
    Beijinhos
    http://virginiaferreira91.blogspot.com/

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  14. Não conheço o autor, muito novo e com esse talento todo, que bom.
    Tá na hora de escreveres um linda, tens imenso jeito e já tu disse dezenas de vezes :)
    Beijinho.

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    1. A prova de que a idade é apenas um número :)
      Oh, tão querida! Muito, muito obrigada

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  15. I didn't know about it! Thanks for sharing:)
    HAPPY FRIDAY AT HOME
    xoxo
    https://stylishpatterns.blogspot.com

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  16. Os espanhóis dizem "para gustos, los colores", e é verdade...cada um tem direito a ter gostos diferentes e as coisas com que eu me identifico ou que me fazem bem ler podem ser completamente opostas às tuas, com ou sem palavreado erudito. Compreendo totalmente o que queres dizer...e há tanto bom autor por aí sem o valor merecido por isso mesmo.

    Quanto ao livro, não li, mas parece-me bastante interessante =)

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    1. Exatamente! Eu defendo que os gostos se discutem, não se colocam é em causa. E nós não somos melhores ou piores leitores por privilegiarmos clássicos ou por escolhermos uma literatura mais leve, digamos assim. Qualquer escolha é válida, desde que a pessoa se identifique. E os outros só têm que respeitar.
      Sim, sim, sem dúvida!

      Vale a pena :)

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  17. Não conhecia, mas parece-me bem interessante!

    Beijos e abraços.
    Sandra C.
    bluestrass.blogspot.com

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  18. Uhh, mais um para a lista que se agiganta cada vez mais! Hihi que delícia ter voltado ao teu blog, Andreia! 🤸🏾 Beijo grande,

    LYNE, IMPERIUM BLOG // CONGRESSO BOTÂNICO - PODCAST

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    1. Como te percebo, é uma lista que parece que só sabe aumentar ahahah
      Owww, que bom! Fico de coração cheio por ler isso, obrigada *-*

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