The Bibliophile Club // Fevereiro

Fotografia da minha autoria


Tema: Romances


O amor é mágico. Mas também é complexo. E, por mais que escrevamos ou conversemos sobre ele, nunca saberemos tudo. Porque há compartimentos secretos, que só descobrimos no momento oportuno ou que se mantêm ocultos para sempre. Além disso, é tão subjetivo, que a nossa abordagem é infinita. Revolucionária. Inspiradora. Sobretudo, porque é o amor que nos move: quando vem de dentro, nos abraça e acolhe quem está ao nosso redor. E quando compreendemos que é a sua multiplicidade que nos enriquece. É que o amor manifesta-se nas e pelas pequenas coisas, reservando um lugar vitalício para quem nos acrescenta.

Fevereiro tem no seu enlaço um traço vincado deste sentimento, até pela celebração do São Valentim. Aproveitando esta particularidade, o segundo tema do The Bibliophile Club revelou-se algo tão simples e, ao mesmo tempo, tão transcendente, uma vez que nos envolve por inteiro: o romance. E existem tantas maneiras de o vivermos, tantas formas de o experienciarmos, seja no nosso mundo real, seja em formato ficcional, que a aprendizagem inerente é um livro aberto de histórias e de visões muitos próprias. Por isso, optei por uma obra mais crua, que me permitisse explorar uma conexão - inter e intrapessoal - quase visceral, atendendo a que o modo como nos relacionamos com os outros manifesta muito acerca da nossa personalidade. E quem melhor que Miguel Esteves Cardoso para proporcionar esta viagem tão brilhante?

O Amor é Fodido é o primeiro romance do autor. E coloca-nos em contacto com um amor violento, unilateral, pautado pela desonestidade. Ainda assim, preserva uma vontade imensa de acreditar - para além das evidências da mentira - e de ignorar comentários e observações alheias, pois o que sentimos é quase sempre mais forte, atingindo uma espécie de cegueira involuntária - em casos extremos, há essa consciência, mas é tão grande o desejo de saber que aquela pessoa corresponde à imagem criada, que o discernimento fica comprometido. Nesta narrativa há, então, uma certa dose de vertigem, uma aproximação do abismo e uma procura constante pela ausência de limites. Em simultâneo, desmistifica um pouco o lado de conto de fadas, porque toda a desconstrução - frásica, estrutural, de diálogo e de ideias - só prova o quanto o amor não é linear; prova o quanto consegue ser imprevisível, disfuncional e recheado de desastres. É claro que as relações - ou grande parte delas - não se sustentam neste cenário em ruína, mas também é uma possibilidade, já que não existem romances perfeitos. E este aspeto é evidente em todo o livro.

O Amor é Fodido retrata, igualmente, o desgaste, o compromisso, a cedência, a obsessão, a sensualidade, a sexualidade, a fugacidade das ligações; o alcoolismo, a solidão, o exagero. E, através de uma linguagem bastante informal e tosca - que não agradará a todos -, apresenta um caráter provocatório acentuado. Absortos num amor doentio, insano, incoerente e urgente, acabamos por questionar até que ponto conhecemos verdadeiramente o outro - ou, ainda, o quanto estamos dispostos a conhecê-lo. Por essa razão, este enredo não deixa de ser uma análise comportamental e emocional do ser humano, onde se chora a perda, a saudade e o desejo de prolongar a memória, mesmo que o passado em comum só nos cause transtorno e sofrimento.

A abordagem bipolar e esquizofrénica presente no discurso da personagem principal não se adequa à visão que eu tenho do amor, mas é impossível ficar indiferente e não reconhecer que há pessoas e relações que nos levam ao limite da nossa sanidade, desvendando camadas profundas da nossa alma. E nesta obra, tal como na vida fora das páginas de um livro, as reviravoltas podem ser surpreendentes.


Deixo-vos, agora, com algumas citações:

«Porque é que fodemos o amor? Porque não resistimos. É do mal que nos faz. Parece estar mesmo a pedir. De resto, ninguém suporta viver um amor que não esteja pelo menos parcialmente fodido. Tem de haver escombros. Tem de haver esperança. Tem de haver progresso para pior e desejo de regresso a um tempo mais feliz. Um amor só um bocado fodido poder ser a coisa mais bonita deste mundo» [p:19];

«Sabe-se que as coisas não vão bem e que a saudade se está a tornar podre quando os dias começam a parecer um dia mais cedo do que são» [p:52];

«O meu amor não era para ver. O meu amor foi feito para dar. Para guardar segredo, sem tu saberes. Não foi feito para ser trocado. Pensava que o meu amor estava protegido dessa felicidade. Era um amor sozinho e grande. Não estava preparado para receber fosse o que fosse da tua parte» [p:149].


Nota: O blogue é afiliado da Wook. Ao adquirirem o[s] artigo[s], através dos links disponibilizados, estão a contribuir para o seu crescimento literário - e não só. Obrigada ♥

Comentários

  1. Eu tenho alguma curiosidade em ler o trabalho do autor. Pode ser que seja desta coração!

    THE PINK ELEPHANT SHOE

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Espero que sim, meu bem, vale muito a pena! Se leres, diz-me o que achaste :)

      Eliminar
  2. O amor... tantas são as expressões criadas para o definir, mas a verdade é que, na minha opinião, o amor é indefinível, pois cada pessoa sente-o de modo diferente.
    Dizia o Camões que, "amor é fogo que arde sem se ver...", disse o poeta dos urinóis que "amar e não ser amado, é como limpar o cu sem ter cagado", dizem os conformados que "quem o feio ama, bonito lhe parece"... xD

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Partilho da tua opinião, precisamente por cada pessoa o sentir de uma maneira muito particular :)
      Não faltam expressões ahahah

      Eliminar
  3. Ainda não li nenhum livro do Miguel Esteves Cardoso apesar de ler as suas crónicas nos jornais e gosto das suas entrevistas. É uma falha minha que vou tentar resolver, aproveito para desejar a continuação de uma boa semana.

    Andarilhar
    Dedais de Francisco e Idalisa
    O prazer dos livros

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Vale bem a pena investir na leitura dos seus livros :)
      Obrigada e igualmente*

      Eliminar
  4. O amor é mesmo assim, umas vezes sim mas outras vezes não...
    O MEC é um bom escritor e, também por isso, e dado que criou uma boa imagem como jornalista, o livro teve o seu sucesso. mas confesso que ainda não li.
    Andreia, continuação de boa semana.
    Beijo.

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Depende sempre de inúmeros fatores!
      Sinto que é um dos livros que pode causar maior controvérsia, mas, pessoalmente, adorei e recomendo :)
      Obrigada e igualmente

      Eliminar
  5. Adorei a primeira citação, mas não sei se estou preparada para ler esse livro, apesar da tua analise brilhante e cativante!

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Muito obrigada, minha querida :) acredito que todos temos o nosso tempo certo para ler determinadas obras

      Eliminar
  6. Já li este livro, mas não fiquei muito fã como aconteceu como "Como é linda a Puta da Vida". Achei-o mais cansativo de ler, mas em contrapartida também tem crónicas com assuntos mais diversos.

    Beijinhos! :)

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. É um registo completamente diferente, até porque este não se centra tanto nas crónicas. Possivelmente, Como é linda a puta da vida é o meu favorito, apesar de ter adorado todos os que li dele *-*

      Eliminar
  7. Vou tomar nota do livro. Se é amor não pode ser violento...


    Isabel Sá
    Brilhos da Moda

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Esse lado mais violento prende-se com a intensidade do sentimento :)

      Eliminar
  8. Ja ando para ler esta maravilha há tanto tempo:)
    “ O Amor é mágico mas também é complexo” tão verdade
    Beijinhos
    https://matildeferreira.co.uk

    ResponderEliminar
  9. Nunca li nada dele mas é um autor que me causa alguma curiosidade.

    https://www.sonhamasrealiza.pt/

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Sou suspeita, porque adoro a escrita do MEC, mas aconselho lê-lo *-*

      Eliminar
  10. Disso eu não duvido,
    acredito na habilidade
    um segredo escondido
    privado da liberdade!

    Divulgado nesse livro,
    escrito por quem sabe
    acredito na felicidade,
    enquanto da sorte duvido!

    Gostei ler aqui o digo,
    a luz do sol nunca falte
    neste pais em que vivo
    não escondo a verdade!

    Tenha uma boa tarde Andreia!

    ResponderEliminar
  11. Esse livro nunca tinha ouvido falar, mas parece ser bom para conhecer, gostei de ler um pouco da tua opinião
    Beijinhos
    Novo post //Intagram
    Tem post novos todos os dias

    ResponderEliminar
  12. Um familiar portuênse ofereceu-me O AMOR É FODIDO, sendo uma Teresa a má da fita, o que me deixou um pouco irritada. Entretanto, já perdoei ao meu familiar essa oferta.

    Gosto de ler as crónicas de Miguel Esteves Cardoso, sempre com aquela pontinha irónica, tanto ao meu gosto.

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Pois, compreendo. Ainda bem que já o perdoaste :p
      Sabe fazê-lo como ninguém!

      Eliminar
  13. Há excepção de algumas crónicas nunca li nada do MEC.
    Mas, se recomendas vou tentar ler.
    Beijinhos

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Admiro imenso MEC, tem uma escrita fabulosa. E, de tudo o que li, nunca me desiludiu. Recomendo mesmo :)

      Eliminar
  14. Olá Andreia
    Do MEC só li a Causa das Coisas que não tem nada a ver comn esse livro pois trata-se da compilação de crónicas publicadas no jornal.
    Mas esse tipo de escrita não me seduz!!
    xoxo

    marisasclosetblog.com

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Também já tive oportunidade de ler Causa das Coisas - e de escrever sobre ele, aqui no blogue -, e adorei :)
      O das crónicas ou o deste livro?

      Eliminar
  15. Por acaso não sou apreciadora da escrita do Miguel Esteves Cardoso .

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Sou, precisamente, o oposto :p
      Faz parte, não nos identificamos sempre com tudo

      Eliminar
  16. Quero ler este livro já há algum tempo, mas ainda não calhou...

    Bom fim-de-semana, Andreia! 😄

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. É daqueles livros que pode gerar alguma controvérsia, mas acho que vale muito a pena :)

      Igualmente

      Eliminar
  17. Existem milhentas expressões para a sua definição não conheço o livro mas fiquei curiosa
    Rêtro Vintage Maggie | Facebook | Instagram

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Sem dúvida, até porque o amor é muito pessoal. Vale a pena :)

      Eliminar
  18. Adorei a dica de leitura. Realmente é impossível descrever o amor, cada um sente e demonstra de um jeito. Há quem mate a amada pra não ficar mais com ninguém, há quem mande flores, há quem faça um café da manhã... Cada um demonstra de um jeito. rs.

    nicenessbeauty.com

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. É essa a beleza do amor: a sua multiplicidade, porque o torna pessoal e único!

      Eliminar
  19. Boas leituras... e boas músicas... algo me diz, que vou gostar muito deste cantinho!... :-)
    Estamos em artandkits.blogspot.com se nos desejares visitar...
    Beijinhos! Bom fim de semana!
    Ana

    ResponderEliminar
  20. Bem verdade. Livro muito interessante:))

    Hoje:- És a bebida que sorvo em mar deserto.

    Bjos
    Votos de uma óptima Sexta - Feira

    ResponderEliminar
  21. «O amor é mágico. Mas também é complexo.» É tão isto, o amor é tanto que se torna mesmo impossível definir.
    Adorei esta review, linda. E fiquei mesmo mesmo curiosa em relação a este livro, já apontei :)

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Sinto que, por mais que o tentemos definir, acabaremos sempre por ficar muito à superfície
      Que bom, minha querida! Se leres, depois diz-me o que achaste :)

      Eliminar
  22. Adorei as citações, parece-me que ia gostar deste livro :)

    ResponderEliminar
  23. O amor é, pode ser, também, uma forma de inteligência (e todos ainda temos tanto que aprender sobre ele). Nunca li nada do autor, mas tua descrição sobre o livro me fez achar que ele parece ser bem interessante. Gostei do título também!

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Oh, se temos!
      Sou suspeita, porque é dos meus autores portugueses favoritos. Mas aconselho muito :)

      Eliminar
  24. Estou muito curiosa em relação a este livro por vários motivos...

    ResponderEliminar

Enviar um comentário