És Minha | Os Aurora

Fotografia da minha autoria

«Aquilo que fazes não é o que sentes»

Os Aurora estão de volta! Para ser honesta, nunca saíram da minha vida, porque o Grita continua a ser uma escolha diária. Mas houve uma pausa - sempre necessária - para a criação de novos temas. E este interregno reacendeu as saudades, mesmo que procurasse diminuí-las, ao escutar as canções disponíveis que tanto me inspiram. De coração em alvoroço, a novidade fez-se chegar. E com uma sonoridade renovada.

Sinto que as expectativas, por muito que nos tentemos resguardar, assumem proporções elevadas, ainda para mais quando já existe uma bagagem. E d' Os Aurora eu espero sempre o melhor. Porque lhes conheço o talento e porque reconheço a perseverança que os caracteriza. Vi-os crescer dentro de um programa televisivo e a afirmarem-se para lá dele. E, por mais que me repita, tem sido uma viagem fabulosa. Portanto, assim que anunciaram o lançamento de uma nova música, não escondi o entusiasmo de a querer escutar na integra. E de perceber o rumo depois do primeiro álbum de originais. Tenho que ser sincera: atendendo aos excertos partilhados, não pensei que fosse gostar tanto, porque é completamente diferente do registo habitual. E não houve uma identificação automática. No entanto, voltei a surpreender-me.

A identidade de um artista, como mencionei aqui, pode estar em constante construção. E não sinto, de todo, que deva manter-se fixa a um estilo único, sobretudo, se a vontade passar por explorar novas vertentes. E, a partir do momento em que o compromisso não se quebra, o reconhecimento acaba por ser natural. Além disso, é esta experimentação que permite delinear o caminho e perceber o que resulta, o que faz sentido, o que é para manter e o que fica para segundo plano. E agrada-me esta irreverência; agrada-me perceber que Os Aurora não têm medo de arriscar e de reinventar o seu percurso, embora isso possa significar um desvio do trilho familiar, porque a essência é preservada com o mesmo cuidado. Seja qual for a linha melódica e a sua expressão, sei que permanecerão fiéis aos valores que partilham entre os quatro: respeito - pela música, por eles e pelo público que já conquistaram -, verdade, um amor infinito e uma crença transparente no trabalho que produzem. E isso faz toda a diferença. Porque um artista que acredita na sua obra, e que a defende para além do risco, inspira. E convida-nos a reinterpretar a sua arte.

Nesta nova fase da banda, ouvimos uma És Minha arrojada. Direta. Crua. Com uma letra despojada de rodeios e com um ritmo que tem tanto de sensual, como de romântico e intenso. É, então, um tema que nos envolve na sua dança de significados plurais e desconcertantes. Com um cariz maturo e provocatório, e partindo de uma experiência pessoal, não deixa de ser uma canção que expõe a inconstância, a fugacidade de certas ligações, a vulnerabilidade, a conveniência, o amor e o constante regresso a alguém. Neste caso, assume a forma de uma mulher, mas quantas histórias não conhecemos com estes contornos, independentes do género? A complexidade das relações está bem presente. Assim como a própria incoerência interior. E o não que fica em suspenso, porque há sempre algo mais profundo a cruzar a comunicação e a potenciar uma reaproximação, quase, incontrolável: por orgulho, por desejo, por fraqueza, por sentimentos genuínos. E neste jogo de querer-não querer, existem promessas que se renovam.

A És Minha podia ser um retrato extremo, um cenário hipotético. Porém, tem tanto de real que nos desarma. E eu acho que o impacto da música passa, também, pela análise destas mensagens subliminares. Por isso, rendi-me, genuinamente, à intimidade do trato. À abordagem clara, ainda que se escondam algumas camadas, porque nunca nos revelamos por inteiro. E é desta diferença que Os Aurora são feitos. Este regresso marca uma transição consciente. Reafirma uma postura inteligente. E palmilha um futuro ainda mais promissor. E eu cá estarei para descobrir cada passo, com um orgulho incondicional e com a certeza de que, por serem eles, encontrarei sempre um elo que nos mantém no mesmo compasso - redobrando a minha admiração.