ENTRELINHAS | ENSINA-ME A VOAR SOBRE OS TELHADOS

Fotografia da minha autoria


«Algures entre o sonho e a mais pura realidade»


As minhas costas albergam asas. Indetetáveis para aqueles que me rodeiam, mas sempre presentes quando me enlaço nas páginas de um novo livro. E é neste voo que respiro o mundo. Quem é que nunca sonhou voar? Abrir os braços, sentir a brisa e não tocar no chão? Eu até quis «voar como o Jardel sobre os centrais», como canta o inigualável Rui Veloso! Porém, perante essa impossibilidade, desenvolvi alternativas. E, finalmente, pude levitar através das palavras de João Tordo.

Ensina-me a Voar Sobre os Telhados divide-se entre Lisboa e o Japão, convidando-nos a deambular por duas histórias distintas. Num ponto inicial, parece que desvendamos obras independentes. No entanto, com o avançar dos acontecimentos, compreendemos os elos que as interligam. Não só pelos detalhes que se sobrepõem, mas também pela aura que os protagonistas partilham, tão caracterizada pela melancolia. Pela dor. Pela fragilidade emocional. Alternando entre o passado e o presente, detetamos a loucura, a culpa, o desejo de morrer, bem como o exílio, os segredos de família e a tormenta que se cola ao nosso peito.

Esta narrativa é extremamente humana. Sentimental. E profunda. Começando pelo facto de abordar questões tão delicadas como o suicídio e o impacto que esta realidade tem nas pessoas que são [mais ou menos] próximas da personagem. Por outro lado, explora temas como a deficiência auditiva, o alcoolismo e a parentalidade. E, além disso, consciencializa-nos para a importância de enfrentarmos os nossos medos, de confrontarmos as nossas inseguranças e de nos resolvermos de dentro para fora. Porque a nossa saúde mental é um bem essencial e não pode ser banalizada. Portanto, partindo de quotidianos anónimos, espelha situações que não acontecem apenas num contexto escrito.

O autor, com uma sensibilidade que me cativou, encurtou a linha que divide o real da ficção. E tocou, ainda, em pontos-chave, uma vez que conseguiu demonstrar o quanto a tradição e os preconceitos condicionam a nossa vida. Em simultâneo, faz-nos questionar a nossa postura, as nossas crenças e a forma como nos relacionamos com os nossos problemas e com as pessoas que se cruzam no nosso caminho. E, claro, abre-nos a porta para a incógnita e o misticismo associados à levitação. Sinto que algumas passagens se tornaram demasiado detalhadas, acrescentando pouco ao enredo. Contudo, não deixa de ser uma leitura reconfortante. Inspiradora. E relacional. Sobretudo, porque exalta «a beleza imperfeita da vida» e o quanto é fundamental aprendermos a amar.

Ensina-me a Voar Sobre os Telhados funciona como um processo catártico e como um impulso de esperança. Atribui voz a quem é rejeitado pela sociedade. E concede-nos espaço para ouvirmos todas aquelas que nos habitam. Assim, durante períodos de agonia, também somos capazes de nos tornarmos leves, se aprendermos a libertar o que nos pesa. E há sempre alguém disposto a ser a nossa rede de apoio. João Tordo desenrolou um novelo, escrevendo histórias dentro de histórias. E provando que, por vezes, só necessitamos de acolher o que é, aparentemente, banal, para alcançarmos lugares extraordinários.


Deixo-vos, agora, com algumas citações:

«Lembro-me de lhe pegar ao colo lavado em lágrimas, de lhe sussurrar ao ouvido algo doce; umas quantas palavras que desceram aos trambolhões, trôpegas, sem qualquer serventia» [p:17];

«Já não havia pensamentos dentro de si. Nenhum sentimento ou imagem. Havia um vazio que era quase paz» [p:131];

«Pouquíssimos de nós conseguem contrariar a urgência de apressar a realidade, o desejo quase incontrolável de obter, pelo menos, algum alívio do medo» [p:205];

«Tu não ouves, disse-lhe. Estás sozinho, e não ouves o que ninguém te diz. E eu identifico-me com isso, também sou o meu próprio carrasco. E, porque te percebo tão bem, só por isso é que ainda não te mandei à merda» [p:393];

«Olha para o céu, tenta descobrir a sua estrela, mas a noite é um manto de muitas camadas, impenetrável, nuvens feitas de chão (se os humanos vivessem ao contrário), e torna a fechar os olhos no consolo do abraço» [p:442].


// Disponibilidade //
Wook: Livro | eBook
Bertrand: Livro | eBook

Nota: O blogue é afiliado da Wook e da Bertrand. Ao adquirirem o[s] artigo[s] através dos links disponibilizados estão a contribuir para o seu crescimento literário - e não só. Obrigada ♥

Comentários

  1. Nunca li nada do autor, mas tenho o novo thriller na estante a aguardar.

    Vou adicionar este título à minha lista.

    Beijinho grande!

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Quero tanto ler o seu thriller! Acho que será uma das minhas prendas de anos de mim para mim :)

      Vale muito a pena

      Eliminar
  2. Ainda não li, mas não escapa...
    Gostei da foto, muito bem imaginada para o livro em causa.
    Andreia, um bom resto de semana.
    Beijo.

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Recomendo, Jaime. É uma leitura maravilhosa :)
      Muito obrigada
      Continuação de boa semana

      Eliminar
  3. Parece ser bastante interessante, mas não conhecia mesmo esse livro
    Beijinhos
    Novo post
    Tem post novos todos os dias

    ResponderEliminar
  4. Que história tão bonita :) Julgo que já é o segundo livro do autor que trazes aqui e deixas-me cada vez mais curiosa para o ler :)
    Ah adoro esse verso da canção do Rui Veloso, que memórias tão boas :)
    Beijinhos

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Embora retrate temas duros, a forma como o autor a desenvolve acaba por ser viciante e muito delicada [mas sem romantizar os dilemas]. É a primeira vez que falo de João Tordo, até porque este foi o primeiro livro que li dele :)
      Até fiquei impressionada comigo quando esse verso me saltou da memória ahahah

      Eliminar
  5. Gosto do título do livro e fiquei com curiosidade 📚 de o ler‼

    ResponderEliminar
  6. Nunca li nada desse autor, fiquei curiosa! :)

    www.amarcadamarta.pt

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Fiquei impressionada com a sua escrita. Se tiveres curiosidade, aconselho :)

      Eliminar
  7. História interessante, parece-me!!
    Beijinho linda.

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Sou suspeita, porque adorei, mas é mesmo!
      Beijinho grande, minha querida

      Eliminar
  8. Nunca li nada dele
    Espero que escreva tão bem,como o pai canta.

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Para já, ainda só tenho esta obra como referência do seu trabalho, mas foi uma excelente surpresa.
      Cada um com o seu talento, mas, de facto, é uma família que o excede :)

      Eliminar
  9. Parece-me ser bom, li há já algum tempo o Hotel Memória do mesmo autor e gostei:)

    Anita On

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Gostei imenso! Esse ainda não li, mas tenho muita curiosidade :)

      Eliminar
  10. Hello :)
    Nunca li nada desse autor, mas estou a ver que ando a perder algo :)
    Beijinh

    ResponderEliminar

Enviar um comentário