UMA DÚZIA DE LIVROS // FEVEREIRO

Fotografia da minha autoria


Tema: Um livro do teu autor favorito


A viagem pelo mundo desconhecido da literatura é bastante desafiante e entusiasmante. Porque abre-nos múltiplas e inesgostáveis portas. Atendendo a que construímos pontes que nos ligam a outros géneros e a outros nomes - que, talvez, não fossem uma prioridade -, deixa-nos, ainda, mais completos, informados e sonhadores. No entanto, mesmo que esta dinâmica nos estimule de várias maneiras, regressar a uma zona de conforto continua a ser apelativo e gratificante. Porque lermos os nossos autores favoritos transmite-nos a sensação de estarmos em casa.

Miguel Esteves Cardoso é - e sê-lo-á sempre - uma referência. Pela escrita direta e mordaz. Pela irreverência. Pela inteligência. Pelo traço camaleónico. E por toda a intemporalidade com que reveste as suas obras, pois tem um olhar atento, que valoriza os detalhes centrais da nossa existência - por muito que aborde temáticas improváveis e pouco transversais. Portanto, qualquer propósito é válido para me perder nos seus livros, até porque aprendo imenso só por tentar acompanhar o seu raciocínio. Admiradora confessa das suas crónicas, para o segundo tema de Uma Dúzia de Livros optei por seguir outra rota e privilegiar o seu romance O Cemitério de Raparigas.

A narrativa apresenta uma energia dicotómica, tendo em conta que nos transporta para passagens ora tristes, ora divertidas; ora afetuosas, ora cruéis. Além disso, representa o quanto o nosso quotidiano pode ser amargo e solitário, apesar de estarmos rodeados de pessoas. De convivermos. De nos entregarmos. De nos envolvermos. De sermos um peão neste jogo que nos implica por inteiro. Com um tom proximal, algo rude e magoado, sem subterfúgios e sem medo de recorrer ao calão, acompanhamos a jornada de Fernando, que nos concede a oportunidade de analisarmos as relações amorosas de uma perspetiva masculina.

O Cemitério de Raparigas simboliza, então, uma viagem emocional, de autoconsciência, que quase nos obriga a olhar para dentro de quem somos. Porque cada reação é o espelho da essência humana. Assim, refletimos sobre a solidão, sobre a toxidade dos vínculos que estabelecemos e o seu lado descartável, sobre os sentimentos mornos e fugazes, sobre o ciúme, a obsessão, a rejeição e a morte [física e espiritual]. Em simultâneo, evidencia a necessidade de eliminar o passado - e a concorrência - e o quanto o amor nos consome, entrando numa espiral de urgência, intensidade e excitação. Com alguma desconexão e alternância entre o querer e não querer, o protagonista revisita as namoradas que foi acumulando, guardando um segredo doloroso, ao mesmo tempo que comprova que podemos ser muito irracionais quando o assunto se prende com a nossa componente afetiva.

Miguel Esteves Cardoso, com um sentido de humor particular, escreveu-nos sobre a fragilidade individual. A inconsciência. E a inocência. Mas também sobre a esperança que depositamos no sentimento mais nobre que existe - e que tantas vezes nos salva do abismo. Pode não ter entrado para o topo das minhas preferências, mas é inegável a mestria que este Cemitério de Raparigas emana, até porque nos mantém em alerta, cientes de que há destinos dos quais não podemos fugir - por teimosia, sina ou coincidência, chegamos sempre onde nos esperam.


Deixo-vos, agora, com algumas citações:

«Nem tempo me deu para perguntar porquê. Explicou-me logo tudo, tintim por tintim, desde o início, arrumando-me a um canto, sem margem alguma de manobra, ou capacidade interrogativa, ou de participação» [p:10];

«A morte é fácil de fingir, desde que esteja vivo, e ausente, e triste» [p:70];

«No estado de amor puro talvez não haja saudade nem esperança, nem verdade ou ilusão - só repetição, repetição, repetição, dos dias que o passado é incapaz de aguentar...» [p:194];

«O que mais me aterrorizava eram os nomes completos. A memória fotográfica» [p:266];

«Amei - mas só eu sei, soube pelo menos uma vez, como e quem» [p:314].


Disponibilidade: Wook || Bertrand

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Comentários

  1. Não gosto muito do estilo de escrita desse autor, mas talvez dê uma oportunidade a esse livro :).
    Beijinhos
    Blog: Life of Cherry

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    1. Se não gostas do estilo de escrita, não aconselharia este livro. No entanto, caso tenhas curiosidade, talvez te surpreenda 😊

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  2. Respostas
    1. Embora esteja conotado como o seu melhor romance, sinto que é das suas obras menos conhecidas

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  3. Não me lembro de ter lido esse autor...

    Isabel Sá  
    Brilhos da Moda

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  4. Aprecio as obras do MEC mas esta não conhecia. Tenho que ler. =)

    Beijinho grande!

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    1. Confesso que esta também não conhecia, até a Wook ter feito uma campanha só com livros do MEC e chamou-me à atenção 😍

      Beijinho grande

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  5. Gostei das dicas. Um autor que eu não conhecia
    Beijinhos

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  6. Gosto tanto do MEC :) Mais um para a minha wishlist dele :)
    Muito obrigada por mais esta excelente sugestão :)
    Beijinhos*

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    1. É um autor extraordinário 😍
      Embora não seja o meu livro favorito dele, está interessante

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  7. Estamos em sintonia na literatura, Andreia, embora Miguel Esteves Cardoso não seja o meu autor favorito.

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    1. Algum dia iria acontecer 😂
      Fico sempre encantada com os raciocínios que desenvolve

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  8. Confesso que ainda não tinha ouvido falar, mas adorei conhecer um pouco mais
    Beijinhos
    Novo post
    Tem post novos todos os dias

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  9. Gosto da escrita do MEC, mas ainda não li este livro.
    Andreia, continuação de boa semana.
    Beijo.

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    1. Se tiver interesse, recomendo 😊
      Obrigada e igualmente Jaime

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  10. Acreditas que nunca li nada desse escritor? :p

    www.amarcadamarta.pt

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    1. Acredito 😊 conheço algumas pessoas que já leram algumas [partes de] crónicas, mas que nunca se aventuraram num livro.
      Talvez um dia! Sendo totalmente suspeita, vale a pena

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  11. Nunca li nada do autor, mas a temática que envolve o livro, deixou-me curiosa. Vou colocá-lo na minha lista. De facto, não sei quando é que terei tempo para ler todos os livros dessa mesma lista ahah Mais uma excelente review! Beijinho

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    1. Sou suspeita, mas adoro a escrita de Miguel Esteves Cardoso. Tem um tom de sarcasmo que aprecio. E, depois, consegue focar nas pequenas coisas que poucos se lembram 😊
      Pois, compreendo, a lista é sempre gigante ahahah

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