THE BIBLIOPHILE CLUB // FEVEREIRO

Fotografia da minha autoria

Tema: Livros passados em Portugal

O globo cor de mar repousa na estante de madeira. Pego nele. E faço-o rodar na palma da minha mão, como se a próxima viagem não dependesse de qualquer outro fator. Independentemente disso, o sonho comanda-me. E, de olhos fechados, escolho o destino que me aguarda: Portugal. Como me corre no sangue. Como traço de personalidade. E descobrir o meu país entre páginas de um novo livro tem tudo para ser gratificante.

A minha jornada blogosférica cruzou-se cedo com a da Ana Ribeiro - EscreViver. Portanto, tenho acompanhado de perto o seu crescimento, as suas metamorfoses e a conquista inerente à publicação das suas obras literárias. Tendo consciência do quanto é talentosa, estava mesmo curiosa para descobrir a história do seu segundo livro, por ter uma bagagem terna e desafiante. A oportunidade surgiu aquando da revelação do tema de fevereiro para o The Bibliophile Club. Assim, deixando-me absorver pelas suas palavras, fui à boleia da Maria Vinagre. E, para além de reforçar o encanto pela cidade Invicta, regressei à bela região alentejana, que me diz tanto, sendo já uma parte de quem sou.

Ao Teu Lado tem uma premissa que nos desarma emocionalmente, uma vez que nos permite contactar com uma relação de amizade improvável. Singular. Inspiradora. E um aspeto que considero interessante é a própria estrutura da narrativa, pois há mesmo uma hora do conto, o que não deixa de ser original e bastante identitário. Em simultâneo, atribui um simbolismo maior aos acontecimentos partilhados, tendo em conta a aproximação direta aos factos e o discurso na primeira pessoa, que nos acolhe com outra verdade. Perante esta dinâmica, compreendemos a importância do voluntariado, das implicações de estarmos presentes e do quanto a convivência entre diferentes faixas etárias nos reserva inúmeras aprendizagens. E que o tempo que dedicamos aos outros é precioso, fazendo toda a diferença na sua luta e no seu bem-estar.

Pessoalmente, sinto que a mensagem deste livro é sólida, até porque nos leva a refletir sobre questões fraturantes da sociedade, como os relacionamentos abusivos [que gostaria que fosse mais explorado neste contexto], os diferentes estratos sociais [e a confiança que é afetada graças a esta componente, como se se fosse menos digno quando a riqueza não é monetária], a entrada para a faculdade [com todos os dilemas que acarreta], a falta de perspetivas, o isolamento, a ligação ao campo e à cidade [e aquilo que cada um pode oferecer] e o impacto que a distância pode - ou não - ter nos laços que estabelecemos. Por outro lado, captamos as dúvidas, os receios, as mágoas, as conquistas e o colo sempre disponível para os nossos. Porque, quando construímos sentimentos em bases sólidas, nada desenlaça esse nó com toque a casa.

Houve, ainda assim, detalhes que, para mim, não funcionaram tão bem, pois senti alguns diálogos muito formais, alguma repetição de ideias e a parte final demasiado célere. Contudo, é inegável a credibilidade dos protagonistas, pois poderiam representar-nos a qualquer um de nós: com as nossas falhas, as nossas inseguranças, os nossos desejos e, inclusive, com todas as nossas dicotomias interiores, que tornam o nosso caminho curvilíneo e, por vezes, indecifrável. Mas o lado bom das relações - sejam elas de que natureza forem - é que nos auxiliam neste processo de autodescoberta, orientando-nos. Porque temos sempre uma estrela a guiar os nossos passos. Estas considerações, atenção, não evidenciam mais do que as minhas preferências enquanto leitora, não interferindo, propriamente, com a qualidade da narrativa, que nos prende do início ao fim, pela sua cadência doce e cheia de esperança.

Ao Teu Lado mostra-nos que não são as nossas diferenças - nem o berço - que nos separam. E é neste traço honesto que se cumprem promessas inquebráveis, mesmo quando somos confrontados com obstáculos de elevada dificuldade. Porque não há vicissitudes que afastem quem nasceu para viver de mãos dadas. Até ao fim do fim. Num grito de amor constante, no mesmo compasso de tempo e de vontade, valorizando a ponte mais especial que algum dia poderemos edificar: a amizade.

Deixo-vos, agora, com algumas citações:

«- Estou cansado, mãe! Cansado de viver aqui, sem ter com quem brincar. De andar quase sempre sozinho e não ter ninguém com quem falar...» [p:9];

«Parece que à medida que crescemos vamos desaprendendo a aproveitar a vida em toda a sua plenitude, deixamos de dar valor às pequenas coisas, aos sentimentos, às palavras, às emoções e até às fortes ligações que estabelecemos com os outros» [p:120];

«- E dizes isso assim, dessa maneira tão despreocupada, como se nem tivesses uma explicação plausível para me dar? Dá-me só uma razão, é a única coisa que te peço!» [p:174];

«- Meu Deus, que saudades enormes que eu tinha tuas; bem dizem que as saudades não têm braços, mas apertam...» [p:276];

«- Quando o nosso maior suporte: amigos e família, principalmente, nos faltam, pomos sempre tanta coisa em causa» [p:295].