INCONFIDÊNCIAS // O DESPORTO NÃO TEM COR

Fotografia da minha autoria


«O que me preocupa não é o grito dos maus... 
mas o silêncio dos bons»


A beleza do desporto passa pela destreza, pelo talento dos intervenientes, pela técnica, pela mestria. Mas passa, ainda mais, pelas emoções que desperta nos relvados, nos pavilhões, nas bancadas. E pelo lado irracional que se apodera de nós e que nos faz vibrar, por vezes, até ficarmos roucos. Porém, quando se ultrapassa essa linha saudável, utilizando-a para camuflar atos desumanos, que transbordam uma falta de caráter gritante, é tempo de parar. E, sobretudo, de erradicar estes comportamentos que contaminam o bem da sociedade.

Ser uma pessoa de causas implica quebrar o silêncio. E denunciar. É nesta consciência cívica que tenho colocado a minha intervenção. Porque não importa se a minha voz não tem projeção suficiente para abalar o mundo. Se inquietar, pelo menos, alguém que esteja próximo, o caminho já não é tão inglório. Por isso, fiz questão de discutir o que aconteceu em Guimarães, no jogo que opôs o Vitória ao Futebol Clube do Porto, até porque continua a chocar-me como é que num país evoluído há pessoas a imitarem macacos para insultarem - e humilharem - um jogador da equipa adversária. A rivalidade contribui para a festa que é, neste caso, o futebol, no entanto, estes incidentes bárbaros só o denigrem. Infelizmente, não foi - nem será, se perdurarem estes contornos -, um episódio isolado, só que, desta vez, a inércia não foi a arma de arremesso. Há momentos em que ignorar não é, de todo, a solução. É necessário reagir, quase como se se respondesse na mesma moeda, para que se compreenda, de uma vez por todas, que não vale tudo - não pode!

O Marega teve bastante coragem. E uma força mental que eu, muito honestamente, não sei se teria. Marcando uma posição clara, abriu um precedente valioso: nenhuma profissão, por mais que seja uma paixão, está acima da nossa dignidade. Portanto, esta violência emocional e psicológica nem sequer deveria ser equacionada. E, muito menos, permitida, principalmente, quando existem diretrizes específicas. É que não estamos a navegar por águas pantanosas, por assuntos que nos deixam no limbo. O racismo é punível, como consta no código penal. E ainda estou para perceber como é que os árbitros não tiveram a decência de aplicar as leis estipuladas - que existem para salvaguardar inúmeras circunstâncias. Se não há o mínimo de proteção para os atletas, qual é o objetivo de se criarem regulamentos? E, por favor, não utilizem a desculpa de não se ter ouvido, porque só [vos] fica mal. Além de tentarem passar mais um atestado de incompetência, que perpetua toda a onda de desrespeito proliferada no estádio.

É inevitável chegar à conclusão de que só num sistema corrompido é que a vítima é alvo de críticas, questionando o seu compromisso e profissionalismo. Sei que a comparação poderá não ser justa, mas recorda-me todas as vezes em que ouvi e/ou li «veio assim vestida, estava à espera do quê?». Enquanto insistirmos na culpabilização - consciente ou inconsciente - de quem sofre os danos, em vez de responsabilizarmos os verdadeiros criminosos, continuaremos a compactuar com o perigo. O preconceito. A estupidez humana. E não podemos dar asas a esta apatia, a este nível de repulsa que nos divide naquilo que deveria ser o sentido de civilização. A discriminação não pode ter representatividade. Nem no desporto, nem em parte alguma.

Somos pessoas com raças, orientações sexuais, ideologias, crenças, religiões, clubes e cor de pele distintas. E cada um destes fragmentos conta a nossa história. Contudo, não nos define em exclusivo. E muito menos pode ser uma janela aberta para que nos agridam. Repudiem. Porque, repito, somos pessoas. É a nossa essência que tem que funcionar e prevalecer como motor de diferenciação. Não somos menos do que os nossos pares por sermos como somos. E ninguém tem o direito de nos julgar e rebaixar por esse filtro. Bem sei que cada um oferece o que tem por dentro, mas procuremos ser mais empáticos. E alhearmo-nos menos. Não é por não se passar connosco que devemos fechar os olhos e fingir que não acontece. O princípio deveria ser, precisamente, o contrário. Para educarmos sem barreiras e crescermos sem maldade.

O grito de revolta do Marega carrega muitas vozes dentro. E é uma luta que está longe de terminar. Mas, enquanto formos mais por ele - e como ele -, desistir não é uma rota viável. No desporto, a cor é só uma questão de equipamento. Para todos os que insistem em alimentar atitudes de merda, alerto-vos para descerem do vosso pedestal. É que, no fim, morremos todos, independentemente de se sentirem inatingíveis. Juntem-se aos bons: aos que veem para lá das diferenças. Aos que não pisam. E que tornam o ambiente desportivo na celebração que lhe corre no sangue. E deixem que seja o coração a definir-vos - não o racismo.

Comentários

  1. É urgente acabar com a falta de respeito no desporto....

    Isabel Sá  
    Brilhos da Moda

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    1. Estes comportamentos não se podem mesmo perpetuar, até porque saltam do desporto para todo o lado e vice-versa

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  2. Há pessoas que não deviam ter direito a entrar em estádios porque não sabem estar e não sabem respeitar. Marega alertou para uma situação que ainda continua a existir no desporto e fez despertar consciências. Foi um herói.

    Beijinho grande!

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    1. Há alturas em que dou por mim a pensar o mesmo, infelizmente. É que a festa nas bancadas é inacreditável, arrepiante. Não há necessidade disto, de se descer tão baixo

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  3. Está na altura das bestialidades que se cometem no desporto mais precisamente no futebol acabarem.
    Um abraço e boa semana.

    Andarilhar
    Dedais de Francisco e Idalisa
    O prazer dos livros

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    1. É preciso aplicar as leis com severidade, caso contrário, este género de comportamentos continuarão a subsistir.

      Obrigada e igualmente

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  4. Estamos juntas! Eu também não me calo nestes casos!
    Beijinhos*

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  5. Nunca fui grande apreciadora de futebol (apesar de admirar as técnicas e destreza envolvidas) mas, ultimamente, tenho admirado cada vez menos, devido à violência que se gera em torno de um simples desporto como os outros.
    Acho que fazes muito bem não te calar, a nossa voz, por muito pouco impacto que tenha nesta imensidão que é a Internet, tem sempre algum impacto em alguém :):
    Beijinhos
    Blog: Life of Cherry

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    1. Sou apaixonada poe futebol desde que me lembro de ser gentem. E a emoção que se sente é surreal. Fico mesmo triste, revoltava, por haver sempre alguém a estragar estes momentos com a sua falta de humanidade.
      Sinto exatamente isso!

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  6. Por essas e por outras que nunca me chamou atenção ir assistir a um jogo
    Beijinhos
    Novo post
    Tem post novos todos os dias

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    1. Vale a pena assistir, até porque, felizmente, ainda são mais as pessoas decentes que se encontram na bancada. Mas atos assim não podem sair impunes

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  7. Marega foi muito corajoso e bateu com a mão mesa, mesmo perante a indiferença e pressão dos seus colegas de profissão. E que atitude feia de André André.
    Acredito que fez muito mais que campanhas de sensibilização que apenas servem para engordar a conta bancária das agências. Porém, lamento que mais de uma semana depois, não haja nenhuma consequência prática. É à portuguesa.

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    1. Honestamente, não esperava a reação do André André. Desiludiu-me um bocadinho...
      Teve uma força mental incrível. Tentando colocar-me no lugar dele, tenho quase a certeza que não reagiria dessa forma. O mais provável era tentar ignorar e continuar o jogo, mas louvo-lhe mesmo a coragem, porque nenhuma profissão está acima da nossa dignidade. E ao ter esta atitude está a impedir que o racismo se normalize.
      Não consigo compreender como é que não há consequências

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  8. Só deixarão de haver cenas desagraveis como foram essas que aconteceram em Guimarães. Quando e quem as pratica tiver educação suficiente para compreender de que todas as pessoas independentemente, da cor ou religião, têm o direito de ser respeitas, bem como devem, também, proceder do mesmo modo.

    Continuação de boa semana, carnavalesca, Andreia.

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    1. O mal é mesmo esse: a falta de educação. De valores. De consciência cívica. Infelizmente, não foi o primeiro, nem será o único caso, sobretudo, enquanto não existirem consequências severas.

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  9. Este episódio foi mesmo triste para o futebol e para o país... É por estas e por outras que não devemos nem podemos calar-nos. O racismo existe e temos de continuar a tentar travá-lo :(

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    1. Infelizmente, não foi um ato isolado. E, tendo em conta determinadas reações, também não será o último. Por isso, é mesmo fundamental continuarmos a lutar contra estes comportamentos

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