1+3 // POST SCRIPTUM: TODAS AS CARTAS QUE ME DEVERIA TER ESCRITO

Fotografia da minha autoria


«Tenha sempre uma carta por perto»


A minha alma transborda palavras. São o meu dialeto. A voz que me sai do peito, sempre cheia de cadência. De amor. De empatia. De força, mesmo quando a noto enfraquecida. Além disso, são o meu refúgio. O meu colo. O meu trampolim interior. Porque acredito no poder que preservam em cada letra. Portanto, estando consciente de que há momentos em que necessitamos de uma prova física de motivação e esperança, poderia ter recorrido ao papel e à caneta sempre que senti a minha vida no limbo.

O processo metamórfico, tão característico das pegadas que marcamos no caminho, poderia ter sido mais sereno, se tivesse optado por me sentar à secretária a redigir correspondência para mim. Sobretudo, em datas tão particulares, que me concederam a oportunidade de ser a mulher que sou; que me permitiram reforçar todo o meu discernimento e moldar o meu caráter na direção mais acertada. Assim, num post scriptum especial, estas são todas as cartas que me deveria ter escrito.

Quando perdi o meu avô materno: O lado imprevisível da nossa jornada obriga-nos sempre a despedir de pessoas que são parte da nossa essência. E acho que se torna mais cruel quando sentimos que nos roubam a possibilidade de palmilhar um futuro comum. Só tinha quatro anos quando o meu avô se tornou uma estrela no meu céu, precisamente no dia do meu aniversário, e aquela imagem abalou-me. Para ti, Andreia pequenina, o luto demorará a sarar, mas muita da tua determinação e bondade, mesmo que não percebas, advém desse elo familiar. Ficou muito por viver, porém, há ligações que se colam à nossa pele sem precisarem de muito tempo de convivência. Porque são feitas de um tecido singular. Não te vais lembrar da sua voz, da sua gargalhada, nem do calor do seu abraço, mas saberás sempre que foi colo. Por isso, chora a saudade que te invade. Mas, depois, vai libertando essa capa de mágoa, porque o teu avó continuará a caminhar ao teu lado.

Quando permiti que o meu corpo me definisse: Ser saudável não é uma questão de caber em determinados padrões - e roupas. É, sim, tomar decisões conscientes. E mesmo que não caibas em camisolas S e/ou calças 34, não é o teu tamanho que define a pessoa que és. Se queres perder peso, ótimo, trabalha nesse sentido, mas tem presente que o processo é moroso e que exige um compromisso sério. Agora, entende uma coisa: tens que o fazer por ti e não por achares que tens que corresponder a medidas estereotipadas. O amor que deves sentir por ti começa quando te aceitas. Isso não significa que não te possas melhorar, mas é a tua vontade que deve prevalecer. E não a verdade dos outro. Por isso, cuida-te bem. E não te cobres demasiado, porque a tua luz vem de dentro. E é ela que te vai definir, não o resto.

Quando me separei de amigos: Há amizades com um prazo de validade reduzido, o que não quer dizer que não sejam especiais. Porque aquelas pessoas chegaram à tua vida com uma missão muito específica. E tu vais aprender, com o tempo e com todas as aprendizagens conquistadas ao minuto, que ser genuíno não implica ser eterno. Portanto, não tenhas receio de fechar esse capítulo. Guarda o que construíram de bom. Recorda-os por isso. Sê grata. E segue viagem. Sem ressentimentos.

Quando soube que ia ser madrinha: Eu sei que, do alto dos teus quinze anos, não te sentes preparada para esta responsabilidade, apesar de estares entusiasmada. Porque ainda te estás a descobrir e parece-te improvável seres capaz de guiar um pequeno ser humano. No entanto, acredita, será uma dos teus maiores agradecimentos. E o destino foi generoso, trazendo-te um rapaz com o coração no sítio certo. De todas as vezes que o pegares ao colo, para além do peso da confiança, vais sentir-te abençoada. Porque tens a sorte de ele te pertencer um bocadinho. Vais aprender muito com ele. E vê-lo crescer será um orgulho desmedido. Esperar-te-ão desafios, mas nunca te saberá tão bem viver com o coração fora do peito. E, prepara-te, a sua paixão pelo futebol poderá levá-lo longe. Mantém-te sempre presente. E garante que nunca perderá esse seu jeito inocente e belo de aproveitar a vida.

Quando me falhou o não: Vais acreditar, durante muito tempo, que dizer não é falhar às tuas pessoas. Mas não é. Aprende a dizê-lo mais vezes, para que não falhes contigo. Salvaguarda-te. Acabarás por perceber que é uma resposta tão válida como o sim. E não tem que custar.

Quando entrei na faculdade: A etapa seguinte vai fazer-te vivenciar o melhor e o pior de dois mundos, porque alcançaste um sonho antigo, mas também terás que gerir a ida da tua avó materna para o hospital e, meses mais tarde, lidar com a dor da sua perda. O teu primeiro ano na ESE será intenso, desafiante; e compreenderás que poderias ter aproveitado muito mais a praxe para te refugiares. Além disso, superarás esta experiência sozinha, sem a tua gémea, mas encontrarás amigos para a vida. Dá tempo. Empenha-te. Não tenhas medo de errar. E aproveita. Quando deres por isso, o mestrado - que também te colocará à prova de várias maneiras - estará a chegar ao fim. E sentir-te-ás envolvida numa onda de nostalgia e saudades. Porque valeu a pena.

Quando me coloco em causa: Ter medo, inseguranças e dúvidas faz parte do caminho, tornando-nos mais atentos aos nossos passos. Porém, não te diminuas. Não te retraias. E vai a jogo. Se caíres, arranjarás forma de te reergueres. E talvez entendas que tens que mudar de direção, mas isso não prova que falhaste, prova que tentaste. Mas, se for um fracasso, não te lamentes, porque vais crescer com isso. Por favor, acredita mais em ti. Tu és capaz! Sai da tua zona de conforto e impulsiona o voo. Vais ver que a vista é bem mais bonita lá de cima.

Como nota de rodapé, escrevo-te, agora, uma última carta, para que soltes as amarras e arrisques no projeto que te paira na cabeça. Sempre que precisares, abre o caderno e dá espaço à caneta. Repete os mantras em que acreditas. Porque, se é este o motor que te faz levitar, nunca percas este jeito de fazer das palavras uma estrada.


[Publicação inserida no desafio 1+3]

Comentários

  1. Seres a tua melhor amiga é o caminho para a serenidade! Adorei os conselhos que te dás!

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    1. É tão importante sabermos escutar as nossas necessidades e destinarmo-nos lembretes inspiradores

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  2. Adorei esta publicação pela originalidade, nunca me tinha passado pela cabeça escrever cartas a mim mesma. Gostei muito.

    Beijinho grande!

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    1. O mérito é todo da Carolina, que teve a ideia fantástica para este tema. Adorei 😊
      Muito obrigada!

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  3. Muito interessante e muito original minha amiga, gostei.
    Um abraço e continuação de uma boa semana.

    Andarilhar
    Dedais de Francisco e Idalisa
    O prazer dos livros

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    1. Foi um belo tema!
      Muito obrigada 😊

      Continuação de boa semana

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  4. Bonitas cartas e, estou ansiosa para saber desse projecto, boa sorte!!
    xoxo

    marisasclosetblog.com

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  5. Há sempre coisas que nos marcam bastante, e outras ficam e outras vão, mas adorei bastante conhecer um pouco mais sobre essas cartas.
    Nunca é fácil nos despedir de quem já partiu custa muita
    Beijinhos
    Novo post
    Tem post novos todos os dias

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    1. Há circunstâncias que nos acompanham a vida inteira, ajudando-nos a crescer e a moldar o nosso caráter.
      Muito obrigada!
      É verdade, custa sempre

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  6. Que forma tao bonita de te reencontrares e guardares memorias :)
    Tambem gosto muito de escrever para mim e guardar esses registos, a minha alma fica mais leve :)
    Beijinhos*

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    1. Por vezes, é importante voltarmos atrás e fazermos esta análise, até porque nos dá outra perspetiva das situações. Além disso, permite-nos aprender e conquistar outros mecanismos de defesa :)

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  7. Inteligente forma inspiradora de saber lidar e encarar a vida como ela é. Por vezes não sendo fácil. Todavia, não se deve perder a esperança de que amanhã é outro dia, de continuidade ao dia de hoje.

    Tenha uma boa noite Andreia.

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    1. Esperança sempre, até porque há um novo amanhã à nossa espera!

      Obrigada e igualmente

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  8. Admiro a coragem para fazeres essas reflexões. Uma carta não escrita não ter de necessariamente associada a coisas más, pode também ser a coisas boas :)

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    1. Não sinto que seja algo corajoso. Talvez seja mais uma noção de consciência :)
      Sim, sem dúvida, e por isso é que também me fez sentido incluir, por exemplo, a altura em que me tornei madrinha. Mas também acho que se torna mais intuitivo escrever para dias menos felizes, porque necessitamos de um conforto extra

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  9. E que belas cartas, querida! Com certeza teriam sido conselhos importantes e sábios para os momentos de aflição da pequena Andreia, mas tudo tem de acontecer assim não é? Tudo isso te tornou quem és hoje, uma pessoas com os valores no lugar certo e um talento enorme para as palavras :)

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    1. É tudo aprendizagem. E por mais que, na altura, isso não tenha sido percetível, a verdade é que, hoje, não seria quem sou sem esses desafios.
      Exatamente!

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