THE BIBLIOPHILE CLUB // MAIO
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Fotografia da minha autoria |
Tema: Distopias
O mundo parece estar virado do avesso. E há alturas em que queria acreditar que tudo isto não passa de uma página de um livro tão credível, que nos acolhe no seu interior. Quando, no início do ano, li A História de Uma Serva, senti-me incomodada com o regime em vigor e com o traço de isolamento, mas estava longe de imaginar que teríamos que aprender a gerir um nível aproximado de desordem. Em maio, comprometi-me a ler somente autores portugueses, mas abri uma exceção, para conseguir responder ao novo tema mensal do The Bibliophile Club.
Às Cegas é desenvolvido em duas linhas temporais: passado e presente. E apresenta uma metáfora interessante, uma vez que a venda nos olhos, numa cegueira reversível, tanto pode representar um ato de ousadia, como pode demonstrar uma dose de irresponsabilidade. Neste contexto em específico é, sobretudo, um grito mudo de sobrevivência. Sem que nos seja introduzida uma explicação sobre a origem do ataque apocalíptico, rapidamente compreendemos que o terror assenta naquilo que não se vê, priorizando o que é sugerido pelos sons, pela imaginação e pelas sensações. Desta forma, explora a fundo o medo que o ser humano tem do desconhecido. E do quanto o perigo é silencioso, angustiante e paralisante. Porque há uma criatura sem forma, que ataca quem a observa, promovendo a descompensação emocional e a loucura acentuada.
A paz inerente ao quotidiano é substituída pelo pânico, pela insegurança, pela desconfiança. E foi inevitável estabelecer uma ponte com os tempos delicados que estamos a vivenciar, porque há vários detalhes que se sobrepõem. Acusei, inúmeras vezes, o toque surreal da narrativa. E senti a dor, a destruição, a chacina, a perturbação e a coragem redobrada quando a necessidade de sair de casa impera. Em simultâneo, há uma questão que se destaca: como controlamos os nossos impulsos? Numa sociedade que se vê obrigada a redescobrir a sua essência, a empatia e a natureza humana serão colocadas à prova. Porque tornamo-nos muito mais conscientes da nossa fragilidade. E muito mais predispostos a teorias da conspiração, comportamentos psicóticos e à dormência perante a perda. O pavor não desaparece, muito pelo contrário. Contudo, existe uma certa luta para não sucumbir. E é impressionante como, na tentativa de reorganizar a nossa vida, determinados problemas perdem impacto, pois deciframos a urgência de relativizar aquilo que, antes, parecia um tormento.
Josh Malerman, com uma escrita contagiante, oscila entre o terror e a distopia. Provoca-nos desconforto. E transmite-nos a sensação de, também nós, estarmos às cegas. Aliás, a forma como o autor intensifica as nossas perceções é fascinante, pois as cenas não são explícitas: é a suposição que inquieta e amedronta. Além disso, a audição assume protagonismo, provando que, «sem a visão, o mundo é muito maior». E mais insano. Com uma história bem construída e personagens sólidas, há um equilíbrio extraordinário entre os dois momentos temporais. Não desmerecendo a qualidade dos protagonistas, é a evolução de Malorie que nos desarma. Porque é com ela que experienciamos, ainda que à distância, o medo de ser mãe neste ambiente e a educação para a resiliência, onde a noção de normalidade se desfragmenta e se procura impedir que a relação com o exterior seja sufocante e aterrorizante.
Às Cegas permite que o leitor desenvolva a sua própria noção do monstro. Explora a dinâmica de grupo e a pressão que podem exercer uns sobre os outros. E alerta-nos para as inúmeras reações possíveis numa situação desta natureza. Embora esperasse um final um pouco mais coincidente com a energia de toda a obra, sinto que nos conduz a uma perspetiva de um mundo novo. Harmoniza a esperança. E deixa-nos uma porta aberta de entrelinhas, ansiando uma sequela. Neste presente alternativo, há uma diferença gritante entre «não podermos olhar e não conseguirmos ver». Todos temos a nossa lente. E esforçamo-nos, superando-nos, para encontrar a luz em tantas circunstâncias obscuras.
Deixo-vos, agora, com algumas citações:
«As crianças nunca viram o mundo fora da sua casa. Nem sequer pelas janelas. E Malorie não olha lá para fora há mais de quatro anos» [p:10];
«À medida que o rio ganha vida com a natureza, ela imagina o pior. Tal como fazia antigamente, antes de as crianças nascerem, quando a inércia da porta da frente a lembrava que coisas como a loucura estavam sempre à espreita lá fora, quer alguém que amasse também estivesse ou não» [p:121];
«Tom pousa uma mão no ombro de Don. Don começa a chorar. Leva uma mão aos olhos para esconder o choro» [p:248].
Deve de ser um livro bem interessante, eu neste momento ando numa onda de literatura de viagem.
ResponderEliminarUm abraço e continuação de uma boa semana.
Andarilhar
Dedais de Francisco e Idalisa
O prazer dos livros
Senti a narrativa mesmo viciante, embora nos inquiete constantemente. Porque o terror psicológico está muito bem construído!
EliminarTambém gosto imenso de literatura de viagens *-*
Obrigada e igualmente, Francisco
Nao li o livro mas vi o filme e achei mesmo muito interessante. E faz-nos pensar. Realmente a pandemia que no rodeia tambem era algo que nunca imaginamos, mas ela apareceu e mudou as nossas vidas.
ResponderEliminarTambém já tinha visto o filme e adorei! Tirando o final, que é ligeiramente diferente em ambos os formatos, achei uma adaptação muito bem conseguida.
EliminarAcho que a narrativa se torna mais inquietante por isso, neste momento, porque há muitas pontes que conseguimos estabelecer com a nossa realidade.
Nós vimos o filme e adoramos, tem imagens super fortes
ResponderEliminarBeijinhos 😊 , Damsel.me-Clique Aqui
Também já tive a oportunidade de ver o filme e gostei bastante!
EliminarNão conhecia este livro, obrigada pela partilha, vai para a lista de futuras leituras.
ResponderEliminarBeijinho grande!
Recomendo tanto o livro, como o filme. São duas obras espetaculares!
EliminarUm filme de Volker Schlöndorff, o cineasta alemão, membro proeminente do Novo Cinema Alemão dos anos 1960 e início dos anos 1970.
EliminarApesar do final ser diferente, sinto que a adaptação cinematográfica é muito fiel!
EliminarNão conhecia, mas vou anotar! Obrigada pela partilha! :)
ResponderEliminarwww.amarcadamarta.pt
Nada que agradecer :)
EliminarConhecia o livro (devido ao filme que também nunca vi), mas nunca o li. Não é dos que me causa mais interesse, mas espero um dia poder lê-lo.
ResponderEliminarPois, compreendo, tem um tema menos intuitivo. Mas, caso mudes de ideias, aconselho ambos :)
EliminarNão conhecia o livro.
ResponderEliminarIsabel Sá
Brilhos da Moda
Se tiver curiosidade, recomendo, Isa :)
EliminarPosso escrever no "ematejoca azul" sobre o teu desafio: A LITERATURA LUSITANA, respondendo lá às tuas perguntas?!
ResponderEliminarQualquer dia, dou a minha opinião sobre A História de Uma Serva, que li há já muito tempo, mas que tenho vontade de ler novamente.
Claro que sim! À vontade :)
EliminarEstou muito curiosa com as tuas escolhas.
Sei que é daqueles livros que também vou querer reler. E quero muito ler a sua continuação
Também já li a continuação, mas muito à pressa, porque tinha de o entregar na biblioteca.
EliminarTenciono publicar no dia 18, para dar oportunidade a alguns dos meus leitores a participarem no desafio.
Ah! Pois, então é mais uma oportunidade para regressares à história :)
EliminarMas vais falar só do desafio em si ou vais já partilhar as tuas escolhas? A minha ideia é que as escolhas saíssem só dia 22, por ser a data da comemoração.
Muito obrigada por quereres partilhá-la com os teus leitores <3
Mais uma sugestão de leitura interessante.
ResponderEliminarAndreia, continuação de boa semana.
Beijo.
Muito obrigada por esse retorno, Jaime :)
EliminarContinuação de boa semana
Deve ser um livro bastante bom para conhecer, acho que nunca tinha ouvido falar
ResponderEliminarBeijinhos
Novo post
Tem post novos todos os dias
Gostei imenso!
EliminarParece interessante!
ResponderEliminarSou suspeita, mas acredito que sim :)
EliminarEste ainda não conhecia, fiquei curiosa :)
ResponderEliminarSei que é estranho dizê-lo, pelo tema que aborda, mas é um livro espetacular!
EliminarAssustador, não?
ResponderEliminarUm pouquinho, sim, até porque tem uma componente de terror psicológico muito forte. Nem é tanto pelas descrições, porque nada é tão explícito ao ponto de chocar, mas é a dedução que incomoda
EliminarLivro actualissimo sem duvidas! O mundo está mesmo virado do avesso... Excelente sugestão 🧡 Já disse que adoro a fotografia?
ResponderEliminarBeijinhos*
Verdade! Adequa-se em muitos aspetos à realidade que estamos a viver.
EliminarMuito, muito obrigada <3
Não li o livro. Mas, pelo comentário, muito bom de ler, parece tocar aspetos importantes do ser humano, da origem das suas inquietações. De certeza que dará boas reflexões! Beijinhos
ResponderEliminarSim, sem dúvida, deixa-nos em constante reflexão!
EliminarDeve ser um misto de emoções ler esse livro! Não conhecia...
ResponderEliminarBeijos e abraços.
Sandra C.
bluestrass.blogspot.com
Muito mesmo! Recomendo :)
EliminarAs citações que mencionaste deixaram me curiosa
ResponderEliminarRêtro Vintage Maggie | Facebook | Instagram
É uma obra que vale bem a pena. Acho que ias gostar
EliminarParece ser um ótimo livro
ResponderEliminarSegredosdamarii.blogspot.com
Só posso realçar aspetos positivos :)
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