ENTRELINHAS | A LISTA DOS MEUS DESEJOS

Fotografia da minha autoria

«O meu nome é Jocelyne. Quando era jovem, sonhava trabalhar no mundo da moda em Paris e conhecer um Príncipe Encantado»

A nossa predisposição temporal e emocional tem um impacto incalculável. E na transição entre leituras comprovamos isso mesmo, até porque os livros implicam-nos de distintas maneiras, além de provocarem reações particulares, pesando ou acalmando a paz que nos vem de dentro. Por isso, numa fase em que necessitava de uma narrativa descomplicada e familiar, optei por regressar a um contexto que, não sendo novidade, possibilitar-me-ia conforto e novas descobertas.

A Lista dos Meus Desejos transmite uma energia leve, muito pela abordagem da protagonista. No entanto, é uma obra com inúmeras camadas. Plural. E centrada em aspetos vitais para a relação que mantemos connosco e para a pegada que deixamos no mundo. Assim, faz a travessia desde a aceitação do nosso corpo até à realização de sonhos. Pelo caminho, desconstruímos as mentiras em que insistimos acreditar. Fomentamos a necessidade de partir - da imagem que observamos ao espelho, de quem somos, do lugar onde vivemos. Gerimos a traição, a perda e o luto. Compreendemos a influência da nossa partilha. E abraçamos uma jornada de auto-conhecimento, de consciencialização profunda acerca do que é realmente importante na nossa vida.

Grégoire Delacourt, através de uma premissa que parece abordar um lugar comum - o dinheiro não proporciona felicidade -, conseguiu partilhar um testemunho próximo e sólido, uma vez que sentimos as hesitações, as angústias, as frustrações da personagem principal. Durante todo o desenrolar da história, há uma certa indefinição que nos leva a questionar sobre as suas verdadeiras intenções. Inclusive, no momento em que o seu presente fica do avesso - aparentemente, para melhor -, é quase palpável a sua apatia e o receio de sonhar demasiado alto. E este contraste não deixa de ser curioso, pela característica tão terra a terra, pela ausência de deslumbramento e pela preferência em manter segredo, para que as mudanças não sejam excessivas. Há ocasiões em que a nossa realidade se transforma de raiz, mas esperamos sempre um ponto de equilíbrio, que nos transmita segurança.

Nesta obra, que transborda humanidade, acompanhamos uma viagem introspetiva e de conquista pessoal, onde sobressaem algumas dicotomias: Culpa vs Perdão. Materialismo vs Espiritualismo. Ambição vs Conformismo. Em simultâneo, explora as relações humanas, a quantidade de vezes que ignoramos objetivos em detrimento de alguém - e o quanto nos anulamos para corresponder às expectativas dos outros. E há duas questões que se evidenciam: será que conhecemos verdadeiramente as pessoas? E quando o amor não supera tudo?

A Lista dos Meus Desejos pode não ter o enredo mais surpreendente, mas emociona. Permite-nos abrandar e redefinir prioridades. E, com uma escrita fluída e revestida de ternura, corrobora o quanto a felicidade é uma condição subjetiva, demonstrando, também, que não está intimamente relacionada com bens monetários e materiais. Porque há coisas que o dinheiro não compra, sobretudo, quando se relacionam com a nossa saúde e a nossa autoestima. Dentro deste livro, existe um reencontro: com o que se perdeu. E com quem queremos continuar a ser.

Deixo-vos, agora, com algumas citações:

«Mentimos sempre a nós próprios» [p:11];

«Guardava as palavras dentro dela, como se fossem raras. Conjugávamos o silêncio, ela e eu: olhares, gestos, suspiros em vez de sujeitos, verbos, complementos» [p:24];

«Fez-me lembrar as primeiras noites dos amantes, aquelas em que aceitamos morrer ao raiar do dia; aquelas noites que não se preocupam com nada a não ser com elas próprias, longe do mundo, do barulho, da maldade» [p:61];

«[...] as nossas necessidades são os nossos pequenos sonhos quotidianos. São os nossos pequenos afazeres que nos projectam para o amanhã, o depois de amanhã, para o futuro. Esses pequenos nadas que compraremos na semana que vem e que nos permitem pensar que, na semana que vem, ainda estaremos vivos» [p:129];

«Quer voltar para casa agora. Tem inúmeras palavras para lhe dizer; palavras que jamais proferiu. Agora já sabe o significado de simbiose» [p:162].

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