STORYTELLER DICE // 3:40 AM

Fotografia da minha autoria


«Tu só me amavas quando era conveniente para a tua carência»


O telemóvel suspirou um sinal leve, uma vibração quase inaudível, mas que foi suficiente para me acordar - acho que os nossos sentidos estão sempre em sobreaviso, detetando o que nos espera. Olhei para o relógio, antes de ler a mensagem, e a hora não poderia ser mais esclarecedora. Os ponteiros marcavam as 3h40. E isso só implicava um cenário: tu. Não havia outra alternativa. E, ao conferir o que aparecia no visor, confirmei a minha suspeita: Estou cá em baixo.

Hesitei, como o tenho feito nos últimos meses, porque deveria ser capaz de não ceder. E abomino aqueles argumentos de que «um homem não é de ferro» ou, pior, de que «a carne é fraca». Tretas! Sinto repulsa só de ter semelhantes pensamentos, pois não são justificação. Por muito que a história tenha sido intensa, inebriante, visceral, eu tinha - e tenho - a obrigação de ser mais forte. No entanto, voltei a abrir-te a porta. Voltei a deixar-te entrar, mesmo sabendo o perigo que isso representa. E, céus, estavas mais sensual do que nunca. O brilho calculista no teu olhar mostrava que me tinhas exatamente onde querias: tinhas-me na mão. E não aceitavas qualquer recusa.

- Hoje, não posso ficar muito tempo. O Vasco chega ao aeroporto por volta das seis da manhã e, como tenho que o ir buscar, precisamos de ser rápidos. Mas, como compreenderás, há necessidades que não podem esperar. E, afinal, ainda tens algo que me interessa.

Estas palavras - desafiantes, cortantes - poderiam ter sido o gatilho para eu recuar. Não aconteceu. Quando voltei a mim, depois de os lençóis estarem completamente amarrotados e com o teu cheiro cravado, já tu estavas a abotoar o vestido, deixando-me, em jeito de provocação, o soutien preto de renda, como se fosse uma lembrança permanente de que me manténs preso ao teu desejo. À minha culpa.

- Volto daqui a quinze dias, quando o Vasco regressar a Inglaterra.

Nunca me senti tão sujo emocionalmente. Fechaste a porta e eu pude respirar. Só me queres para noites de sexo. E não te incomoda o facto de estares a trair o teu marido. Mas não te julgo. Em questões de moralidade, acredito, estamos praticamente no mesmo patamar. E, embora não me agrade este traço desonesto, continuo a ser fraco. Questiono-me sempre se não sentes remorsos, se te é natural adormecer sem peso na consciência. Como é que ages com tanta indiferença? Então, percebi que tinhas que estar num lugar muito fundo - e triste - da tua alma.

Voltavas, impreterivelmente, às 3h40. Porque, dizias tu, foi a hora a que te abordei no bar 77, há três anos, na festa de aniversário de um colega de trabalho. E este era o nível da tua perversidade. Porém, mantive-me por perto, mesmo quando juntei as peças e verifiquei que, para ti, nada passava de um jogo. Eventualmente, hei-de conseguir deixar de te abrir a porta. Porque, a continuar neste ritmo, perderei todo o respeito por mim. E eu ainda valho alguma coisa. A minha dignidade está por um fio, mas ainda posso atar os nós.

Tenho quinze dias para definir uma estratégia. Para impedir que as 3h40 sejam um eterno tormento. Está na hora de ganhar coragem para te eliminar de mim, porque és tóxica e não me deixas viver. E eu mereço melhor. Mereço reconquistar a paz que, um dia, te permiti destruir.

Comentários

  1. Respostas
    1. Quando se trata de cuidar de nós, temos mesmo que a recuperar!

      Eliminar
  2. Bom dia:- Um texto bonito e saudável de ler.
    .
    …………… Poema ……………
    ^^^ Quero ter-te minha ^^^
    .
    Que a felicidade resida em seu coração.

    ResponderEliminar
  3. Essa hora de insônias... e sim, já me aconteceu:/ quando finalmente abri os olhos, é que ele me quis, já foi tarde...

    ResponderEliminar
  4. A fotografia é um encanto‼ ADORO portas bonitas como esta‼
    O texto leio mais tarde. Estou com um pé fora de casa 🏠

    ResponderEliminar
  5. Adorei! Não podemos deixar entrar nas nossas vidas, pessoas assim. Um amor sempre meio corrompido.

    Beijinho grande!

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Estas ligações só nos desgastam. Já para não mencionar que impede-nos de avançar.

      Muito obrigada! Beijinhos*

      Eliminar
  6. Bonito e verdadeiro texto:)
    Beijinho linda.

    ResponderEliminar
  7. Oh que texto bonito
    Beijinhos
    Novo post
    Tem post novos todos os dias

    ResponderEliminar
  8. Andreia, adorei ler! Tem assim um toque de "femme fatale". Um texto muito sensual, mas triste e dramático ao mesmo tempo.

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Awww, que bom! Muito, muito obrigada, Joana *-*
      Desta vez, quis fazer algo um pouquinho diferente do habitual, por isso, esse retorno, é mesmo importante

      Eliminar
  9. Há tantas histórias assim, infelizmente. Adorei este "novo" registo :)

    ResponderEliminar

Enviar um comentário