melhor não contar, tatiana salem levy

Fotografia da minha autoria



O passado nem sempre fica onde tem de ficar, porque há acontecimentos que viram a nossa vida do avesso para sempre, mesmo que não nos paralisem. E é nesse limbo que se constrói o livro de Tatiana Salem Levy.


contar ou esconder?

Melhor Não Contar é um relato de autoficção, no qual a autora - e narradora - desta narrativa parte de algo que lhe aconteceu quando ainda era criança. Com essa imagem tão vívida, debate-se com a necessidade de contar a alguém, mas não saber se o deve fazer. Em simultâneo, vai contrastando essa situação com outras mais recentes, como se isso a ajudasse a chegar a uma conclusão mais clara.

Enquanto mulheres, crescemos a aprender que há coisas que são para guardar, para não incomodarmos o mundo com as nossas dúvidas, os nossos problemas, as nossas inquietações. Contudo, aqui, Tatiana Salem Levy quebra todos esses estereótipos, partilhando pormenores íntimos, reflexões, angústias. No fundo, sem abrir o jogo desde o início, vai-nos deixando sugestões e revelando tudo aquilo que precisamos de saber para não permanecermos caladas.

«Primeiro nos dizem para escrever em segredo sobre nós mesmas. Depois, quando decidimos mostrar para os outros o que escrevemos, nossos diários, nossas cartas, nossas narrativas em primeira pessoa não são consideradas literatura, ou são literatura menor. Só que nada fala mais de quem somos, de quem nos tornamos, coletivamente, do que as histórias de nossa vida.»

Transitando pelo seu papel de filha, mãe, amante e mulher, fiquei fascinada com a escrita crua e tão próxima, que nos confronta com traumas, solidão, assédio, luto e segredos que nos transformam por dentro. Senti, neste livro, que estamos a assistir a uma mudança urgente, porque as mulheres escondem-se cada vez menos e existe um esforço coletivo para que o sentimento de culpa mude de lado. Mesmo que o propósito da autora não seja firmar essa bandeira, creio que o seu testemunho é mais um argumento favorável na nossa luta.

Melhor Não Contar foca-se, também, no poder da escrita, que, caso não cure, pelo menos, apazigua, porque encontramos um lugar onde nos podemos expor sem filtros. É um livro intenso, triste, mas corajoso, sobre feminismo, autonomia, família e a liberdade de ser. Desarmou-me em cada partilha.


notas literárias
  • Gatilhos: Luto, Linguagem Gráfica e Explícita
  • Lido entre: 13 e 16 de fevereiro
  • Formato de leitura: Físico
  • Género: Não ficção
  • Pontos fortes: a facilidade com que transita entre o papel de mãe, filha, mulher e a capacidade de interligar os mais variados tópicos, estabelecendo pontes entre eles
  • Banda sonora: Eu Vou Ficar Aqui, Elza Soares | Gostava Tanto de Você, Tim Maia | Jóia, Caetano Veloso | Locked Away, Keith Richards | Blackbird, The Beatles

Disponibilidade: Wook (Livro | eBook) | Bertrand (Livro | eBook)
Nota: Esta publicação contém links de afiliada da Wook e da Bertrand

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