ATÉ QUE PONTO QUEREMOS A VERDADE NAS REDES SOCIAIS?

Fotografia da minha autoria



«Nem todas as verdades são para todos os ouvidos»


As redes sociais podem ser um falso espelho. Porque há filtros e as partilhas nem sempre correspondem à verdade dos bastidores. No entanto, numa altura em que se clama tanto pela autenticidade daquilo que se publica, questiono-me se as pessoas procuram mesmo essa transparência ou se é apenas mais uma maneira de ficarem bem vistas.

O DESENCADEADOR DESTA REFLEXÃO

Recentemente, Chrissy Teigen, devido a complicações durante o parto, perdeu o filho. No seu Instagram é possível encontrar uma fotografia e um texto nos quais é visível a dor e o sofrimento que se abateu sobre ela - e sobre John Legend. E se, por um lado, houve uma onda enorme de amor e de solidariedade, por outro, também não faltaram críticas intensas a essa vulnerabilidade. Portanto, se a minha perceção sobre aquilo que os utilizadores esperam nas redes já estava em permanente análise, esta situação foi o gatilho que me fez pensar mais a fundo.

No penúltimo sábado, Catarina Gouveia foi a convidada do Alta Definição e abordou, entre outros temas, o drama inerente a um aborto espontâneo, vivenciado na pele. Durante o diálogo, referiu que as pessoas não falam publicamente sobre o assunto. E eu sinto que este é o cerne da questão, até porque, quando o fazem, temem represálias e acusações descabidas - como tantas vezes se verifica. Atendendo a que estão mais fragilizadas, é natural que não se queiram sujeitar a essa exposição, condicionando o apoio transversal que daí poderia surgir.

QUEBRAR ESTIGMAS

Infelizmente, há sempre quem se aproveite das circunstâncias para se elevar ou para se vitimizar, procurando despertar uma dose acrescida de empatia. Contudo, não podemos cair no erro da generalização. Além disso, temos de aprender a normalizar a maneira como as pessoas exteriorizam os seus fantasmas - façam-no em público, sob os holofotes da fama, ou em privado. Por ser algo tão íntimo, há quem não se sinta confortável para abrir essa porta e não há qualquer mal nessa escolha. Por oposição, existe quem sinta necessidade de conversar abertamente e de expor nas suas plataformas, porque também é uma forma de demonstrar que aquela realidade é viável e que pesa e deixa feridas. Deste modo, é possível que alguém esteja a passar pelo menos e, assim, não se sente tão só. Porque as coisas acontecem e não é só na casa ao lado.

Reprimir a situação desencadeia um forte sentimento de culpa. Portanto, se houver uma voz a abordar essas angustias e receios, onde é que reside o problema? Unicamente, na mentalidade dos seres humanos. Não deve ter sido fácil para a Chrissy Teigen expor a sua dor, como não o é para milhares de pessoas que lidam com os seus problemas em silêncio, corroendo-as por dentro. Mas se aquela fotografia levar alguém a desabafar, a procurar ajuda, então, há um processo de desconstrução e de luto que começa a ser trabalhado. E isso só pode levar a um lugar seguro. É essa a beleza e a utilidade das redes sociais, para além do seu caráter de entretenimento, porque encurtam as distâncias e - querendo - criam uma rede de amparo mais consciente.

Usufruir da visibilidade que se tem para desmistificar determinados assuntos é fundamental. Porque há mágoas que nos parecem tão longe, que quase se afiguram impossíveis. Mas existem e viram-nos do avesso.

SER COERENTE

Não podemos apelar num sentido e, depois, sermos tão intransigentes, porque essa incoerência enfraquece o propósito. Além do mais, é urgente entender que as plataformas digitais não deveriam ser um medidor de felicidade ou de desgosto, mas, antes, um palco de lazer ou de informação, ou de um equilíbrio sólido entre as duas vertentes. 

Se querem partilhas reais, não minimizem quem publica conteúdos mais pessoais, que envolvam saúde mental, amor próprio, racismo, aborto, perdas e tantas outras gavetas. Nem partam do pressuposto que andamos todos à «caça do like». E aceitem que, se alguém não quer seguir esse caminho, não tem de ser por querer transmitir a ideia de que tem uma vida perfeita. A maior parte dos utilizadores não corrompe a sua autenticidade, simplesmente opta por restringir o que partilha. Porque, tal como acontece offline, não procuramos que todos saibam cada detalhe da nossa jornada. Isso fica para um grupo mais restrito.

SER REAL

Queremos a verdade nas redes sociais ou apenas a ilusão dessa verdade? Queremos partilhas honestas ou essa autenticidade só é válida se não interferir com a nossa bolha? Cuidado com aquilo que desejam, porque ainda correm o risco de entender que há mais mundo para além do umbigo de cada um e que não há problema em termos abordagens diferenciadas.

Se sentirmos que a nossa experiência pode ajudar os demais, usufruamos das plataformas que temos à disposição para chegar até eles. Independentemente de serem muitos ou poucos. Porque a mudança de paradigma pode ser feita um passo de cada vez. Portanto, que haja mais amor. Mais aceitação. E mais tolerância. No digital. E na vida. 

Comentários

  1. Excelente post! Custou-me muito ver o sofrimento do casal ate porque eu estava a acompanhar a gravidez e a torcer por eles <3 E entendo perfeitamente que eles agora estejam a fazer o luto fora das redes sociais... espero que estejam bem entro dos possiveis, sao um casal forte e unido e isso vai ajudar bastante.
    Eu procuro sempre a verdade e fujo ao maximo de tudo o que fuja dela. Vem de encontro ao livro que acabei de "ouvir" This is Me da Mrs Hinch, uma "influencer" das limpezas britanica com quem eu me identifico bastante, tambem ela sofreu bastante nas "maos" das redes sociais. Apesar dela ser influencer é uma pessoa muito terra a terra que faz por passar mensagens boas do seu mundo real para o mundo digital. Estou a preparar um post review do livro onde dou mais pormenores :)
    Obrigada por mais um excelente post*

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    1. Confesso que não estava a par da gravidez, mas fiquei a saber do sucedido através do Twitter e até me vieram as lágrimas aos olhos. Achei mesmo importante a partilha dela, porque alerta para uma realidade que não é distante, que não acontece só aos outros. Mas entendo que, agora, façam um luto mais resguardado.
      Filtrares o conteúdo que partilhas não implica que estejas a ser mais ou menos honesta, simplesmente, é uma opção tão válida como outra qualquer. As pessoas é que têm de estar conscientes da verdade que as move.
      As redes sociais podem ser um palco ótimo, desde que o usemos com consciência.
      Vou aguardar a tua review :)

      Muito obrigada, minha querida!

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  2. Esta tua reflexão fez-me recordar uma notícia que vi no início do ano sobre uma influencer que fingiu que passava férias em Bali com fotos todas tiradas numa loja Ikea. Nada do que se via nas fotos era real. Ela acabou por explicar tudo num vídeo no youtube. Acho que foi um alerta interessante para esta questão que abordas aqui.

    https://sol.sapo.pt/artigo/686995/influencer-fingiu-ferias-em-bali-com-fotos-tiradas-no-ikea

    Parabéns por esta publicação tão importante.

    Beijinho grande!

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    1. Tenho uma vaga ideia dessa notícia! E acho que é um exemplo do quanto nos podemos deslumbrar com o que vemos nas redes sociais, sobretudo, se não existir uma base honesta na partilha.
      Mas isso já parte para o outro extremo do que pretendia abordar. Porque, nesta publicação, queria mesmo centrar-me que não podemos exigir essa verdade nas redes se depois as pessoas expõe a sua vulnerabilidade e as acusamos de só quererem visualizações

      Muito obrigada, minha querida!

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  3. Sou real, mas não me exponho demasiado. Já o fiz, mas aprendi a reservar-me para meu proóprio bem! Beijinho

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    1. Há coisas que também acho que devem ficar para nós. Mas cada um gere as suas redes como acha melhor. E, foi como referi na publicação, se acham que a sua experiência pode ajudar, então, é uma atitude louvável

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  4. Nem sempre tudo que se acompanham de algumas pessoas dá para preceber que nem tudo é um mar de rosas, mas vale ser nós próprios
    Beijinhos
    Novo post
    Tem post novos todos os dias

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  5. Este é um tema que abordo várias vezes no meu blog. Concordo com a reflexão. Como dizes, podemos filtrar o que colocamos nas redes sociais e à mínima coisa temos o dedo inquisidor dos utilizadores. Sobre a questão concreta da catarina gouveia, acho que há temas que não devem ser partilhados. Não pelas represálias, mas por respeito ao tema per si. Isto é, o que acrescentaria vir para as redes sociais dizer que sofreu um aborto espontâneo? Nada, rigorosamente nada.

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    1. Filtrar o que partilhamos não implica menos verdade da nossa parte. Significa, isso sim, que há coisas que queremos manter só para nós.
      Eu acho que pode acrescentar muita coisa. Porque não é o dizer em si, é o falar sobre o assunto, o explicar que são realidades possíveis e que é natural sentirmos culpa, angustias e receios; e que não se é menos mulher porque se sofreu um aborto. Agora, como não se conversa sobre estas questões, porque são temas delicados, há pensamentos que se vão alimentando do nosso sofrimento.

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  6. Nada posso dizer sobre AS REDES SOCIAIS.
    Tenho dois blogues e meia dúzia de amigos virtuais.
    É tudo!!

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  7. Na minha maneira de ver. Penso que há certos assuntos pessoais que não deviam circular nas redes sociais. Mais ainda quando sejam apenas e só para dar nas vistas. Mas, cada um é que sabe o que deve ou não escrever, para outros lerem e comentarem se quiserem.

    Tenha uma boa noite Andreia.

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    1. Vai depender sempre do propósito de cada pessoas. Mas, se as intenções forem boas, podem-se estabelecer pontes de apoio muito bonitas

      Igualmente, Edumanes

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  8. A tua reflexão é muito pertinente. As redes sociais têm muito de bom mas também trazem muitos dissabores.....há muito mentira, muita especulação, muito insulto gratuito....

    Isabel Sá  
    Brilhos da Moda

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    1. Infelizmente, há muita intransigência. E há quem se esconda atrás de um computador para dizer tudo aquilo que lhe apetece, alegando que temos liberdade de expressão. No entanto, essa liberdade não inclui faltas de respeito.
      Temos de ser verdadeiros e justos na forma como utilizamos as redes sociais - e não só, claro

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  9. não podemos cair no erro da generalização, afinal as generalizações são burras, mas as vidas nas redes sociais são editadas, filtradas, ou seja, tanto as verdades quanto as mentiras não costumam ser inteiras, e muitas vezes as redes sociais servem mais para a nutrição da flor do próprio umbigo. para além disso, cito um poeminha de minha própria autoria:

    somos mais
    do que o que dizemos
    ou ainda podemos
    ser menos
    - dizer é também
    ficar restrito,
    como olhar para trás
    da órbita
    e enxergar
    apenas um detrito
    do Universo inteiro
    que por dentro temos.

    *

    quanto a mim, prefiro não fazer parte do Instagram, Facebook, Twitter, etc. e manter (não sei até quando) apenas meu blog, participar apenas do Universo da blogosfera, que já está de muito bom tamanho para o que me interessa de fato! um beijo.

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    1. As redes podem ser um bom ponto de comunicação, informação e/ou lazer, desde que saibamos utilizá-las em consciência e mantendo a verdade. E isso não significa que devemos partilhar tudo o que nos aconteça - a não ser que consideremos que a nossa experiência pode ajudar outras pessoas.
      Precisamos de saber qual é o nosso propósito. E, depois, aprender a filtrar aquilo que acompanhamos.

      Percebo perfeitamente :)

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    2. as redes sociais podem ser muito úteis quando há boas intenções, mas também podem ser muito úteis para pessoas que não são bem-intencionadas (e más intenções muitas vezes geram consequências que se propagam com muito mais facilidade através dos mares da internet, certo?), um exemplo: não sei o que acontece em Portugal, neste aspecto, mas aqui no Brasil as pessoas utilizam muito o WhatsApp, e nas últimas eleições presidenciais houve muitas mentiras compartilhadas através dessa rede social, então é preciso mesmo aprender a filtrar o que acompanhamos!

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    3. Sim, claro, concordo totalmente, por isso é que é mesmo importante aprendermos a filtrar quem seguimos e o tipo de conteúdo que queremos ver. Porque mantermo-nos informados é a nossa melhor arma

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  10. As redes socias são um dos grandes temas da atualidade porque lá está, têm tanto de incrível como de assustador.
    Não poderia não concordar com esta tua reflexão, porque, sim é bom que algumas coisas sejam guardadas para nós e para os nossos, mas ainda bem que há quem fale abertamente de certos assuntos, de assuntos reais, que acontecem a todos. As pessoas julgam sempre, principalmente os famosos quando são sinceros e falam sobre algo que os magoa, que os faz sofrer e isso é tão triste de se ver, caramba, eles também são humanos!
    Há temas que precisam de ser falados, que precisam de deixar de ser tabu e ainda bem que há quem vá nesse sentido!

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    1. «eles também são humanos!», tão isto. Confesso que me faz imensa confusão que tratem as figuras públicas como se fossem um alvo. Da mesma maneira como não as devemos elevar a Deuses, também não devemos crucificá-las à minima falha.
      Acho mesmo importante que usem a sua visibilidade para desconstruir esses temas que ainda não tabu e tenho pena que muitas pessoas só saibam apontar o dedo

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