GIRA-DISCOS // O TEMPO VAI ESPERAR

Fotografia da minha autoria

«Trago no meu peito coisas tão bonitas»

Os sonhos não se apressam, mas têm pressa de chegar a algum lugar. Só que, quando o tempo nos muda a direção, há um traço de imprevisibilidade latente, que ou nos demove ou nos faz olhar para as circunstâncias com outro compromisso. Nem sempre o destino depende, em exclusivo, da nossa vontade e a pandemia colocou uma bandeira nisso mesmo. Mas se, do outro lado da margem, encontramos artistas como Os Quatro e Meia, então, os ponteiros podem rodar as vezes que quiserem, porque eles regressam sempre na hora certa, voando até onde pertencem.

O Tempo Vai Esperar tinha lançamento previsto para abril. Contudo, teve de permanecer na gaveta durante mais uns meses. E a minha curiosidade foi aumentando, até porque estava bastante expectante para escutar o sucessor de Pontos nos Is. Como ser paciente é uma virtude, aguardei serena e a verdade é que, no final, compensou. Naturalmente, não esperava outro desfecho, porque esta banda tão carismática transborda talento, mas é sempre surpreendente verificar a sua capacidade de ultrapassar todas as expectativas, o que dificulta o processo de encontrar as palavras indicadas para fazer justiça ao disco que, hoje, tenho a tocar cá em casa - e cujo exemplar embeleza a estante de música portuguesa. O primeiro CD atenuou as saudades. E, agora, poderei perder-me nesta porta que abriram com imensa mestria.

Este segundo álbum evidencia o amadurecimento do grupo e a exploração de novas sonoridades, recorrendo à introdução de instrumentos que não faziam parte da sua bagagem musical. Em simultâneo, nota-se uma certa heterogeneidade do estilo que articula a história de cada canção, porque partiram das influências que os inspiram e alargaram horizontes. Deste modo, deram forma a algo em que acreditam: a música não tem barreiras. Além disso, procuraram não se limitar a um único registo, estabelecendo, assim, um diálogo harmonioso entre a música popular portuguesa e outros géneros, como o pop, do qual se vão aproximando. Neste percurso sonoro com tantas camadas, é maravilhoso perceber que tudo combina na perfeição. Porque a sensibilidade que os caracteriza é o elemento que equilibra a identidade e a necessidade de quebrar fronteiras, correspondendo à verdade que sustenta a sua arte.

Num plano em que tudo é pensado ao detalhe, o nome deste trabalho demonstra a relação que têm com o tempo - ou com a falta dele -, gerindo-o da melhor maneira possível, uma vez que têm de articular duas profissões. Já a capa, por seu lado, com um design lindíssimo, reflete a fragilidade e a inocência que marcam a nossa caminhada. Da infância à velhice, há um mundo a girar nas nossas mãos. E todos nós, em algum momento, pedimos só mais um instante, porque a vida é demasiado preciosa, mesmo quando nos vira do avesso. Procurando alcançar o nosso topo da montanha, as 11 faixas que compõe este álbum fazem-nos embarcar numa viagem introspetiva. Plural. E apaixonante.

O Tempo Vai Esperar conta com a produção de João Só e as participações de Carlão e Tatanka. Com um dialeto singular, que explora diversas emoções, ensina-nos a cuidar do tempo, para que não nos fuja. Priorizando uma linha melódica que nos aconchega, as palavras são feitas de amor. E sossegam-nos, porque a essência d' Os Quatro e Meia permanece inabalável, transmitindo-nos a sensação de estarmos em casa.

Já tinham ouvido? O que acharam?