Assobio de Cristal

Fotografia da minha autoria

«Ouvi o assobio do vento e encontrei o silêncio que eu tanto precisava»

Um assobio. Sempre o mesmo assobio no parapeito exterior, a anunciar um toque de primavera. De leveza. De paz. E eu ficava imóvel, dentro de casa, a contemplar o teu retrato de olhar vazio e sorriso aberto. Essa expressão particular, de quem é tão antagónico no interior da alma, desconcerta-me desde o primeiro encontro.

O teu corpo envolve-me e eu quase desperto. Mas é como se o teu espírito vagueasse por mundos longínquos, tão distantes do nosso abraço. Sei que as tuas palavras sussurradas ao meu ouvido vêm embrulhadas em cetim, protegendo a verdade que te corre no peito, porém, há um pequeno traço que te leva para parte incerta. E eu deixo-te ir. Talvez queiras ficar, mas não pertences aqui. E perante a minha fragilidade, uma lágrima cristalina inunda o chão que me ampara.

Desenlaço-me deste nó que me cerca com amor e aproximo-me da janela. O assobio ritmado, fino e brilhante enfraquece, apesar da sua limpidez sólida e persistente. Rodo o fecho que divide os nossos espaços e as asas levantam voo. E numa leve brisa, não sei se te mantens perto ou se partiste em direção ao céu azul, com um sol imenso. Amanhã, por esta hora, voltaremos ao mesmo ritual. Enchendo a rua - e a minha vida - de melodia. E melancolia.