Gira-discos | Khalid

Fotografia da minha autoria

«Llévame donde deje mi corazón»

A música portuguesa é quase uma extensão da minha personalidade, porque me acompanha desde sempre. Além disso, acredito e admiro a nossa língua, os nossos artistas e a qualidade que os caracteriza. No entanto, não sou extremista ao ponto de não me permitir apreciar o que é produzido no estrangeiro. Nem é esse o propósito. E não potencio uma rivalidade perfeitamente desnecessária. Em mim, há espaço suficiente para ambas as vertentes, mesmo que tenha tendência a escutar mais uma do que outra. Atendendo a que a minha curiosidade é transversal a qualquer idioma, vou descobrindo músicos que me arrebatam por completo.

Khalid é um cantor e compositor americano, cujas inspirações musicais começaram com uma grande ligação ao R&B. Em 2015, aventurou-se numa carreira a solo e o seu nome tem conquistado um destaque cada vez maior, consequência natural do seu estilo versátil e do seu talento inegável e surpreendente. Curiosamente, a primeira vez que me cruzei com este jovem artista foi através de uma colaboração com Marshmello, da qual resultou Silence. Este tema tem uma mensagem poderosa e, a meu ver, inquietante e impossível de ignorar. E a voz que a exulta desarmou-me. O timbre de Khalid, para além de lindíssimo, é facilmente identificável e transmite [-me] uma sensação de aconchego tremenda. Sabem quando têm a impressão de que estão a ser abraçados, só por ouvirem determinada pessoa? É o que me acontece quando ligo o Spotify e deixo a sua playlist a tocar. Sinto-me em casa, mesmo quando as suas melodias me fazem viajar por diferentes realidades e experiências.

American Teen foi o seu álbum de estreia e, recentemente, lançou Suncity. Pelo meio, foram surgindo participações em músicas e discos de outros artistas. Seja em nome próprio ou a dividir o estrelato, não há um tema seu [ou no qual participe] que não goste. Porque aprecio, genuinamente, a sensibilidade com que interpreta os seus pontos de vista. E, claro, fascina-me o seu sentido musical tão franco, tão plural. Os alicerces da sua, ainda curta, carreira são sólidos. E, apesar de não o acompanhar desde o momento em que fez a sua primeira aparição, tenho verificado uma enorme evolução. Os seus pensamentos estão mais maduros, bem como a forma como se expressa. E o seu crescimento é notório. Por isso, reforço, tem construído um percurso muito interessante e inspirador, que me faz ter a certeza de que fará sempre parte das minhas escolhas. É maravilhoso perceber o quanto a sua música nos aproxima, até porque, a dada altura, todos passamos pelo mesmo; todos vivemos um processo de desconstrução e valorização pessoal, desgostos, conquistas, paixões. A diferença prende-se, somente, com a gestão individual de cada situação. Porém, nunca estamos sozinhos: os nossos caminhos cruzam-se repetidamente - muitas vezes, sem termos noção dessa particularidade.

Captando a agonia, o êxtase, a pertença, a presença, o amor, a vida, Khalid impressiona e distancia-se da norma. Encontrou a sua essência e tem-na explorado de uma maneira muito inteligente, estabelecendo uma ponte com os ouvintes e marcando uma posição. Nesta viagem introspetiva e, no fundo, de alerta para questões humanitárias, há espaço para versões mais descontraídas e dançáveis, o que prova que nem sempre é a forma como abordamos os assuntos que tem impacto, mas sim a pertinência com que o fazemos. Sendo muito autoconsciente e positivo, isso transparece na sua arte, uma vez que se foca em variadíssimas características e problemáticas. Em consequência, sentimos toda a componente emocional que lhe é inerente.

Khalid tem um mundo dentro dele. Privilegia o amor, que deve vencer, constantemente, o ódio. E é feito de uma honestidade comovente. Orgulha-me que saiba aproveitar a sua exposição e o seu dom para causas tão nobres. Porque a música pode ser um veículo de quebra de preconceitos; pode ser o passo certo para quebrar muros e estreitar laços. E ele fâ-lo com genialidade, generosidade e sem perder identidade. Música é sentimentos. E a sua faz-nos sentir. Tudo. Sem filtros. Com verdade.