Entrelinhas #57
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Fotografia da minha autoria |
«A numerosa família Leonides vive numa estranha mansão nos subúrbios de Londres, sob o olhar protector, e um tanto controlador, do patriarca Aristide Leonides»
A conclusão de uma leitura potencia sempre inúmeras questões, não só sobre a obra em si, mas também sobre qual será a sua sucessora. Quando tenho mais do que um livro do mesmo autor, pergunto-me se é vantajoso continuar com ele ou se é preferível explorar outros, retomando-o mais tarde. Por norma, acabo por seguir a primeira hipótese. E, por essa razão, deixei-me ficar na companhia de Agatha Christie, saindo do Expresso do Oriente [Entrelinhas #56] para entrar numa casa bastante particular e especial.
A Casa Torta é habitada por uma família peculiar, que levanta imensas suspeitas, quer comportamentais, quer discursivas. E tanto consegue fazê-lo de uma maneira espontânea, como intencional. E isso provoca-nos, imediatamente, uma dúvida: em quem podemos confiar? A resposta é desvendada lentamente, sem nunca eliminar a permanente sensação de desconfiança que cresce em nós, uma vez que existem sinais inconclusivos e contraditórios, que nos fazem seguir vários caminhos paralelos. Cada novo dado ocasiona múltiplas ramificações, confundindo a investigação - e o leitor. Além disso, como facilmente se percebe, o clã Leonides beneficiaria com a morte do patriarca, mas, aparentemente, falta o principal: a[s] causa[s].
Nesta história, não temos a presença do famoso detetive Poirot, mas contamos com a ajuda de Charles Hayward, que se envolverá «no quotidiano doméstico» com o intuito de desmascarar o verdadeiro culpado - esperando-lhe um trabalho quase inglório. O contexto que sustenta a narrativa pode não ser dos mais originais, mas fascina-nos logo pela desconstrução e interpretação associadas ao perfil do assassino: vaidoso, atento, gabarola, manipulador e inteligente. Estas características tanto podem ser a sua arma para sair impune, como se podem tornar na sua sentença. Tudo dependerá da gestão do seu jogo. O mais curioso é que as pistas estão todas presentes, mas como somos, de tal modo, encaminhados para seguir determinado raciocínio, perdemos alguma clareza e astúcia para unir as peças. E por mais que suspeitemos de alguém, não temos garantias suficientes de que podemos excluir os restantes intervenientes - já para não mencionar que existem opções altamente improváveis. Mas... será que são?
O círculo de suspeitos encera-se, então, no «universo familiar», mas há uma certa insistência para que se olhe num único sentido. E a leitura torna-se ainda mais interessante pela falta de convicção com que se tenta culpabilizar uma única pessoa. À medida que avançamos, o drama adensa-se, as incoerências entre a família evidenciam-se e compreendemos que, tal como a casa torta, as próprias personalidades sinuosas e complicadas dos Leonildes apresentam certos desvios. Com a dose certa de ressentimento, inveja, ganância e ódio, estaremos, constantemente, no limbo, porque a Rainha do Crime sabe como induzir-nos em erro e levar-nos para becos sem saída.
O caso torna-se mais próximo, fluído e envolvente por ser narrado por Charles, que não deixa de ser um elemento extra - na medida em que [ainda] não pertence à família. E a história tem muito pouco - ou nada - de previsível, não existindo, também, espaço para lugares-comuns. Se há finais desconcertantes, este é, sem qualquer dúvida, um deles. Aliás, acaba por ser um verdadeiro murro no estômago, por ser tão surpreendente e intenso. Os indícios estavam todos à nossa frente, mas era demasiado surreal ponderar aquele desfecho. Isso só nos prova que - nos livros e na vida - nem sempre o improvável é impossível. E que, talvez, não conheçamos a essência daqueles que se cruzam no nosso percurso. Porque o motivo que moveu o assassino tem tanto de infantil, como de monstruoso. E se, por um lado, apresenta-nos uma imagem fria e calculista, por outro, alerta-nos para o impacto da saúde mental - ou, neste caso, para os seus desfasamentos, nem sempre percetíveis.
No fim, senti-me em suspenso e com dificuldade em acreditar no que tinha acabado de ler. Recomposta do choque, claro, fez todo o sentido. E as pontas soltas uniram-se na perfeição. É fácil, portanto, perceber porque é que é um dos livros favoritos da autora - como nos faz saber no prólogo -, pois tem todos os ingredientes de um excelente policial!
Deixo-vos, agora, com algumas citações:
«- Apenas da sua morte... creio, Charles, que ele não morreu... naturalmente, sabes? Acho que pode ter sido... assassinado...» [p:13];
«- Bem, na verdade, não sabemos, pois não? Quero dizer, as pessoas podem surpreender-nos enormemente. Faz-se uma ideia delas, e pode estar completamente errada. Nem sempre... mas por vezes» [p:27];
«Acho que as pessoas muitas vezes matam mais aqueles que amam do que aqueles que odeiam. Possivelmente porque só as pessoas que amamos podem realmente tornar-nos a vida insuportável» [p:94];
«- Não, nem mesmo ela podemos excluir. Ficou em casa hoje com uma dor de cabeça... e esteve sozinha no quarto com essa dor de cabeça. Qualquer um deles: qualquer uma destas pessoas! E não sei qual! Não faço ideia. Se soubesse o que procuravam aqui...» [p:144];
«(...) Anda lá para fora, Charles... - exclamou. - Anda lá para fora. É mais seguro lá fora... Tenho medo de permanecer nesta casa...» [p:181].
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Esse ainda não li!!! Tenho de ler!! Beijinhos
ResponderEliminarExcelente recomendação :)
ResponderEliminarEste tenho mesmo de ler quando o encontrar por aqui ;)
Bjinhosss
https://matildeferreira.co.uk/
Nunca li nada da Agatha Christie, apesar de ser um género de livros que adoro e este espevitou-me a curiosidade. Tenho que mudar isso :)
ResponderEliminarBeijinhos!
Gostei da recomendação. Parabéns, :))
ResponderEliminarHoje: Adormeci num sonho de ternura
Bjos
Votos de uma óptimo Quinta-Feira
Mais um grande título da autora, exímia na descrição de intrincados acontecimentos.
ResponderEliminarAndreia, continuação de boa semana.
Beijo.
Não me lembro deste romance da Agatha Christie com o Charles Hayward. Fiquei muito interessada e vou procurá-lo na tradução alemã.
ResponderEliminarOntem, vi na TV um filme com Hercule Poirot.
Posso dizer que não conhecia, mesmo, mas parece ser bastante bom para conhecer
ResponderEliminarBeijinhos
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Tem post novos todos os dias
É um maravilhoso livro o livro é muito interessante, a história prende o leitor até o fim, Andreia bjs.
ResponderEliminarConheces o filme de 2018?
ResponderEliminarNão conheço o filme, nem o livro, mas fiquei em pulgas para conhecer ambos.
Fiquei cheia de vontade de ler a Casa Torta! Gosto de livros que me deixem com essa vibe!
ResponderEliminarTHE PINK ELEPHANT SHOE
Nunca li esse Andreia! Adorei os elementos de suspense. E deve ser incrível, imagina, um dos preferidos da autora!
ResponderEliminarSó pelo nome já fiquei tentada a ler!
ResponderEliminarBjxxx
Ontem é só Memória | Facebook | Instagram
Fiquei cheia de interesse no livro! Até agora (infelizmente) só li 1 livro da Agatha Christie, mas tenho uma coleção quase completa dos livros dela que é da minha mãe. Por acaso acho que este não tenho, mas vou adicioná-lo à minha lista infindável de livros que tanto quero ler :)
ResponderEliminarBeijinhos
Parabéns pela parceria.
ResponderEliminarExcelente recomendação :D :D
ResponderEliminarAdoro os livros da Agatha Christie , mas por acaso esse ainda não li :D
Beijinho *
https://w-m-mind.blogs.sapo.pt
Não conhecia este livro!
ResponderEliminarEm casa dos meus avós tenho essa casinha da fotografia ahah
Já vem sendo hábito ficar curiosa com as reviews de todos os livros que nos trazes, mas este deixou-me ainda mais. Porque esta mundo de mistério e suspense faz todo o meu género, vou anotar e vou ter de o adquirir o mais rápido possível :)
ResponderEliminarNunca li nada da autora mas fiquei tão curiosa. Tenho que procurar este livro!
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