Entrelinhas #59

Fotografia da minha autoria


«Simão Botelho e Teresa estão perdidamente apaixonados, mas as suas famílias são rivais»



A imposição de uma leitura tem, à partida, todas as condições para provocar um momento pouco aprazível. Em alguns casos, acredito, até pode ser uma autêntica surpresa positiva, mas tudo o que é imposto deixa-me reticente, até porque a nossa predisposição e energia não estão alinhadas naquele sentido. Quando partilhei as sete releituras que pretendo fazer, poderia ter acrescentado um livro em específico, uma vez que a bagagem que partilhamos não era, de todo, a mais feliz.

Amor de Perdição foi trauma à primeira vista. Forçosamente, tive que o ler no 10º ano, para a disciplina de Português. Para além de não ter sido uma escolha minha, foi frustrante terminá-lo, pois não entendi a mensagem, nem consegui relacionar-me com a ação. E, no fundo, não desfrutei de toda a potencialidade da obra, querendo arrumá-la na estante e não mais voltar a falar sobre ela. No entanto, desde o ano passado, tinha vontade de lhe dar outra oportunidade. Cresci, consolidei a minha mentalidade enquanto leitora e o facto de partir de mim a sua seleção deixava-me mais recetiva para compreender os seus contornos. Hoje, posso assegurar que não podia ter tomado melhor decisão. Ainda bem que dei forma a este desejo, porque fiz as pazes com a história e descobri um enredo intenso, inspirador e comovente. 

Há uma conversa direta entre o autor e o leitor, estabelecendo uma espécie de explicação e validação das situações e dos comportamentos das personagens - tão simples e tão complexas. O que acaba por promover uma certa proximidade e identificação com as suas vidas e os seus sentimentos. É, ainda assim, importante não analisarmos a narrativa com a nossa mentalidade de século XXI. É fundamental alargarmos horizontes e termos, desde o início, presente a época - o que, naturalmente, se reflete no tipo de escrita. Porém, não deixa de ser interessante o quanto determinados acontecimentos permanecem atuais - ainda que sejam resolvidos com outra distinção, há problemáticas transversais. Com um discurso fluído, que vicia, as observações de Camilo Castelo Branco têm sentido de humor. Aliadas aos restantes desenvolvimentos, funcionam, igualmente, como crítica à sociedade, à religião, ao ser humano, ao casamento. Inspirado na história do seu tio, criou um contexto ficcional, no qual realidade e imaginação se fundem e se confundem de uma maneira lindíssima e natural.

Esta novela - com claros sinais de romantismo - relembra-nos um clássico bem conhecido, Romeu e Julieta [William Shakespeare], porque também aborda uma relação proibida, com a sua quota parte de tragédia. Temos duas famílias de costas voltadas, menos Simão e Teresa, que se apaixonam. Há, então, uma grande pressão exercida pelos progenitores de ambos para que se afastem e uma resistência vincada do casal, que luta pela sua felicidade, recusando-se à submissão. Enquanto o ódio parece destinado a triunfar - e se sucedem diversos desencontros [físicos e afetivos] -, assistimos a um cruel jogo de paixões. E as casas assumem «um papel importante, por serem a materialização de uma realidade biológica, afetiva, moral e social», por todo o peso da instituição familiar. Mas o amor, que justifica a perdição, vai resistindo. Transformando. E potenciando inúmeros conflitos e momentos de tensão e de loucura. A força da entrega é, de facto, transcendente e entusiasmante, até pela permanente sensação de esperança.

Retomando o elo familiar - tão central no futuro das personagens -, é gritante a falta de amor entre os seus elementos. E isso perturba, atendendo que provoca atitudes incompreensíveis. A honra do nome parece importar mais que as pessoas; parece sempre mais valiosa que o seu bem-estar e a sua paz. A divergência cega, motivada por incidentes passados, transporta-nos para outra questão relevante: os vários tipos de prisão - física, emocional, enquanto estabelecimento -, uma vez que há sempre algo a prender e a separar os protagonistas - literal e figurativamente -, sejam memórias, sejam punições pelos seus atos. Há muito sofrimento, muita opressão, muita angústia e muito dramatismo envolvidos, que culminam numa desgraça - evitável, se as aparências não fossem tão valorizadas e relevantes. Por outro lado, este livro também transporta a luz bonita de um amor genuíno, mesmo que não seja correspondido. O que, no fundo, acaba por criar uma mini-narrativa dentro da história principal.

Com uma linguagem pura, sentimental, sincera, sem grandes divagações filosóficas e uma «derivação concisa do diálogo», os sentimentos estarão sempre à flor da pele, principalmente, no final. Confesso, não controlei as lágrimas. Em parte, o meu coração já pendia para aquele desfecho, mas não deixou de ser triste e desolador. Mesmo assim é uma leitura que faz todo o sentido abraçar!


Deixo-vos, agora, com algumas citações:

«Simão Botelho amava. Aí está uma palavra única, explicando o que parecia absurda reforma aos dezassete anos» [p:78];

«(...) minha filha, se quiser escrever, eu dou-lhe tinteiro, papel, obreias e o meu quarto, se para lá quiser ir escrever. Se tem alguém, que lhe escreva, diga-lhe que mande as cartas em meu nome» [p:121];

«Considero-te perdida, Teresa. O Sol de amanhã pode ser que eu o não veja. Tudo, em volta de mim, tem uma cor de morte. Parece que o frio da minha sepultura me está passando o sangue e os ossos» [p:146];

«Há grandeza neste homem de dezoito anos, senhor Albuquerque» [p:181];

«Mariana curvou-se sobre o cadáver, e beijou-lhe a face. Era o primeiro beijo. Ajoelhou depois ao pé do beliche com as mãos erguidas e não orava nem chorava» [p:225].



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Comentários

  1. Romances, adoro, gosto de ler coisas históricas mas também que puxem pelo verdadeiro sentido da vida, o amor.
    Beijinhos

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  2. Bom dia:- Tudo o que seja imposto, que não seja numa questão de orientação de trabalho, tem tendências natas para acabar mal
    .
    * Amor em Asas Libertas *
    .
    Votos de um dia feliz

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  3. Também tive de ler esta obra para os exames nacionais do 12o ano mas o meu trauma maior foram mesmo Os Maias hehe
    Bjinhosss
    https://matildeferreira.co.uk

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  4. Por acaso não tive de ler essa obra, na realidade não li nenhuma, não que não goste de ler, mas realmente nunca puxaram por mim. Gosto de fazer as coisas porque quero e não porque tem de ser!
    Beijinho, Ana Rita*
    BLOG: https://hannamargherita.blogspot.com/ || INSTAGRAM: https://www.instagram.com/rititipi/ || FACEBOOK: https://www.facebook.com/margheritablog/

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  5. Na minha escola não tivemos que ler esse livro mas havia outros obrigatórios e nunca os consegui apreciar verdadeiramente por nos serem impostos. Um dia tenho que lhes dar uma segunda hipótese!

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  6. Não me lembro bem, mas penso que li...

    Isabel Sá
    Brilhos da Moda

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  7. Pareceu-me necessário e útil trazer Camilo Castelo Branco aqui, uma vez, que ele foi um dos grandes romancistas portugueses.

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  8. Quando comecei a ler o Camilo o Amor de Perdição foi dos livros que me surpreendeu pois esperava muito mais do livro em comparação com outros escritos por este enorme escritor.
    Um abraço.

    Andarilhar
    Dedais de Francisco e Idalisa
    Livros-Autografados

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  9. Sempre fui aquela menina que lê as obras que os colegas não gostavam e, realmente, tenho pena de este tipo de livros, que acabam por ser dados na escola, serem tão "mal vistos" perante os jovens :/
    Beijinhos,
    Blog An Aesthetic Alien | Instagram | Facebook
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  10. Gosto muito de romances e esse livro me deixou bastante curiosa, tem livros que quando lemos não podemos controlar as lágrimas bjs.

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  11. Uma bela foto, uma boa leitura e um belo post, meus parabéns.

    Arthur Claro
    http://www.arthur-claro.blogspot.com

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  12. Que me lembre não foi esse que tive de ler, mas já não me lembro ao certo qual foi dos 2 autores
    mas esse que falas-te não conhecia
    Beijinhos
    Novo post // CantinhoDaSofia /Facebook /Intagram
    Tem post novos todos os dias

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  13. Um clássico de leitura obrigatória...
    Andreia, um bom resto de semana.
    Beijo.

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  14. you have a nice and cool blog, maybe you wanna follow each other, just let me know. thanks :)

    BLOG 
    INSTAGRAM 

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  15. Quando a leitura de livros é imposta pela escola, é sempre difícil gostar! Nunca fui obrigada a ler este, talvez por isso tenha uma curiosidade especial por ele <3

    Blog Catarina Morais // Instagram // Facebook

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  16. Aconteceu-me isso com "Os Maias", só li o livro muito depois de acabar o secundário.

    Gostei bastante do livro.

    Beijinhos! ;)

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  17. Não sou contra aos impostos,
    eu, sou contra é aos ladrões
    que metem as mãos nos bolsos
    dos pobres roubarem tostões?

    De Quinta-feira, tenha uma boa tarde Andreia.

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  18. Amor de Perdição é uma história linda e intemporal! Eu adorei!

    Bjxxx
    Ontem é só Memória | Facebook | Instagram

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  19. Por acaso nunca tive de ler a obra mas parece bastante interessante.
    O diálogo com o leitor acaba por lhe conferir certamente um tom diferente!
    Gostei muito das citações que aqui colocaste :)
    Beijinhos*

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  20. Li esse livro a escola e amei cada página. Já o reli entretanto e tudo...
    Parabéns pela afiliação e muito sucesso :) Beijinhos*

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  21. Tenho este livro em lista de espera há demasiado tempo! Creio que irei antecipar a sua leitura por tua indicação!

    JU VIBES | @itsjuvibes ❤

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  22. Não conheço o livro li outro no décimo no entanto fiquei curiosa com o livro
    https://retromaggie.blogspot.com/

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  23. Acho que os professores têm mesmo uma grande influencia, especialmente os que se preocupam... Agora lembrei-me que também tive de dar este livro, como matéria em português, mas como não estávamos a entrar na coisa a professora trouxe um filme maravilhoso e dramático a preto e branco que nos prendeu a todos e os teste foram só boas notas :-)

    Beijinhos

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  24. Não o li por causa da disciplina de português, mas sim por curiosidade e simplesmente adorei :D

    Beijinhos,
    DEZASSETE

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  25. Eu adoro ler, mas quando me impunham os livros na escola eu sentia-me frustrada ao lê-los. E nessa altura o meu pai deu-me uma cassete VHS para eu ver, quando a coloquei no vídeo fiquei céptica porque era a preto e branco, mas... O filme era o "Amor de Perdição" de 1943, foi a primeira vez que o vi, primeira de muitas, porque me apaixonei pela história mesmo sendo tão triste, tão dramática, eu tinha apenas 16 ou 17 anos.
    Hoje já há o DVD Amor de Perdição, vale a pena ver se ainda não tiveres visto ;)

    Blogue: Deliciosamente quase Cinderela

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  26. Acho que quando nos impingem uma obra e ter de a ler em determinado tempo acaba por nos deixar logo um bocadinho frustrados, afinal já nos "obrigam" a ler x obra e ainda tem de ser num ritmo que secalhar não é o nosso.
    Ainda bem que lhe deste uma oportunidade e que te surpreendeste pela positiva :)

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