Entrelinhas #58
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Fotografia da minha autoria |
«Uma humaníssima visão do mundo»
Valter Hugo Mãe conquistou o meu coração com A Desumanização. Como mencionei no Entrelinhas #2, foi amor à primeira vista. Principalmente, pela temática que explora. Pode parecer controverso, mas retrata a morte com tanta beleza - e simbolismo -, que é impossível não nos comovermos. Aliás, parece-me improvável não existir uma identificação com todo o seu caráter sentimental, até porque aborda a transformação que sofremos quando perdemos alguém próximo e o quanto isso nos muda para sempre. Atendendo que o primeiro contacto foi tão apaixonante, a vontade de me aventurar noutras obras da sua autoria tornou-se, claro, ainda mais evidente.
Homens Imprudentemente Poéticos foi, então, a minha segunda escolha. Abracei-a de corpo e alma e senti o lado esquerdo do meu peito a fragmentar-se, porque a história desconcerta, inquieta e remexe com os nossos valores e com a nossa estabilidade emocional. Inspirada numa experiência pessoal do autor - que visitou um dos locais mais icónicos, junto ao Monte Fuji, e que conheceu o último artesão de leques -, a narrativa transporta-nos para o Japão antigo e para um lugar sinistro: A Floresta dos Suicidas, onde, todos os anos, homens e mulheres entram para meditar acerca do fim da sua vida, levando uma corda que se estenda pelo chão - agarrando-se ao seu rasto caso recuem na sua decisão. Assim, a corda apresenta dois significados: o fim ou o recomeço. Através da sua brilhante fusão entre o lado mitológico e o lado íntimo, entre a realidade e a imaginação, Valter Hugo Mãe baseia-se num local de morte para estabelecer uma alegoria sobre a solidão. E para representar o contraste entre o silêncio da mata cerrada e o ruído sufocante das vozes que se formam na cabeça daqueles que pretendem colocar um ponto final na sua existência.
A dualidade de conceitos, todavia, não se restringe, somente, a este espaço. Estende-se a todo o enredo, uma vez que nos dá conta da luz e da escuridão interior, que coabiam, quase, em simbiose e que se revezam consoante as situações. Também neste livro somos confrontados com o descontrolo da dor, com a morte, com o medo, com a procura do sentido da vida, com uma ligação afetiva profunda e com a desolação inerente à separação e à perda - de vários tipos. E de uma forma intensa, mostra-nos o peso da ausência, o vazio, a superstição e o quanto o suicídio aparenta ser uma solução, mas é, no fundo, um complexo. Neste retrato fiel da sociedade japonesa, as personagens são acareadas com a sua humanidade, tendo que enfrentar os seus fantasmas. Um tópico que também sobressai é a cegueira: por condição natural [de nascença ou por infortúnio], por imposição ou por amor. Através de uma escrita inesperada, absorvemos, com elegância e ponderação, as características do ambiente retratado.
A flexibilidade da língua, que adquire novas cadências, e o lirismo das palavras, proporcionam descrições extremamente visuais, criando a ilusão de sermos parte integrante das cenas. Esta obra tem sentimentos poderosos; tem um lado humano cru, genuíno e surpreendente, porque acompanhamos a viagem, maioritariamente, introspetiva dos intervenientes, quer na inimizade, quer na miséria [monetária e de espírito]; quer na devoção, quer na desonestidade; quer na privação, quer na sentença. E compreendemos que, a partir de certo momento, inicia-se a procura pela redenção, pelo perdão, pois o interior está corrompido, escuro, muito por culpa das sucessivas mudanças e pela incapacidade de fazer prevalecer o bem. No entanto, quando os dias se cobrem de angústia e a nossa firmeza parece não existir, tudo é uma tentação. E as escolhas, nem sempre corretas, fundamentam-se nessa mágoa que se alimenta da pouca sorte, da mente fraca e da obstinação de tentar provocar que se é quem mais tem, mais faz, mais ama.
O cenário trágico, narrado com um ritmo poético, não deixa, ainda assim, de revelar «os modos incondicionais do amor». Em igual medida, há uma alusão «às forças sobrenaturais, às lendas, à luz, às penitências, às epifanias»; e apela às pequenas coisas - simples e delicadas - e à valorização da natureza. Em Homens Imprudentemente Poéticos, experimentamos diversos estados de consciência e assistimos a algumas metamorfoses - por vezes, subtis. Cada frase esconde sempre mais do que aquilo que revela, criando micro-cenários. Com um desfasamento cultural curioso, esta história ensina-nos a ser para além das nossas limitações, porque não podemos permitir que nos restrinjam. E, pior, que alterem a nossa essência.
Deixo-vos, agora, com algumas citações:
«Uns dias mais tarde, ainda incapaz de se dirigir às flores, o oleiro pendurou o quimono da mulher no espantalho do seu quinta. Espaventava ali a imitar-lhe a companhia» [p:28];
«A menina pensava: a mãe perto. A senhora Kame era a mãe perto. De distante tinha só o segredo. O seu afecto era uma das mais gratas presenças da vida» [p:39];
«Aos aldeões, o oleiro declarou: quero mostrar o amor, lamento que só vejam a morte» [p:95];
«Imóvel, Itaro via partindo. Ver era um modo de ir embora ou de olhar para sempre» [p:141];
«Num abraço, pensava, as pessoas deixavam de se poder ver. Como se, num abraço, fosse indiferente quem estava mas importasse apenas a convicção com que era dado» [p:163].
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Parabéns, que bela conquista, e fiquei super contente com essa dica!
ResponderEliminarUm optimo livros de bolso.
Beijinhos
Que pena, meu bem!!! Receber-te-ia de braços abertos :( Festas de verão são a melhor cena de sempre!
ResponderEliminarObrigado, love!
Por acaso tenho alguma curiosidade, como creio já te ter dito, em conhecer melhor as obras de Valter Hugo Mãe. Embora não faça o meu género literário, creio que vale a pena ler pelo simbolismo e pela temática um pouco mais "pesada"!!
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Esse livro chamou-me à atenção desde a primeira vez que o vi. Ainda não o comprei. Ainda não o li.
ResponderEliminarAgora ando a estrear-me com Vergílio Ferreira. Temas como vida, morte, arte e cultura abordados por ele. Estou a degustá-lo muito lentamente, simultaneamente com outros livros, mas de coração!
Fiquei muito curiosa com o livro. Já li bastante acerca da "Floresta dos Suicidas" e adoro toda essa simbologia que existe por trás da história.
ResponderEliminarBeijinhos
Blog: Life of Cherry
Hello,
ResponderEliminarSo amazing !
Sarah, http://www.sarahmodeee.fr/
Thanks :)
EliminarGreat post...
ResponderEliminarHave a nice day.
Thank you soo much :)
EliminarAcho que esse não conhecia mesmo, ou nunca tinha ouvido falar
ResponderEliminarBeijinhos
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Tem post novos todos os dias
Li a "Desumanização" e não gostei muito. Mas fiquei curiosa com este que trouxeste ao "Entrelinhas".
ResponderEliminarVou ter que repensar numa segunda oportunidade.
Beijinhos!
Como tu já reparaste, Andreia, o tema morte, ou, mais precisamente, a separação da pessoa amada é um tema que me interessa, por isso, fiquei com curiosidade sobre o livro deste autor português, cuja obra não conheço.
ResponderEliminarOs familiares portuenses que estão aqui de visita, trouxeram-me quatro livros e vinte DVDS, só que eu não tenho lugar para presentes. Um dos livros é da Agatha Christie.
Já li alguns livros deste autor que gosto bastante tanto da sua escrita como das suas intervenções publicas.
ResponderEliminarUm abraço.
Andarilhar
Dedais de Francisco e Idalisa
O prazer dos livros
Não é um escritor que aprecie muito :)
ResponderEliminarnão conhecia :)
ResponderEliminarxo, Ana Rita Leite
WHITEDAISY
Nunca o li... um crime eu sei!!!
ResponderEliminarÉ um bom escritor.
ResponderEliminarAndreia, bom resto de semana.
Beijo.
Nunca li nada do autor, mas quero mudar isso (:
ResponderEliminarhttp://arrblogs.blogspot.com
Parabéns pela publicação. Adorei :))
ResponderEliminarBjos
Votos de um óptimo final de tarde.
Nunca li, mas vou tomar nota.
ResponderEliminarIsabel Sá
Brilhos da Moda
Ainda vim a tempo ;) o dia de hoje foi sempre a andar... parei agora e vai-me saber tão bem este descanso :)
ResponderEliminarExcelente review desta obra do autor preferido do meu marido, já sei o que lhe vou oferecer ;)
Bjinhosss
https://matildeferreira.co.uk
o título do livro é incrível :p "quero mostrar o amor, lamento que só vejam a morte" esta frase diz tanta coisa!!!! :/
ResponderEliminarr: MESMO!!! quem teve a ideia de fazer batatas camponesas merece férias pagas e eternas!
Olá
ResponderEliminarIsso era tudo sobre aquilo que não quero ler. Nesta fase não posso ler sobre a morte mas sim sobre a vida.
Não quero questões filosóficas nem debater me com elas. Quero imaginar que ainda tenho muito para viver e quero ler sobre isso. Batalhas ganhas.
Beijinhos
marisasclosetblog.com
Nunca li nada dele, mas deixaste-me curiosa, parece mesmo interessante. Uma história que nos fará debater certas questões :)
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