O nosso amor é como o vento #12

Fotografia da minha autoria


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Estava a ficar assustada. O que será que ele me tinha escondido? Terá sido algo assim tão grave, ao ponto de, no final, ter vontade de cortar ligações? Por mais que tentasse, não era capaz de unir as pontas soltas que me assaltavam o pensamento. E tinha medo do que me esperava. Além disso, não estava assim tão segura do meu auto controlo. Mas prometi ouvir sem interrupções. E se há algo que priorizo é o cumprimento da minha palavra.

- Quando, no hospital, disse que não vos conhecia, menti. Quer dizer, nós os dois nunca nos tínhamos cruzado antes, mas omiti a minha proximidade ao Gonçalo. Aliás, foi ele o meu grande pilar quando a Matilde faleceu. Observando a tua expressão, compreendo o esforço que estás a fazer para não colocares qualquer pergunta. Porém, sim, o nome Matilde deve ser-te familiar. Muito provavelmente, o Gonçalo falou-te de nós. E deve ter-te contado a história de um amigo que já não via há anos e que reapareceu na sua vida, pedindo-lhe ajuda, porque a sua noiva estava gravemente doente e ele não tinha como pagar os tratamentos, pois foi um fraco. E, para além de não lhe chegar o vício do álcool, ainda teve que se viciar no jogo. É, igualmente, provável que até te tenha dito o meu nome, mas não associaste.

- Espera, eu lembro-me disso! Tu és esse Lourenço? Não pode ser... - disse-lhe, incrédula -. Desculpa, não devia ter-te interrompido. Por favor, continua.

- Não há problema. Sim, sou eu. Quando bati à porta de casa do Gonçalo, estava desfeito. Tinha acabado de perder o emprego e de descobrir que a pessoa que mais amava tinha pouco tempo de vida, por causa do filho da puta de um cancro maligno, detetado bastante tarde, que já se tinha alastrado por grande parte do corpo. Foi tudo demasiado rápido. Não aguentei a pressão e refugiei-me na bebida e no casino, como se aquele ambiente fosse a solução. No fundo, tentei adormecer a dor insuportável que era reconhecer que não podia mudar o futuro da Matilde e que a iria perder.

Lágrimas começaram a rolar-lhe pelo rosto. Tive vontade de me levantar e abraçá-lo, mas permaneci no meu lugar, para não o perturbar ainda mais.

- Em vez de lhe proporcionar alguma paz, só lhe causei mais transtornos. E assim que isso se tornou claro, resolvi procurar ajuda. Ainda hoje não sei como tive coragem para ir ter com o Gonçalo. Foi a minha primeira opção, mas não me parecia correto, sobretudo, pelo longo período de ausência que provoquei entre nós, mas ele abriu-me a porta e acolheu-me sem hesitar. Sempre foi um amigo incansável e um ser humano ainda melhor. Sei que toda a sua dedicação seria em vão se eu não tivesse vontade de mudar, mas foi ele que fez com que largasse todos os meus vícios, ficasse limpo e recuperasse o emprego. Como se isso não bastasse, esteve ao lado da Matilde quando eu não podia. E em nenhum momento me cobrou todos os favores que me fez. Certo dia, confidenciou-me o quanto poderias ser uma aliada em todo este processo, mas só te conheci através de fotografias. Não o questionei sobre isso, mas tenho ideia que nunca nos apresentou porque tinha medo que eu sentisse que estava a perder um amor como aquele que vocês tinham e que isso me levasse a uma recaída. Vocês eram muito parecidas - fisicamente e em feitio. E ver-te só me relembraria tudo o que iria perder com a sua morte. Depois do funeral, o Gonçalo passou a encontrar-se comigo todos os dias, atenuando o meu sofrimento. Quando, finalmente, comecei a recuperar, contou-me que estava doente. Nessa altura, senti o mundo a desabar pela segunda vez. Senti-me fraco e impotente. Revoltei-me com o destino, porque foi um golpe duro. Não estava preparado para lidar com esta reviravolta, mas ele fez-me perceber que teria que ser forte. E aguentar. Por todos.

- Ele teve sempre o dom de realçar o nosso melhor - suspirei, sem dar conta que tinha emprestado a minha voz aos pensamentos.

- Sim, tens razão. E foi por isso que lhe prometi que, desta vez, seria diferente. Não iria falhar-lhe e, mesmo à distância, arranjaria maneira de cuidar de ti, como ele cuidou da Matilde. Estabelecemos um pacto: eu só podia aparecer no hospital quando tu não estivesses. Porque eu não tive a coragem que tu tiveste e ele não queria que eu me sentisse um fraco - não havia necessidade de alastrar a ferida. Assim, aproveitava os momentos em que tinhas que ir ao jornal ou à faculdade, e consegui uma credencial que me permitia visitá-lo fora do horário estabelecido. Não sei como, mas acho que ele percebeu que a despedida estaria para breve. Por isso, pediu-me que o ajudasse a escrever uma carta, que só deveria entregar-te após a sua morte. Foi uma casualidade ter chegado ao hospital naquele momento fatídico, pois só tinha passado por lá para que ele visse o manuscrito pronto. Mas quando te vi fora do quarto a chorar, senti que não podia continuar a esconder-me.

- Onde está a carta? - perguntei-lhe, inquieta, como se tudo o resto fosse insignificante.

- Está aqui - estendeu-me o envelope, que ainda tinha o aroma do teu perfume.

- Não sei se tens alguma coisa para me perguntar...

- Porquê agora? Porque é que nunca me disseste quem eras?

- Quis fazê-lo mais cedo, acredita, mas prometi ao Gonçalo que só a entregaria quando a dor fosse mais tolerável. Desculpa se te deixei desconfortável. Nunca foi essa a minha intenção, apenas queria saber-te bem, dentro dos possíveis. Sei que tinhas o direito de ler esta carta o quanto antes, mas receei que, caso não esperasse, te agarrasses demasiado às suas palavras, que te esquecesses que a vida continua e que seguisses por caminhos por onde já andei.

- Desculpa, tenho que ir embora - e levantei-me.

Bruscamente, virei costas ao Lourenço e corri até ao carro. Quase a chorar, abri a porta e entrei. Durante uns segundos, deixei-me ficar imóvel e, depois, desabei. Foi tudo tão rápido, tão imprevisível, tão confuso. Precisava de sair dali, de ir para um sítio tranquilo. Precisava de ler a tua carta. E conduzi para o único lugar onde sabia que isso era possível.

Comentários

  1. Uauuu que reviravolta!!! Ansiosa para ler a carta também !!!!

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  2. Estou a gostar fico à espera dos próximos capítulos.
    Um abraço e continuação de boa semana.

    Andarilhar
    Dedais de Francisco e Idalisa
    Livros-Autografados

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  3. Só me ocorre dizer-te uma coisa, publica esta história em livro, por favor.

    Estou a adorar imenso, principalmente, a forma como abordas a temática do cancro. De uma forma leve, forte; mas sem grandes dramas e gostei ainda mais desta reviravolta. Ansiosa pela próxima semana para saber o conteúdo da carta.

    Um beijinho grande :*

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  4. Maravilhoso capitulo. Adorei...Siga em frente:))

    Hoje; Melancolia anunciada.

    Bjos
    Votos de uma óptima Quarta-Feira

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  5. Aguardo o teor da carta, embora, saiba de antemão as intenções do Gonçalo.

    A fotografia é absolutamente linda.

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  6. Incrível como são as reviravoltas da vida... este capitulo foi de cortar a respiração... ai se fosse um livro eu já estaria a ler a carta:)
    Gostei da escolha do meu nome hehe ;)
    Bjinhosss

    https://matildeferreira.co.uk/

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  7. Adorei princesa :D
    Fico a espera da continuação :D
    Beijinho *



    https://w-m-mind.blogs.sapo.pt/

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  8. UAU, você sempre supera viu?!

    http://dosedeestrela.blogspot.com

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  9. To vendo que vai virar um livro heim!!!! Arrasandooo

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  10. Uohhhh... Que história! Estou a gostar tanto 😍
    Efectivamente esta é uma história para um daqueles livros que amamos ler!
    Em pulgas para ler mais um capítulo...

    Beijinhos
    Sandra C.
    bluestrass.blogspot.com

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  11. Olá, a sua criatividade cativa pelo interesse que desperta neste capitulo e no seguinte certamente.
    Continuação de feliz semana,
    AG

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  12. r: ele é bastante complicado, infelizmente,

    Nunca pares de escrever , por favor :)

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  13. R: eu por acaso escrevi o post na brincadeira eheheheh mas olha nunca se sabe!

    Beijinhos,
    O meu reino da noite
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  14. Gente, que reviravolta! Não esperava mesmo ~ e agora estou doida para ler a carta!

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  15. uau maravilhoso! já estou esperando a continuação...

    www.tofucolorido.com.br
    www.facebook.com/blogtofucolorido

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  16. Ui! Tenho andado distraída! Não conhecia esta história! Mas já voltei atrás para acompanhar (depois de ter lido esta publicação xD spoiler alert!). Muitos parabéns, estou a adorar!

    R. Por favor, mal possas aventura-te em João Tordo! Eu adoro-o! Claro que isso não quer dizer nada, mas muitas pessoas que conheço já se aventuraram e gostaram :)

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  17. mas que volta que a história teve :)curiosa com essa carta
    http://retromaggie.blogspot.com/

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  18. Andreia a história está ficando cada vez mais emocionante, já fiquei curiosa, bjs.

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  19. May be i missed something, but it seems very interesting. it make me eager to read previous story.
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  20. Obrigado, meu bem :D
    Eu também não suporto fazer exercício em espaço fechado e já começo a panicar em relação a isso ahah

    Ai Meu Deus :o Por esta não esperava eu!
    Que grande reviravolta!
    Quero muito saber o conteúdo da carta :D

    NEW GET THE LOOK POST | THE SNEAKER POWER :o
    InstagramFacebook Official PageMiguel Gouveia / Blog Pieces Of Me :D

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  21. És uma excelente escritora, sem dúvida!
    Ansiosa por saber o que diz na carta!
    Beijinho

    Blogue: Deliciosamente quase Cinderela

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  22. Não esperava este segredo e agora gostava de conhecer melhor a amizade entre os dois rapazes. Estou muito curiosa com a carta.

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  23. Não esperava isto, confesso, mas adorei e, mais uma vez, terminas em grande. Ansiosa por saber tudo o que diz na carta- Que incrível!

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  24. Wow, nunca esperei uma reviravolta destas 😨 se isto fosse um livro físico já o teria devorado há imenso tempo 😂

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