Entrelinhas #60

Fotografia da minha autoria

«Paris, cidade das luzes e do amor. Lengfeld, um município campestre alemão. Paros, uma bela ilha grega. Barletta, uma cidade italiana à beira-mar»

A blogosfera, ainda que à distância, permite-me conhecer e estabelecer ligações com pessoas maravilhosas: quer pelo coração forrado a luz boa, quer pelo talento inspirador. Naturalmente, há laços que se estreitam com maior firmeza do que outros, por ser partilhada uma certa identificação - pela maneira de ser, pela abertura em relação a determinados assuntos e pelos gostos. E isso acontece-me, frequentemente, com a Cláudia S. Reis [Marés]. Os nossos caminhos cruzaram-se há vários anos, quando eu ainda não era feita de Gavetas e ela não seguia o ritmo das Marés. Ou, melhor, quando as nossas identidades eram outras. E não há um dia que não me renda à sua escrita.

Sintonia é o seu primeiro livro e já há bastante tempo que o queria ler. Por si, por sentir que tem o dom da palavra e pela sinopse que me pareceu encantadora. Por isso, foi com um enorme aconchego no coração que me surpreendeu, no início de Maio, ao enviar-mo, acompanhado de uma belíssima dedicatória. E sem ter sido intencional, conseguiu que chegasse num dia repleto de emoções fortes e muita nostalgia; daqueles dias em que, mesmo felizes, precisamos de algo que nos abrace com força, porque o nosso lado esquerdo do peito palpita com mais intensidade. Há coincidências tão, inexplicavelmente, agradáveis, que nos invade uma sensação de que tudo conspirou a favor. E sou muito grata por partilhá-lhas com alguém tão especial, que faço questão de manter perto.

Quando me sentei a desfrutar da narrativa, foi uma lufada de ar fresco. Tem tanto da Cláudia, que é impossível não nos sentirmos próximos. A obra não é autobiográfica, mas é prazeroso reconhecer estes detalhes mais pessoais, que acabam por fundamentar algumas decisões. Com um ritmo fluído e com pitadas de humor, dei por mim a renovar a certeza de que as palavras têm um poder enorme no nosso caminho e no nosso crescimento. Além disso, fiquei com vontade de partir, conhecer o mundo e mergulhar numa viagem introspetiva, tal como a personagem principal. E é quando Jolene Gail decide embarcar nesta aventura - por motivos profissionais e, simultaneamente, para se libertar de fantasmas passados - que compreende que o destino está cheio de reviravoltas. E que essa mudança no curso dos acontecimentos pode ser o melhor desfecho. Podemos perder muito ao arriscar. Porém, na maior parte dos casos, perdemos mais por não o fazermos. Curiosamente, a vida encarrega-se de mostrar que tem inúmeros planos para nós, que podem ou não corresponder aos que traçamos previamente.

O enredo realça o problema - e o desgaste - das relações tóxicas. Faz-nos refletir no impacto que as pessoas têm no nosso percurso, no quanto aprendemos com estranhos e na necessidade de sairmos da nossa zona de conforto e de nos desprendermos dos nossos lugares, para sermos capazes de analisar as situações de outra perspetiva e com outros argumentos. Em paralelo, alerta-nos para o peso da mentira, da desconfiança e dos ciúmes. Cada página é pincelada com uma beleza singular e aprendizagens nas entrelinhas. E é interessante perceber de que modo a história de Jolene se fundirá com o livro que está a criar. Não posso, ainda, deixar de destacar os acasos bonitos que abrilhantam a ação, bem como o final inesperado e absolutamente comovente - a autora sabe para onde direcionar a nossa atenção, não permitindo que a narrativa se torne algo previsível.

Tudo acontece por uma razão. E é quando menos esperamos que somos arrebatados. Sintonia é uma história que nos faz olhar para dentro, mostrando-nos que é fundamental procurarmos e encontrarmos a nossa harmonia; aquilo que nos faz bem e que não tem que ser, forçosamente, um amor - para além do próprio.

Deixo-vos, agora, com algumas citações:

«Tinha agora a certeza que não o amava, porém, aquelas doces palavras, que ela nunca tinha ouvido da boca de ninguém, tinham-na apanhado desprevenida e exercido efeito na sua mente» [p:36];

«Olhando para aquele casal, Jolene convencera-se que encontrara pela primeira vez uma real amostra de sintonia e isso não podia perder-se no tempo» [p:74];

«- Como tens tantas certezas? - Perguntou observando-o curiosa e apercebendo-se em simultâneo de que não estava a ver de forma tão nítida como era habitual.

- Os teus óculos ficarão aqui comigo! Só os terás de volta quando regressares!» [p:119];

«Sentiu-se feliz pela amiga mas o seu coração não deixou de apertar pensando em todas as oportunidades que tinha já perdido» [p:210];

«- Não percas muito tempo a dizer que amas. Faz com que a outra pessoa o sinta e não apenas o oiça» [p:232].

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