O nosso amor é como o vento #10

Fotografia da minha autoria


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Deitei-me com mais dúvidas do que certezas. E a prova disso é que não fui capaz de adormecer. Para além de não deixar de pensar que este café, com um mero desconhecido, poderia não ser assim tão inocente, também não conseguia pôr de parte algumas dúvidas que me aceleravam o coração: O que estarias tu a pensar disto? Será que estou a desrespeitar a tua memória? Será que estou a avançar demasiado rápido? Serão, apenas, inseguranças infundadas? Que consequências é que tudo isto trará?

Após tantas voltas na cama, acabei por desistir de lutar contra a falta de sono. Por isso, levantei-me e fui preparar um chá. Enquanto esperava, sentei-me na sala, envolta numa manta azul turquesa e acompanhada pelo teu livro favorito, que continua pousado na escrivaninha. Ofereci-to num dia ao acaso - um hábito tão nosso -, porque nunca me esqueci do simbolismo que tinha para ti. Contaste-me que, um dia, estavas sozinho em casa e que o encontraste na humilde biblioteca do teu pai, construída a custo e a gosto - e onde passei inúmeras tardes, a deliciar-me com aquelas obras -, porque sempre foi apaixonado pela leitura. Tu demoraste a seguir-lhes as pegadas, mas aquela história marcou-te profundamente. Só lamentavas o facto de ser tão antiga e de já não se encontrar à venda. Portanto, durante muito tempo, embarquei numa espécie de missão: procurá-la. E acabei por encontrá-la num alfarrabista, numa das ruas do nosso estimado Porto. Quando te entreguei o embrulho, a tua reação foi de um aconchego impossível de descrever. Parecias uma criança em noite de Natal! E eu estava derretida a ouvir todo o teu entusiasmo. Não me recordo das tuas palavras, mas o abraço com que me agradeceste ainda hoje o sinto. É impressionante como um objeto pode transportar tantas memórias. 

Só voltei à realidade quando a chaleira começou a ferver e a fazer um barulho ensurdecedor, como se estivesse prestes a explodir. Apressei-me a desligá-la e enchi a caneca pão de forma com chá de menta. E voltei para a sala, onde acabei por adormecer muito mais tranquila. Poucas horas depois, acordei sobressaltada com o telemóvel a tocar no meu bolso. Desde que foste internado, adquiri o hábito de andar com ele atrás de mim, uma vez que não queria correr o risco de perder qualquer chamada, independentemente da sua natureza. Fiquei agitada, mas percebi que era só o despertador. Refeita do susto, respirei fundo, arrumei a sala e fui arranjar-me, porque tinha que estar na faculdade às 10h, para assistir a uma palestra sobre literatura infantil, assunto pelo qual nutro uma grande empatia e no qual me tento especializar cada vez mais. Às 16h, teria que passar pelo jornal, o que me daria tempo para um almoço com a Leonor... e para me encontrar com o Lourenço.

Assim que entrei no carro, lembrei-me que fiquei de lhe enviar uma mensagem com as horas e o local. Obviamente, não o fiz. E isso só aumentou o meu sentimento de culpa, por ser tão negligente com ele. Aproveitei, então, para minimizar os danos, perguntando-lhe se lhe daria jeito às 14h. Recebi a sua resposta, segundos depois. Por um lado, queria que dissesse que teria que ficar para outra altura, mas, por outro, também sentia que estava a ser um pouco patética, até porque ele sempre foi muito correto comigo. No ecrã, consegui ler um sucinto «combinado, lá estarei». Não havia volta a dar! Quase em simultâneo, recebi uma chamada da Leonor, o que me ajudou a não pensar muito no assunto.

- Saio do escritório ao meio-dia, queres que vá ter contigo à faculdade?

- Não sei se a essa hora já estou despachada, talvez seja melhor ires direta para Santa Catarina. Encontramo-nos lá, pode ser? Como estou mais perto, consigo compensar um possível atraso.

- Claro, mas se demorares muito pagas tu o almoço - riu-se.

- Se chegar a horas, fica por tua conta - retribui, e desligamos por entre gargalhadas.

Há quem seja uma constante lufada de ar fresco e a Leonor está no topo dessa lista. Crescemos juntas e a nossa cumplicidade confundiu, por diversas vezes, algumas pessoas, que poderiam jurar que éramos irmãs. Sempre brincamos com isso, afirmando que não o éramos de sangue, mas de coração. Partilhamos muitas alegrias, revoltas, tristezas e conquistas. Posso-lhe confiar a minha vida, que ela cuidará dela como se fosse sua. E quando alguma de nós fica sem chão, a outra é a sua rede de apoio. Saiu-me a sorte grande no dia em que a conheci!

Tal como combinado, assim que terminou a palestra - que me deu argumentos para futuras crónicas -, despedi-me de alguns convidados e dirigi-me para o Via Catarina. Afinal, cada uma pagou o seu almoço, porque chegamos ao mesmo tempo, mas nada disso importa quando existem sorrisos que nos fazem sentir em casa. E quando a conversa é tão boa que quase nos esquecemos de respirar. Mal vimos as horas, trocamos um traço de tristeza, porque nenhuma queria ir embora. Deslocamo-nos para a entrada, abraçamo-nos e combinamos um jantar ainda nessa semana.

- Constança? - chamou-me, assim que comecei a caminhar na direção oposta à sua.

- Sim? - respondi, voltando-me.

- Não tenhas medo, segue o teu coração - e com um sorriso, foi a vez dela virar costas e seguir.

Aquela frase deixou-me pensativa. Naturalmente, contei-lhe sobre os mais recentes acontecimentos e isso deixou-a feliz e menos preocupada comigo, porque, segundo ela, não tinha motivos para me sentir insegura. A minha integridade nunca colocaria em causa a minha história com o Gonçalo. E eu sei que ela, como sempre, está repleta de razão. Liguei o carro. Afastei os meus fantasmas. E fui.  

Comentários

  1. Amei! Vc arrasa muito! Fico viajando na história

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  2. E se podemos ser nós a ajudar, então que seja nas pequenas coisas :D

    Ai que lindo :D Está cada vez mais interessante. Sem dúvida que, por entre tristezas, desilusões e incertezas, quem manda é o nosso coração. Sempre :')

    NEW #DRESSTOIMPRES POST | THE WHITE PARTY :D
    InstagramFacebook Official PageMiguel Gouveia / Blog Pieces Of Me :D

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  3. Olá
    Está a ficar interessante. Compreendo que quando se perde alguém ao se refazer a vida isso nos coloque muitas dúvidas se estamos a trair a memória da pessoa que partiu. Mas do que tenho visto, em situações semelhantes em pouco tempo arranjam logo um novo parceiro, tanto os homens como as mulheres. Vive-se o momento.
    xoxo

    marisasclosetblog.com

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  4. Gostei muito :))

    Hoje; No meu olhar, um sentimento profundo

    Bjos
    Votos de uma óptima Quarta - Feira /Feriado.

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  5. Após tão pouco tempo, a Constança quer seguir o seu coração ••• esperemos que não se esbarre.
    Para se afastar os fantasmas, tem que se dar tempo ao tempo.

    Já não me identifico com a Constança e isso é muito importante, para eu não me meter no processo do romance, o que é um atrevimento.

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    1. Não te zangues com a minha crítica à frivolidade da protagonista, Andreia.
      Ela está com grande sede de amor, para seguir o primeiro tipo que lhe apareceu pelo caminho.

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  6. Que bonito, minha querida! Estou a adorar todo o seguimento desta história! Um beijinho grande 😘❤

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  7. Estou a gostar tanto desta história :) sem dúvida que nada acontece por acaso quando ouvimos o nosso coração ;)
    Gostei do pormenor da cabeça pão de forma ;)
    Bjinhosss
    Quero um livro com dedicatória, por favor :)
    https://matildeferreira.co.uk/

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  8. Acho que quando acabar esta tua historia tenho de voltar a ler tudo de novo pois está bastante interessante

    Beijinhos
    Novo post // CantinhoDaSofia /Facebook /Intagram
    Tem post novos todos os dias

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  9. Lindo, Andreia.
    Tu sabes, tu tens um enorme talento para a escrita. Continua:)
    Beijinhos

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  10. Tem tanto de ti este capítulo. Aquele detalhe da caneca em forma de pão-de-forma, diz tudo.

    Quando perdemos quem amamos não temos que ficar presos para sempre ao luto, ainda que haja quem olhe isso com bons olhos.

    Espero que a Constança encontre de novo o amor.

    Beijinhos!

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  11. Oi Andreia, é gostosa demais essa amizade da Constança e Leonor. São tão unidas, tão próximas, que chega a dar um quentinho no coração. <3

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  12. Minha linda, escreves tão bem!

    Beijinhos da antiga dona da sushi, que está de volta com um novo nome.

    https://byritamariablog.blogspot.com

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  13. Lindooo *.* Escreves tão bem, babe! Já alguma vez publicaste no Wattpad, ou já pensaste nisso? Acho mesmo que devias <3
    Beijinhos,
    Blog An Aesthetic Alien | Instagram | Facebook
    Youtube

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  14. Não sei que rumo esta história levará mas estou a torcer para que corra tudo pelo melhor. Mais que não seja uma bela amizade!

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  15. cada vez mais curiosa com a história, o nosso coração por vezes é tão matreiro
    https://retromaggie.blogspot.com/

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  16. Confesso que não li este post, porque não acompanhei a história do início. E não é tarde! Vou ler a primeira publicação e vou deixando a minha opinião. De qualquer forma, tenho a certeza de que está óptima! :)

    r: Espero que gostes tanto quanto eu! Depois diz-me o que achaste do livro :)

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  17. Emociono-me sempre tanto ao ler-te. Estou de lágrimas nos olhos. Talvez porque me identifico muito com o que escreves :)

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  18. Uma história fascinante, que faz a gente viajar na história, lindo e profundo texto, bjs.

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  19. Cada vez que leio fica cada vez mais interessante :)
    Muito bem.

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  20. Eu estou cada vez mais curiosa e encantada com esta história :)
    A Constança faz tão bem em seguir o seu coração!

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  21. Ninguém poderá tirar à Constança a história que ela viveu com o Gonçalo. É algo que irá pertencê-la para sempre, ainda que se apaixone. Não é por isso que está a ser “incorreta” com o que viveu com o Gonçalo e certamente ele iria querer que ela vivesse a sua vida. Não podemos ficar parados no tempo, vivendo o passado. Por mais que pareça ser egoismo: o caminho é em frente. Estou a adorar a história Andreia. Super comovente.

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