Storyteller Dice // O Autocarro 27

Fotografia da minha autoria

«O silêncio da incerteza»

Uma névoa cobriu a rua paralela ao meu coração. Todos os dias, aquando dos primeiros raios de sol, a direção dos meus passos era sempre a mesma: apanhar o autocarro 27, para minimizar a angústia de um futuro incerto. E foi lá que te vi, sentado num dos bancos anónimos, que passam despercebidos a quem tem sempre tanto em que pensar. Mas os nossos destinos cruzaram-se. E a inocência desse verde-esperança eriçou-me a pele. Mal sabia eu os estragos que estariam para chegar.

Fomos deixando sinais: Um sorriso nervoso, impossível de disfarçar. Um ondular de cabelo inusitado. Um piscar de olhos subtil, mas cheio de intenção. Um cumprimento em surdina, quase como se não nos quiséssemos comprometer. Um toque provocado. Um bilhete. Até que, apanhada na curva hipnotizante da paixão, começamos a partilhar os lugares 4x4, as memórias e a vida. Alheios, dentro da nossa bolha descomplicada, era tudo simples e, ainda assim, fugaz. A nossa paragem era a última: para mim, por obrigação. Para ti, por vontade, porque não te querias despedir mais cedo. E eu bem te via, disfarçadamente, a recuares no caminho, perdendo-te de vista umas ruas à frente. Sentia-me a florescer por dentro. E o teu sorriso era largo. E esta passou a ser a nossa rotina. A nossa história. E o nosso fim.

Acordei anisosa, numa manhã de final de abril. Com uma dor no peito dilacerante. As minhas pernas tremiam sem razão aparente. E nem o chá de camomila parecia provocar qualquer efeito. Fui, então, até ao jardim. E vi o céu pincelado por uma carregada nuvem negra de fumo. Naquele segundo, não me ocorreu interligar os pontos, nem mesmo quando, já a sair de casa, recuperei o telemóvel da mochila e percebi que não tinhas ligado - como costumavas fazer. Ao chegar à praça, cedi. O aparato era angustiante. O autocarro desaparecia numa labareda quente e densa. Tu vinhas lá dentro. Não há sobreviventes, ouvi ao longe. E eu nem me despedi, nem te cheguei a dizer o quanto te amava. Faltou-nos uma última viagem. Mas eu parti contigo.