ENTRELINHAS | A CIDADE E AS SERRAS

Fotografia da minha autoria


«Um romance sobre um conflito eterno»


Janeiro trouxe-me um desafio literário particular, uma vez que teria um convívio de família em Tormes, local onde se situa a Fundação Eça de Queiroz. Por imprevistos pessoais, esta viagem [ainda] não se realizou, mas foi uma ótima maneira de abraçar A Cidade e as Serras, obra de um dos maiores romancistas portugueses. Atendendo a que a localidade do concelho de Baião é um dos palcos desta narrativa, fez-me todo o sentido procurar contextualizar o espaço, para, depois, ser capaz de observá-lo com outra consciência. E, assim, atribuir um maior significado à leitura. Às vivências. E à mensagem.

Este livro apresenta uma dinâmica bastante interessante, porque explora um contraste óbvio, sem tornar a interpretação literal. Isto porque podemos analisar a cidade e as serras enquanto áreas delimitadas ou, então, associá-las à personalidade dos protagonistas. Neste patamar mais filosófico e transcendente, é impossível não reconhecermos o quanto existe de cada lugar nas personagens, estabelecendo-se um quadro social cheio de nuances psicológicas, ao mesmo tempo que se tece críticas à sociedade, tanto pelas relações por interesse, como pela hipocrisia inerente a determinados comportamentos. Contudo, também exalta o campo, a natureza, o povo e as origens, equilibrando a sua análise frontal e mordaz.

A cidade é encarada como a plenitude do ser humano. É a manifestação suprema da sua civilização. Por seu lado, o campo representa a fragilidade e a solidão, sendo visto como uma inutilidade no que se refere às faculdades superiores do indivíduo e ao quanto poderá progredir pessoal, social, emocional e profissionalmente. Esta antítese permite, ainda, refletir acerca de questões como o viver de aparências, a elite positivista e as necessidades de uma sociedade cosmopolita em oposição às de uma comunidade rural. Em simultâneo, foca a problemática da sustentabilidade, reconhecendo o traço - cada vez mais - tecnológico da nossa evolução - íntima e coletiva.

A Cidade e as Serras é, portanto, uma «novela fantasista». E mostra o quanto os valores não são estáticos, bem como o modo como observamos e nos posicionamos [n]o nosso caminho. Opondo a civilização à vida no campo, detetamos um certo saudosismo, desinteresse e marasmo. Após algumas privações e responsabilidades, redescobrimos os encantos da Natureza, implementamos uma mudança de postura e reencontramo-nos com a Pátria e as nossas raízes. Estamos de regresso à terra e compreendemos o que é imprescindível à nossa existência.


Deixo-vos, agora, com algumas citações:

«Obtive uma noção; tenho sobre ti, que com os olhos desarmados vês só o luzir da vidraça, uma vantagem positiva» [p:18];

«E as duas rugas do príncipe, aos lados dos seu afilado nariz, curvando sobre a salada, eram como dois vales muito tristes, ao entardecer» [p:38];

«- Zé Fernandes, vou partir para Tormes.
O pulo com que me sentei abalou o rijo leito de pau-preto do velho "Dr. Galeão":
- Para Tormes? Ó Jacinto, quem assassinaste?...»


Disponibilidade - Wook | Bertrand // Eça de Queiroz: Wook | Bertrand

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Comentários

  1. É um dos melhores romances do Eça, gostei bastante de o ler e aproveito para desejar a continuação de uma boa semana.

    Andarilhar
    Dedais de Francisco e Idalisa
    O prazer dos livros

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    1. Tem uma interpretação bastante interessante, que acaba por desenvolver todo o nosso lado reflexivo!
      Obrigada e igualmente

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  2. Foi talvez a única obra de Eça que me deu prazer ler; talvez por er sido uma das que não foi obrigatória no meu tempo de escola.

    beijinho

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    1. Isso faz toda a diferença! Porque essa imposição acaba por nos condicionar. Por exemplo, a primeira vez que li Amor de Perdição detestei, uma vez que foi leitura obrigatória e não retirei qualquer prazer no momento. Mais recentemente, reli a obra e adorei

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  3. Comecei a ler e estava a adorar, mas a minha edição é daquelas do JN e a letra é tão pequenina que estava a ficar cegueta.

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    1. Oh, que pena! Isso é mesmo chato, porque a pessoa perde logo motivação para continuar :/

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  4. Seems a great book!
    HAPPY WEEK
    xoxo
    https://stylishpatterns.blogspot.com/

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  5. Este é um livro de leitura importante. Boa partilha!

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  6. Um romance notável que vale a pena ler.
    E reler...
    Andreia, um bom resto de semana.
    Beijo.

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  7. No seu último livro, Eça ameniza o rigor do método realista e reconcilia-se com seu país, Portugal, tão duramente criticado em romances anteriores, como O Crime do Padre Amaro e O Primo Basílio.

    OS MAIAS do DEUS da LITERATURA PORTUGUESA é o meu favorito!!!

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    1. Tem que haver um certo equilíbrio, nem tudo é mau :p
      Tenho que voltar a ler Os Maias

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  8. Já ouvi falar muito nesse livro, mas nunca li. A ver se quando acabar os que trouxe, o consigo alugar na Biblioteca. Beijinhos

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  9. Que esse também ainda não tinha ouvido falar, mas parece ser bem bom para conhecer
    Beijinhos
    Novo post
    Tem post novos todos os dias

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  10. Confesso que nunca li! :)

    www.amarcadamarta.pt

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  11. Nunca li mas conheço perfeitamente.
    Beijinhos
    https://virginiaferreira91.blogspot.com

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  12. Desconheço. Porém gostei de te ler:))
    Hoje:-Para além do infinito

    Bjos
    Votos de uma óptima tarde


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  13. Li quando ainda era um leitor compulsivo e os livros não tinham tempo de ganhar pó em cima da mesa-de-cabeceira.
    Não havia internet...

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    1. O truque é ir trocando a internet por uma página de um livro. Pode ser que a rotina de leitura volte em força :)

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  14. A minha madrinha falou-me maravilhas deste livro, so li excertos, tenho mesmo de ler a obra toda :)
    Beijinhos

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  15. Do Eça só li "Os Maias", mas fiquei muito curiosa para ler este livro. Deve ser fantástico.

    Beijinho grande :*

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    1. Eu tenho que voltar a ler Os Maias, sem a pressão da escola!
      Vale muito a pena :)

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  16. Esse texto por si bem escrito,
    agradável leitura me proporcionou
    sendo por isso que, também, o digo
    como hoje o Sol a terra iluminou!

    Tenha uma boa noite Andreia.

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  17. Já li há uns bons anos para fazer uma apresentação na escola! É maravilhoso! Mas do Eça continuo a preferir "Os Maias"! 😛

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    1. Tenho que voltar a ler Os Maias, porque a sua imposição na escola acabou por influenciar a minha perceção da leitura

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