STORYTELLER DICE //
OS SANTOS ALTERNATIVOS

Fotografia da minha autoria


Tema: Copo de Sumo + Hambúrguer


O meu terceiro ano fora. Parti sem rumo, à deriva, procurando um futuro confortável, ambicioso. Foi um risco mais ou menos calculado. E, hoje, o meu peito deambula sereno. Mas há algo que, por mais que esteja em paz, nunca deixa de ter peso nos meus passos: as saudades.

Existem alturas em que a vertente emocional se destaca, sobretudo, quando o que nos rodeia nos transporta para pessoas e memórias específicas. Se estivesse em Portugal, esta semana seria dedicada aos Santos Populares. Mais concretamente, ao meu São João. A casa estaria cheia. O telheiro seria palco de conversas intermináveis. O meu primo traria o balão. E, depois, com uma tigela de caldo verde a compor o estômago, sairíamos de casa em marcha acelerada, em direção ao nosso lado da margem, para assistirmos ao fogo de artifício - na ponte e no rio. Durante 15 minutos, estaria escondida nos braços de um amor que ficou em suspenso - quase como se fosse a caminho da guerra -, porque o efeito visual fascina-me, mas o som da explosão desperta-me traumas de infância. Pintada de mil cores, com brindes e música de rua, a noite fazia-se longa. E, ao meio dia, sem atrasos, estaríamos de volta à mesa, cheios de olheiras denunciadoras. Alguma ressaca na algibeira. E um sorriso largo. Porque este dialeto só nós podíamos partilhar.

Há três anos, fugimos todos de empregos precários. E impedimo-nos, sem prever, de tradições que contam a nossa história. Estas decisões são necessárias, ainda que magoem, mas pesam-nos na alma. Porque existem abraços que só podemos sentir nestas festividades. E, agora, nem isso. Portanto, fizemos um pacto. Estamos todos em partes distintas, mas sempre conectados. Até porque cedo percebemos que as relações interpessoais não enfraquecem com a distância: é o desmazelo que as condiciona. E nós somos demasiado orgulhosos dos nossos laços de amizade para concedermos que os nós se desatem. Independentemente do tempo, da agenda, da localização, a noite de 23 de junho é nossa. Do nosso ritual improvisado. E de uma decoração à altura destes fragmentos que nos permitem regressar a casa. Ao nosso porto seguro.

Não há sardinhas, nem entrecosto. Apesar disso, em frente ao computador, numa chamada virtual que encurta a ausência, partilhamos um hambúrguer e um copo de sumo. Há um balão em cada mesa. Estendemos a conversa e os braços que não se tocam, mas que se amparam sempre. E despedimo-nos, à janela, lançando um ponto de luz por esse céu imenso, com um desejo atado num cordel. Porque nenhuma partida nos desvia da nossa rota. Muito menos dos corações onde fizemos uma morada segura.

Observo o relógio da sala. É São João. E, por um par de horas, somos uns miúdos - apenas miúdos - a festejar pelas ruas da nossa cidade.

Comentários

  1. Nunca festejei os santos populares.

    Isabel Sá  
    Brilhos da Moda

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  2. Que boa maneira de começar a semana, com um texto que, de certa forma, nos obriga a reflectir sobre os tempos que estamos a viver. Sobre aquilo que mudou ou está a mudar.
    Gostei muito.

    Beijinho enorme!

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    1. A vida é uma constante mudança, por isso, sabe melhor quando aprendemos a valorizar não só as pessoas, mas também aqueles rituais que nos aquecem a alma :)
      Muito obrigada, minha querida!

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  3. I just wish google translate did this any justice. lol

    https://aab-edu.net/

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  4. Adoro os festejos e o ambiente dos Santos populares. Este ano fiquei em casa. Para o ano, acredito, haverá novamente folia da rija.
    .
    Desejando um bom inicio de semana
    Deixando uma 🌹

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    1. É daquelas festividades que nos aproximam! Este ano, infelizmente, temos que os colocar em pausa. Mas para o próximo festejamos em força :)

      Obrigada e igualmente

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  5. Estou na mesma situação da Isa também não festejo os Santos Populares, não por algum motivo em particular mas fujo de concentrações.

    Um abraço e boa semana.

    Andarilhar
    Dedais de Francisco e Idalisa
    O prazer dos livros

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    1. Compreendo perfeitamente, acaba por ser mais confusão.

      Obrigada e igualmente, Francisco

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  6. E parece que foste de encontro aos meus pensamentos pois tem sido esta a minha vida de há 7 anos para cá 🍀💙✈️🇵🇹 Amei! Obrigada, minha querida 🧡😘

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    1. Fico contente por haver essa identificação! Obrigada eu 💙

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  7. Todos os anos ficamos com memórias dos vários anos porque pensamos. Este ano de 2020 vai ficar gravado na nossa memória pelas ausências de tantas e tantas coisas que não se fizeram...

    Beijos e abraços
    Sandra C.
    bluestrass.blogspot.com

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  8. Acho que há sempre alguma coisa que passa na nossa vida que fica na nossa memoria, mas nunca foi muito de festejar coisas assim, mas é sempre bom quem o faz
    Beijinhos
    Novo post
    Tem post novos todos os dias

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  9. Acredito que a ausência de festejos dos santos populares seja algo marcante para todos aqueles que vivem estes dias de forma intensa.
    Eu, como bom peixe morto :D, não noto grandes diferenças nesse aspeto. Não sou lá muito festeira.
    O texto está muito bom :). Gostei imenso de ler.

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    1. Adoro o S. João e, confesso, este ano vai custar não ter a família toda cá em casa. Mas é para o bem de todos.
      Muito obrigada *-*

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  10. Ó meu rico S. João
    Que este ano não te vejo
    Mas não fiques triste, não
    Eu daqui mando-te um beijo...

    O Porto é a capital do S. João. Mas este ano...

    Querida amiga Andreia, tenha uma boa semana.
    Beijo.

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    1. Este ano, temos que ficar todos recolhidos por mais que custe.

      Obrigada e igualmente, Jaime!

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  11. Para estes nem foi preciso a Pandemia para lhe cancelar a festa que apesar de tudo se realizou com um hamburguer e um copo de sumo!!
    xoxo

    marisasclosetblog.com

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    1. Verdade, até porque a Pandemia nem entra na equação ahahah
      Há sempre formas de contornar :)

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  12. Memórias que ficam para sempre, tão bom.

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  13. Há uns anos também vi partir quem também procurava um 'futuro confortável'... passou a faltar desde esse ano (até hoje) quem subia ao telhado para lançar o balão com a assinatura de todos os presentes na sardinhada... falta aquele sorriso e o abraço com o 'até mais logo', talvez num bailarico qualquer da cidade.
    Ficam as video chamadas na altura em que começa o fogo de artifício, que as novas tecnologias levam para além dos milhares de quilómetros (e Países) que nos separam... fica o desejo 'Talvez para o ano eu esteja aí'... ficam os olhos húmidos e a voz trémula, que passados estes anos todos ainda insiste em aparecer... ficam as recordações, as memórias de uma noite 'só nossa'.
    Tudo de bom.

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    1. Já fiquei emocionada. De facto, não deve ser nada fácil passar por toda essa experiência. Porque, por mais que as tecnologias encurtem as distâncias, nada substitui o abraço, a presença, ouvir as palavras e as gargalhadas bem perto.
      Muito obrigada pela partilha!

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  14. O que mais interessa é bem estar na vida,
    porque, o São João, um ano, pode esperar
    haja, portanto, saúde, paz, amor e alegria
    que é para o ano que vem se poder festejar!

    Tenha uma boa noite Andreia.

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    1. Claro que a saúde será sempre o mais importante, até porque sem ela não fazemos nada. Mas custa um bocadinho não poder festejar o S. João

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  15. O São João é das festividades que mais gosto e que sempre comemoro e é sempre nessa festa que reencontro amigos, que apesar de não morarem a mais de 20 km de mim, sempre estão ocupados. Este ano, o reencontro não será possível, mas para o ano faremos tudo valer a pena em dobro. Sinto falta das marchas, de sair à rua e ser atropelada pelas pessoas (até das coisas que mais me irritava, agora tenho saudades), de sair de casa às 18:00 e só regressar às 08:00 do dia seguinte.
    Conseguiste deixar-me com as lágrimas nos olhos ao recordar memórias incríveis. Obrigada Andreia, por não deixares esta data passar em branco. ❤️ Um beijinho grande

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    1. Sim, para o ano voltamos a festejar em força! Bem que merecemos 😍
      É mesmo impressionante como até dessas particularidades sentimos falta. Acho que é mais uma prova de que, ainda que nos despertem alguma irritação, tornam estes momentos especiais e únicos.
      Eu é que agradeço por este retorno tão aconchegante 💛

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  16. Que publicação bonita, querida! Ainda por cima, neste ano atípico que estamos todos a viver, sem todas essas festividades que tanto nos fazem felizes. Que para o ano festejemos a sobrar, nas ruas, com os nossos e sem medo. Ainda assim, aproveitemos da forma que mais nos fizer sentido, com chamadas virtuais, telefonemas ou o que for, mas que o amor se sinta <3

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    1. Resolvi inspirar-me mesmo nesta realidade tão atípica, para desenvolver o tema do mês. Acho que até conjugou bem. Muito, muito obrigada!
      É isso mesmo, coração. Vamos aproveitar como for possível e, depois, celebraremos em força *-*

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