Entrelinhas #62

Fotografia da minha autoria

«Numa fase em que o ciclo de vida natural está alterado, é preciso pôr em marcha uma missão de salvamento do planeta Terra»

A literatura infantil e juvenil tem desbravado lugares abandonados na minha estante. Não só por consequência direta da minha área de formação - Educação Básica na licenciatura e Educação Pré-Escolar no Mestrado -, mas também por acreditar que tem narrativas maravilhosas e poderosas, que nos transportam para realidades paralelas, ao mesmo tempo que nos ensinam de uma forma leve, descomplicada, porém, consciente. E, naturalmente, pesa bastante quando são escritas por autores de referência, cuja versatilidade se torna evidente, como é o caso de Miguel Sousa Tavares [aqui e aqui].

O Planeta Branco foi um autêntico achado. Pelo preço [3,50€] e por ser da autoria de quem é. Esta obra não é uma das mais conhecias, por isso, tive alguma dificuldade em associá-la ao seu criador. No entanto, assim que confirmei esse dado, não pude hesitar e trouxe-a comigo para casa. E deixei-me envolver numa história extraordinária, que nos aguça a imaginação e que nos alerta para problemáticas atuais e de extrema importância, como o flagelo dos incêndios, a poluição e as alterações climáticas provenientes destas adversidades. O meu fascínio pelo espaço nunca foi muito aprofundado, mas é um assunto pelo qual nutro uma certa estima e curiosidade. Porque é tão vasto e complexo, que se torna desafiante desvendar todas as suas camadas. E achei interessante que tenha servido como pano de fundo de um enredo tão plural.

Neste livro vamos acompanhar três tripulantes na sua missão especial, que os leva até um planeta existente no Terceiro Sistema Solar. Acredita-se que tem todas as condições para garantir a sobrevivência humana, para além da Terra. Todavia, apresenta mais um conjunto de particularidades que nos desarmam. E toda a ação é descrita com bastante equilíbrio e, sinto, na medida certa. Por essa razão, tem tanto de humorística como de intensa; tanto de mistério como de óbvio. Além do mais, as ilustrações são um excelente complemento ao texto, permitindo-nos descobrir e compreender o seu desenrolar com outro rigor. A linguagem é acessível e próxima, tornando a leitura célere. Ao abraçarmos esta obra, verificamos uma forte mensagem de consciencialização. Primeiro, pela abordagem ecológica - que nos mostra que o ser humano está a destruir o planeta e a dizimar os seus recursos - e, segundo, pelo incentivo de cuidarmos do ambiente que nos rodeia. Em simultâneo, explora uma vertente pouco comum numa faixa etária mais baixa: a morte. E a dúvida persistente de haver ou não vida depois dela.

Esta história é, portanto, recheada de analogias. De contrastes. De forças ocultas e poderosas. E de uma série de reviravoltas que testam a nossa tranquilidade e a nossa sanidade. E que colocam à prova os sentidos, as fragilidades e a capacidade de reação. Tudo descrito com sensibilidade e delicadeza, sem recorrer a floreados que nos façam dispersar. A visão e a simbologia atribuídas às estrelas é encantadora. E são estes detalhes que transformam O Planeta Branco numa narrativa tão rica e inspiradora, até porque o seu lado transcendental pode funcionar como portador de possíveis respostas a questões que nos inquietam. Transversal a todos os acontecimentos é o impacto do destino. Porque todos temos o nosso. E há sempre uma luz que nos guia - mesmo que não consigamos reconhecê-la.

Deixo-vos, agora, com algumas citações:

«O principal era manter os astronautas activos e distraídos, para que as saudades, a monotonia e o cansaço, a falta de espaço permanente e mesmo as pequenas embirrações entre eles não pusessem em perigo o destino final da missão» [p:25];

«Sempre fora assim a história do planeta Terra. A vontade de ir cada vez mais além, mais alto, mais fundo, mais longe. De descobrir o indescoberto, de desvendar as trevas e vencer o medo» [p:33];

«- Nada, nada disso, meu filho. Aqui é a terra da tranquilidade, da paz para sempre» [p:72];

«- Então, é melhor ser uma estrela? - quis saber Lydia.

- Sim, é bem melhor: as estrelas têm a mesma paz que os que vivem aqui, mas, além disso, e como foram generosas na vida, têm o privilégio de continuar a assistir à vida cá de cima» [p:73];

«- Porque é assim que está escrito: o homem nunca deve saber o que existe depois da vida. Deve viver a vida como uma coisa única e preciosa» [p:77].

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