O nosso amor é como o vento #16

Fotografia da minha autoria


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«O meu coração começa a ficar mais fraco. E, por mais que gostasse de controlar isso, não está ao meu alcance. Não queria que sofresses, mas sei que não está nas minhas mãos evitá-lo - já não. Ainda assim, posso ficar um pouco mais descansado, porque sei que nunca estarás sozinha. Tens uma família maravilhosa, que funciona como uma autêntica fortaleza, mas a minha acolher-te-á com a mesma intensidade - como o fez desde que vos apresentei.

A minha mãe adora-te. E só não te tratava por filha para não haver qualquer confusão. Contudo, eras a nora favorita dela - por favor, nunca digas isto aos meus irmãos. Sei que vocês se tornaram muito cúmplices e que ela cuidará sempre de ti, porque és especial e porque, no fundo, se sente em dívida contigo, por teres cuidado de mim como ninguém. Sinto que as mães têm um certo receio das namoradas dos filhos, por acharem que nos levarão para longe. Mas tu, com esse jeito delicado e puro, mostraste-lhe que não eras assim, que nunca me afastarias do meu lar e que em nenhum momento me obrigarias a escolher entre um lado e o outro. E ela sossegou, ao ponto de te observar como uma aliada e, até, como uma extensão do seu coração. Por vezes, dava por mim a contemplar a vossa ligação tão natural e dinâmica. Conquistaram-se mutuamente e estabeleceram uma base de respeito inquebrável. Portanto, serão apoio e colo para o resto da vida.

O meu pai, como ele costumava dizer, achava-te imensa graça. E adorava que tu fosses tão apaixonada pela leitura. Finalmente, encontrou um ombro amigo com quem desabafar sobre grandes enredos e histórias que, aparentemente, tinham pouco conteúdo, mas cujas entrelinhas escondiam mundos verdadeiramente inspiradores. Sem qualquer surpresa, pelo menos para mim, cativaste-o quando ele começou a falar de um dos seus livros prediletos - D. Quixote de la Mancha - e tu lhe foste fazendo perguntas, curiosa acerca da sua opinião, da identificação com as personagens e das conceções que se foram formando sobre a narrativa. Ele bem que tentou disfarçar, mas um sorriso assaltou-lhe o rosto. Naquele instante, e sem querer ser injusto, porque sei o quanto nos amava, acho que não se importaria de trocar qualquer um dos filhos por ti, já que nenhum herdou o seu fascínio pela literatura. A biblioteca era o vosso lugar seguro. E houve alturas em que, para não vos interromper, me deixei ficar atrás da porta, a escutar a vossa conversa tão descomplicada e, simultaneamente, poética.

Os meus irmãos, por seu lado, receberam-te de braços abertos. Nunca te confidenciei isto, mas, no início da nossa relação, tive receio que me trocasses por um deles. Depressa compreendi o quanto este pensamento era disparatado. Porém, foi inevitável. Senti uma insegurança momentânea, como se ao olhares para o Bernardo e para o Tomás percebesses que eram muito melhores do que eu. Já as minhas irmãs, Carolina e Mariana, por serem tão protetoras, fizeram-te um interrogatório como nunca vi igual. Temi que nunca mais as quisesses ver, que as achasses descompensadas e loucas. E que te afastasses. Nada disso aconteceu, felizmente. Mantiveste-te sempre calma e segura, afinal, não tinhas o que esconder. E foi com toda essa doçura e genuinidade que os foste conquistando. Em ti, reconheceram a minha sorte grande. E fizeram questão de que estivesses em todos os momentos importantes da família. Eras uma de nós - da mesma maneira que o teu núcleo duro me abriu os braços e me fez sentir em casa».

Apaixonar-me por um dos teus irmãos? Nunca desconfiei dessa insegurança, mas ao fim de algum tempo, essa confidência conseguiu arrancar-me uma gargalhada sentida. Só queria que a pudesses ouvir. Escolher um dos teus irmãos... Como se isso algum dia fosse possível! São ambos maravilhosos, mas o meu coração não queria mais alguém. Só a ti. As tuas irmãs, admito, foram implacáveis, mas nem isso teria o poder de me afastar. Sei que sempre quiseram o teu melhor e que fariam o que fosse necessário para o garantir. Aquele conjunto interminável de perguntas não era mais que uma demonstração de amor. E, para mim, um ritual de boas-vindas. Mostrei-lhes a minha essência e acho que todos eles perceberam que tinha chegado por bem. E que te amava na mesma proporção. Talvez receasse a reação da tua mãe, mas houve uma afinidade automática. Com o teu pai, criei a tradição bonita de ler, anualmente, O Principezinho, na sua biblioteca mágica. Foi curiosa a forma como, entre todos, estabelecemos momentos tão nossos. É por isso que preservo a certeza de que, por mais voltas que a vida dê, estaremos sempre perto uns dos outros. 

A minha fortaleza - como ambos designávamos a minha família - deixou-se encantar por ti no primeiro segundo em que te viu. Como sou filha única, conseguiste escapar a esse interrogatório. Ainda assim, o meu pai não deu a tarefa por concluída. E nunca serei capaz de esquecer a tua cara de pânico quando ele disse que gostaria de conversar contigo a sós. A minha mãe tinha um enorme carinho pela pessoas que eras [és] e por toda a luz que me trouxeste. Quando lhe telefonei a contar que tinhas falecido, foi das que mais sofreu. Era tão fácil, tão natural, gostar de ti. Estranho seria se não me tivesse perdido de amores, Gonçalo. Estejas onde estiveres, nunca duvides disso. Quando chegar a altura de nos reencontrarmos, sentirei o meu lado esquerdo do peito a mil, por me voltar a aconchegar nos teus braços e por voltar a sentir a ternura dos teus lábios. Como no primeiro dia.

Comentários

  1. Ai... esta carta esta a dar cabo de mim...

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  2. Gosto tanto dos teus textos princesa, continua sempre assim :D :D
    Beijinho *

    https://w-m-mind.blogs.sapo.pt/

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  3. Embora a história seja demasiado sentimental para o meu gosto, rendeu-me à qualidade literária da tua escrita.

    Saudações outonais ainda de Düsseldorf 🌰

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  4. Que carta tão cheia de amor :) é tão bom sermos amados em vida e sermos recordados com carinho :) faz parte da essência humana :) se formos todos assim é este o maior legado que deixamos à Vida :)
    Continua, minha querida, estou a gostar mesmo muito :)
    Beijinhos
    https://matildeferreira.co.uk

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  5. Gostei da dualidade de vozes deste excerto. É de partir o coração. =(

    Um beijinho e mal posso esperar pelo próximo capítulo.

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  6. Oh acho que vou ter de voltar a ler tudo de volta, pois essa tua historia está bastante boa, parabéns

    Beijinhos
    Novo post //Intagram
    Tem post novos todos os dias

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  7. A hidratação é mesmo fundamental, meu bem :')

    OMG!!! em primeiro lugar, a carta está para lá de linda!!! Até fiquei com o coração mais apertadinho! Isto tem de dar um livro!
    Em segundo lugar... acho que devíamos voltar a escrever cartas... tem tão mais significado!

    NEW YOUTUBE POST | UPDATE: MY NEW TATTOOS.
    InstagramFacebook Official PageMiguel Gouveia / Blog Pieces Of Me :D

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    Respostas
    1. As cartas alimentam a alma como a água alimenta as flores. Podíamos mesmo começar qualquer coisa desse género

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  8. Amei a carta, muito fascinante!
    Um forte abraço, ficas com Deus!

    [Hoje>> O FUTURO DO AMOR
    https://www.robsonpensador.blog.br ]

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  9. Sentida e profunda leitura:))

    Hoje » És a minha luz.

    Bjos
    Votos de um óptimo fim de tarde

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  10. Que maximo carta maravilhosa, obrigado pela visita.
    Blog: https://arrasandonobatomvermelho.blogspot.com/
    Canal:https://www.youtube.com/watch?v=DmO8csZDARM

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  11. Ai este teu jeito para escrever. .. que delicia

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  12. Uma carta repleta de amor, opah tens um jeito para escrever tão lindo!
    Adoro esse tipo de artesanato foste tu que tiraste a foto
    https://retromaggie.blogspot.com/

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  13. Delicioso, é mesmo fantástico ler estes teus textos!
    Os pormenores carinhosos em cada palavra, são dignos de se ler e reler! Parabéns!

    R*- Obrigado também pelas tuas palavras, o tema em si já tem o seu quê de preconceito, mas ainda falta uns "xiripitis"!

    Beijinhos
    Sandra C.
    bluestrass.blogspot.com

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  14. A tua escrita já não me surpreende, tá lindo este texto, escrito com muito sentimento.
    Beijinhos linda.

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  15. Nem tenho palavras...
    É tudo tão profundo, tão emotivo, tão genuíno, tão delicado e poético. É tão comovente a forma como ela exterioriza que ele faleceu, referindo o sofrimento da mãe dela...
    Parabéns Andreia <3
    Beijinho grande

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  16. Faço das palavras da Quase Cinderela minhas, "(...) tão profundo, tão emotivo, (...) tão poético."
    Adoro esta história e este amor entre eles deixa-me o coração mesmo partidinho por não poderem vivê-lo juntos, é fictício, mas acontece tantas vezes :/
    Cada vez melhor!

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  17. Agora sim, fico ansiosa por mais. A carta foi mesmo linda (acho que ainda não terminou). Esta a ficar uma das minhas histórias favoritas. Beijinhos 😘

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