Festa da Broa | FF com a Banda Musical de Avintes

Fotografia da minha autoria

«Serei navio sem me ancorar»

A série Morangos com Açúcar celebrou, recentemente, 15 anos. A 30 de agosto de 2003, «Pipo e Joana apaixonaram-se e inaugurou-se um novo capítulo da ficção televisiva em Portugal». E este formato, que conquistou um vasto público, marcou toda a minha adolescência. Foram nove temporadas, inúmeras ligações, romances, dramas, peripécias e atores - alguns de renome e vários desconhecidos - que entraram em minha casa, ao final do dia, envolvendo-me nas suas vidas.

Com uma visão mais madura, há contextos - diálogos e ações - que já não me fazem tanto sentido e que me levam, inclusivamente, a questionar a identificação que senti com os mesmos. Apesar disso, continuo a rever os episódios, se estiverem a ser transmitidos no Panda Biggs. Porque fizeram parte do meu percurso. E isso é uma memória que não escondo e que faço questão de recordar. Naturalmente, houve personagens que me despertaram uma maior aproximação e carinho. E um desses casos foi o Tomé, mais conhecido por FF, que me conquistou desde o início. Revi-me em alguns traços da sua personalidade e apreciei a própria desconstrução - e evolução - que foi sofrendo. Além disso, talvez me faltem argumentos mais sólidos para justificar a sensação que tinha, mas sempre senti verdade na sua interpretação. Por isso é que acabou por se tornar numa referência. E essa projeção ultrapassou o programa.

O seu talento arrebatador, compreendo agora, só poderia desencadear esta reação. E tem sido absolutamente transcendente contactar com o seu crescimento, ainda que acredite que, no estatuto de músico, mereceria um maior reconhecimento. Porém, quando me sento a ouvi-lo, seria impossível ter uma certeza maior de paz, uma vez que a sua voz é quase angelical - com uma extensão que nos deixa de queixo caído. Influenciada por toda esta bagagem, preservava uma enorme vontade de o escutar ao vivo. Se já não tinha dúvidas da sua competência, da sua essência e da sua identidade vincada e construída com esmero e inteligência, comprovei-a com a sua participação em A Tua Cara Não Me É Estranha e com o álbum SaFFa, que potencia uma transição enquanto cantor e compositor. No entanto, a oportunidade nunca se tinha proporcionado. Até chegar a 31ª edição da Festa da Broa, em Avintes.

Há quem viva a música. Há quem seja feito dela. E o FF é, claramente, a simbiose perfeita de ambas. Que entrega. Que generosidade em palco. Que superação de expectativas. Aquele momento foi tão intimista e tão intenso, que o meu coração transbordou de felicidade e de orgulho, ao ponto de me sentir numa realidade paralela. E as oito músicas que partilhou connosco [tanto originais, como de outros artistas] foram mágicas, mas, claro, souberam a pouco, uma vez que não queria que o concerto chegasse ao fim. Não se trata apenas das canções [ainda que tenham um peso considerável], é também a forma como comunica com o público, convidando-o a ficar, atribuindo um contexto ao alinhamento e abrindo a porta a histórias mais pessoais, que me emocionaram. Brilhantemente ladeado pela Banda Musical de Avintes, a atuação tive um toque de pluralidade, fundindo «a musica tradicional portuguesa com a modernidade do Fado» e a junção sublime e harmoniosa de vários instrumentos.

Um espetáculo desta natureza exige entrega total. Horas de ensaios. Envio de partituras com meses de antecedência. E foco. Por muito que nos alertem para este facto, acho que não temos uma perceção total dessa realidade. Mas foi esse compromisso que permitiu um resultado fascinante. Sem falhas, com muito amor à arte e com uma enorme envolvência. E ainda hoje não tenho palavras para descrever o brilho no olhar, o sorriso largo e a voz inacreditável. Recebi setembro da melhor maneira. E, se fosse exequível, voltaria a ocupar um lugar na fila, para me maravilhar com um artista tão completo e genuíno. Há ocasiões únicas. E realizar este sonho de menina ficará para sempre: na memória. No coração. E na alma de tudo o que sou.