Entrelinhas #82

Fotografia da minha autoria


«Três mulheres - Jenny, a avó; Camila, a mãe; Natália, a filha - cruzam destinos e as suas memórias do século neste romance»



O momento em que concluo uma leitura é sempre procedido por um vazio e alguma reflexão. Porque gosto que a história crie raízes no lado esquerdo do meu peito. Portanto, não sou capaz de abrir logo as páginas de um novo livro. Espero. Permito que a mensagem adquira o seu impacto certo. E, só depois, devolvo-a ao lugar que lhe estava destinado na estante. Porém, quando determinadas narrativas não me arrebatam, faço por agilizar o processo e avanço segura para outra. Porque, nesses casos, acredito que não devemos parar muito tempo no que não nos acrescenta, uma vez que há sempre histórias maravilhosas à espreita. E à espera que as abracemos.

Inês Pedrosa era um nome familiar, mas uma completa novidade no meu universo literário, atendendo a que nunca me tinha aventurado nos seus títulos já publicados. Quando encontrei Nas Tuas Mãos, percebi que era a ocasião perfeita para inverter essa realidade. Trouxe o único exemplar disponível e comprometi-me a não o deixar muito tempo em espera, até porque estava expectante com a dinâmica do texto. Confesso que não sou grande apreciadora de investigar os livros a fundo, porque fascina-me mais o doce sabor da surpresa e da descoberta imparcial. Mas, ao deparar-me com um retorno tão positivo, fiquei muito mais curiosa. Assim que iniciei a leitura, senti todo o seu caráter especial, emocional e desconcertante. E, de coração em suspenso, embarquei em testemunhos poderosos.

A autora conta-nos a história de três mulheres, pertencentes a três gerações distintas: avó, mãe, filha/neta. E o enredo é desenvolvido de uma maneira bastante particular, pois cada uma das intervenientes recorre a um objeto distinto para partilhar as suas memórias: um diário, um álbum fotográfico e cartas. Esta forma de se expressarem não é só entusiasmante e uma demonstração das suas diferenças. É uma prova de identidade. É uma porta aberta para um lugar mais recôndito das suas almas. E isso só nos faz aproximar e apaixonar ainda mais pela narrativa, pelos traços dicotómicos e por todas as vivências e fases que tiveram que suportar - pelo menos, aconteceu comigo, fazendo-me sentir a intensidade dos seus passos, sem esquecer a complexidade sentimental que as caracteriza.

Há uma ponte entre as experiências pessoais e a situação política e histórica de Portugal. Além disso, fornece um retrato fidedigno da sociedade, ao mesmo tempo que a análise intrapessoal assume contornos evidentes. Nesta obra, existe uma espécie de sucessão. E um foco nas máscaras que utilizamos para ocultar a verdade. Em simultâneo, contribui para desconstruir alguns pensamentos e práticas. E para desvendar o peso pluma que pode assumir o estatuto da família, provocando uma constante sensação de não se ser suficiente. É impressionante o que podemos fazer - e calar - por amor e a cegueira perante certos assuntos. Enquanto seres humanos, temos ainda bastantes muros para quebrar. No entanto, a esperança não se perde, sobretudo, quando o nosso percurso é um ponto de partida para a mudança. Pois há lembranças que permanecem firmes, marcando o nosso crescimento, numa constante descoberta interior.

Nas Tuas Mãos cruza destinos, paixões, temas controversos, demência, saudade, vazio, insegurança, sedução, morte, homossexualidade e a fragilidade das relações. E há amor, muito amor. Mas também existe insanidade, sentimentos de fachada e imprevisibilidade. Através de três vozes tão dominantes e independentes, que se completam, compreendemos que estamos perante uma bela alegoria: somos pontos soltos num caminho muito próprio, mas estamos unidos por infinitos fios invisíveis, que nos prendem à vida. À História. Ao tempo. E ao mundo - dentro e fora de nós.


Deixo-vos, agora, com algumas citações:

«O amor, Camila, consiste na divina graça de parar o tempo. E nada mais se pode dizer sobre ele» [p:24];

«As histórias terríveis que contamos às crianças para disfarçar a pobreza da nossa comédia. Escondemos o que somos, e assim mantemos a ilusão de dominar o mundo» [p.43];

«Nunca ouvi a voz da minha mãe, creio que foi por isso que escolhi ser fotógrafa. Tudo o que ela alguma vez me disse está neste rectângulo de luz...» [p.110];

«Minha querida, o amor nunca é uma dependência, é uma abundância e parece que nós continuamos a viver o amor por carência» [p.170];

«As pessoas amam-se ou não se amam. Depois há diversas formas de exprimir esse afecto, que vão mudando ao longo do tempo» [p.212].


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Comentários

  1. Deve de ser bem interessante este livro da Inês Pedrosa.
    Um abraço e continuação de uma boa semana.

    Andarilhar
    Dedais de Francisco e Idalisa
    O prazer dos livros

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  2. Li em miúda o livro " A Instrução dos Amantes " e o " Fazes-me Falta " e foram livros que mexeram imenso comigo, acho que quero voltar a reler. Agora este também vou querer conhecer!!

    Achei a foto fantástica!!!

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    1. Muito obrigada, Titica *-*
      Quero muito ler o Fazes-me Falta! Está na minha lista de espera

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  3. O teu review deixou-me curiosa;)
    Beijinhos
    https://matildeferreira.co.uk/

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  4. Oh sempre a conhecer novos livros, mais um que não conhecia, mas parece ser bastante interessante
    Beijinhos
    Novo post
    Tem post novos todos os dias

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    1. Fico contente por fazer chegar coisas novas :)
      Gostei muito dele

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  5. Só conheço as crónicas de Inês Pedrosa.
    Crónica essas que, às vezes, me irritam.

    A fotografia como sempre um mimo:-*

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    1. Curiosamente, as crónicas nunca li

      Muito obrigada :)

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    2. Embora eu diga que, às vezes, as crónicas de Inês Pedrosa me irritam, leio-as sempre, porque ela escreve inteligentemente.

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    3. Quando um texto nos consegue provocar reações, é porque tocou no ponto pretendido. Tenho que me aventurar nas crónicas :)

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  6. Olá Andreia
    Nunca li nada dela, mas é uma autora que quando vem à televisão gosto sempre de a ver!!
    xoxo

    marisasclosetblog.com

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    1. Ainda só li este, mas foi uma experiência muito positiva :)

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  7. Já li pelo menos um dela e não fiquei conquistada, depois disto fiquei com vontade de lhe dar uma nova oportunidade.

    Sonha mas Realiza

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    1. Para já, ainda só li este. Mas quero, também, descobrir o Fazes-me Falta :)
      Se lhe deres uma oportunidade, diz-me o que achaste

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  8. Deixaste-me mesmo curiosa com a obra! :D

    www.amarcadamarta.pt

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  9. Respostas
    1. Gostei bastante deste! Agora quero aventurar-me noutros :)

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  10. Não conheço a autora, mas a tua análise deixou-me curiosa!

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  11. Não conheço, mas fiquei com o bichinho para vir a conhecer.

    r: Foi uma das experiências mais giras da minha vida e isso apenas aconteceu porque o fotógrafo é excelente :)

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  12. tenho de o ter comigo :P espero mesmo que valha a pena!

    pareceu-me ser bem, bem interessante, meu bem!

    NEW FASHION POST | WEEKLY TREND: HOW TO WEAR UTILITY PIECES!
    InstagramFacebook Official PageMiguel Gouveia / Blog Pieces Of Me :D

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  13. Ainda não li nenhum livro da Inês Pedrosa, mas já tinha na minha lista o "Fica Comigo Esta Noite". Quando ao "Nas tuas mãos", já entrou para a lista também, depois de ler esta tua review :)

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    1. Tenho imensa curiosidade em relação a esse livro :)
      Gostei muito de Nas Tuas Mãos. Se leres, depois diz-me o que achaste

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  14. Uma autora que muito ouço falar, já li algumas das suas entrevistas... mas ainda não calhou a ler nenhuma das suas obras... talvez algo, para resolver este ano no Verão, quando o meu tempo, para pôr as leituras em dia, é um pouco maior...
    Beijinhos
    Ana

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    1. Confesso que também já tinha ouvido falar imenso da autora, mas ainda não me tinha aventurado. Foi uma agradável surpresa, recomendo :)

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