Entrelinhas #67

Fotografia da minha autoria


«Três gerações de mulheres marcadas pela vertigem de um amor proibido»



A literatura é uma arte tão mágica, que nos permite criar lugares seguros, onde regressamos por diversas vezes e pelos mais variados motivos. E este ponto de familiaridade pode ter a forma de um género e/ou de um autor. Serei uma eterna entusiasta no que toca a desbravar opções que me consintam sair da minha zona de conforto, mas também sei que retornarei sempre a quem me desperta a sensação de estar em casa. É este equilíbrio que me fascina, não só por uma questão de aconchego, mas igualmente por uma questão de identificação, uma vez que só estabeleço esta ponte quando sinto que faz sentido.

Margarida Rebelo Pinto é um dos nomes que faz parte do meu percurso enquanto leitora. E é uma das escolhas certas. Naturalmente, não me revejo em todos os pontos de vista retratados, porém, acabo por refletir sobre os mesmos. Conjeturo. Idealizo. Desconstruo as minhas perceções e afasto-me da [minha] realidade. Mantenho a minha essência, mas permito-me analisar a vida para além dos meus olhos. Mesmo que as suas obras não sejam biográficas, há sempre perspetivas que caminham de mãos dadas. Por outro lado, os seus livros têm um toque leve, que me faz desligar a racionalidade e, simplesmente, deixar-me ir, sem qualquer peso de interpretações profundas. Um[a] escritor[a] que me proporciona esta experiência, atendendo ao que necessito no momento, tem lugar cativo no meu coração.

Antes Que Seja Tarde, reconheço, não tem o enredo mais surpreendente, mas isso não significa que seja desinteressante ou monótono. Muito pelo contrário, pois acredito que existem formas inesgotáveis de abordar temáticas mais recorrentes. Neste caso em particular, encontramos assuntos versáteis, atuais e intemporais. Com um ritmo fluído e dinâmico, somos confrontados por uma crítica constante à sociedade, que é capaz de seguir, ininterruptamente, os mesmos padrões, examinando-os com critérios duplos, dependendo do género de quem os pratica. Sem falsos moralismos, é uma narrativa que atribui voz ao homem e à mulher, como seres iguais, provando - se dúvidas existissem - que todas os acontecimentos têm, pelo menos, duas versões e que não devemos ser tão céleres a julgar, por dois motivos muito simples: porque podemos não conhecer todos os seus contornos e porque não nos compete a nós o papel de tecer juízos de valor - como qualquer outra pessoa, somos falíveis. Nesta jornada fluída, fugaz e perspicaz que é a vida, o foco recai sobre a traição, partilhando a experiência de praticantes e visados.

Este romance é plural em inúmeros aspetos, a começar pelo facto de retratar, principalmente, a história de três mulheres tão diferentes entre si e, afinal, tão próximas. Há, ainda assim, um grande contraste geracional e de mentalidades, consequência da época em que vivem e da bagagem que carregam na alma e no peito. Pessoalmente, fiquei rendida ao despojo dos intervenientes, porque têm registos muito reais, quase como se estivéssemos a privar numa conversa de café, onde não existe, propriamente, formalidade no discurso. Certas partes apresentam uma linguagem quase grutesca, mas penso que esse detalhe lhe atribui uma maior autenticidade, pois sustenta a personagem e as suas características. Apesar de não serem percursos comparáveis no seu todo, sinto que a partilha da Maria Amparo adquire mais força. A construção de todas as personalidades é consistente, mas, para mim, foi esta figura que sobressaiu. A existência de mais pessoas envolvidas torna a narrativa coesa e significativa. E nesta divisão de estrelato, na qual se vão alternando os testemunhos, os sentimentos permanecem à flor da pele. E as memórias, aliadas a um conjunto de decisões ou ponderadas ou irrefletidas, despoletam conclusões relevantes sobre o lado humano e sobre o lado calculista que coabita em cada um de nós.

Antes Que Seja Tarde é, portanto, «uma viagem alucinante sobre o lado obscuro das relações» - talvez levado ao extremo. É uma leitura com humor, sarcasmo e sem preconceito, ficando claro que o jogo de sedução não é unilateral. E que a questão de se tratarem pessoas como se fossem objetos também não é exclusiva de um dos géneros. Há uma certa obsessão, uma certa vertigem no amor, que alguns apaziguam e que outros não conseguem - ou não querem - controlar/esconder. Isso pode estar diretamente relacionado com problemas de confiança, pela fraca valorização do amor-próprio [que faz com que se aceitem determinadas condições negligentes], ou, então, num extremo oposto, pelo mero desejo, pela adrenalina, pela sensação de liberdade e inconsequência. Contudo, para cada ação existe uma reação e a máscara acaba sempre por cair. Em simultâneo, detetamos traços de revolta, de luto, de despedida, de snobismo, de futilidade, provocados por estereótipos e culminando em conflitos - internos e externos. O poder do amor pode levar a uma cegueira [in]voluntária, o que faz com que sejam reproduzidas algumas dicotomias: relações estáveis vs paixões fugazes, segredo vs partilha, verdade vs mentira, fidelidade vs adultério, proibido vs obrigatório, paixão vs razão. Quem vence o combate? É sempre difícil responder com exatidão, porque há uma série de variantes a ter em consideração. No entanto, neste livro, são explanadas muitas delas. Além disso, são retratadas formas singulares de abraçar a vida, independentemente de as ponderarmos como mais ou como menos corretas. 

O viver no limite, o transtorno provocado pelas traições, o perdão, os sentimentos fortes, o amor proibido, as falsas promessas, o papel da mulher e o lado selvagem, quase primitivo, das ligações não são esquecidos em momento algum. E parece que, a dada altura, se entra num círculo vicioso. Custa ir embora. Dói dizer e ouvir não. Por isso, arranja-se sempre uma desculpa para regressar, para voltar a acreditar. Até chegar ao dia em que a porta se fecha. Literalmente. Porque vence algo mais importante: a certeza de que somos mais do que aquilo a que nos sujeitamos. E que a reciprocidade, a empatia e o respeito - próprio e pelo outro - é que tornam a nossa caminhada muito mais bonita. E digna!


Deixo-vos, agora, com algumas citações:

«Aquela pessoa já não era eu, apenas uma sombra. Um dia, não aguentei mais e desisti. Desisti para não me habituar à infelicidade» [p:27];

«Só muito mais tarde, quando a distância e a lucidez vencem, conseguimos medir os estragos, contar as baixas, limpar os destroços. Nunca se sabe quanto tempo demora essa transformação, sobretudo quando somos obrigados a fazê-la» [p:53];

«Durante meses, sonhei com o momento em que ele metia a chave à porta com as malas e mudava de vida. Nunca aconteceu» [p:106];

«Uma coisa é querer uma companhia, outra é forçar o coração» [p:140];

«Não há inimigos que nos cansem mais do que aqueles que carregamos escondidos, como prisioneiros clandestinos dentro do peito» [p:183].



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Comentários

  1. Tem uma escrita fácil e atractiva esta escritora de que já li alguns livros.
    Um abraço e continuação de uma boa semana.

    Andarilhar
    Dedais de Francisco e Idalisa
    O prazer dos livros

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  2. Admito que não gosto nada de Margarida Rebelo Pinto. Fui fã dela quando tinha 12/13 anos mas agora não consigo gostar nada do que ela escreve. Encontro muitas semelhanças em todas as suas histórias, frases iguais em vários livros, personagens semelhantes mas com nomes diferentes... não me consegue cativar mais. Mas ainda bem que nem todos gostam de amarelo :)

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  3. Hmmm fiquei curiosa para ler o livro, pelo que escreste acho que vai valer a pena, e como não estou a ler nenhum... Este veio mesmo a calhar.

    Obrigada pela sugestão:).
    Beijinhos.

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  4. Nunca li nenhum romance de Margarida Rebelo Pinto, porque penso que o tipo de literatura que ela escreve, não é o tipo de literatura de que eu gosto de ler.

    Mas é como diz a Mel "...ainda bem que nem todos gostam do amarelo"

    Saudações de Düsseldorf 😘

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  5. Nunca li nenhum romance escrito por Margarida Rebelo Pinto. Pelo que acabei de ler. "Antes que seja tarde", deve ser um bom romance?

    Tenha um bom dia Andreia.

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  6. Nunca li, mas fiquei curiosa:))

    Do nosso amigo Gil António, com: Palavras escritas no silêncio do coração

    Bjos
    Votos de uma óptima Quinta - Feira

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  7. Confesso que não conhecia esse livro que falas-te, mas parece ser bastante interessante bom para ler
    Beijinhos
    Novo post //Intagram
    Tem post novos todos os dias

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  8. Li dois livros da autora e não fiquei entusiasmado.
    Mas pode ser que este seja melhor...
    Parabéns pela tua foto, é magnífica (a Margarida R. P. devia agradecer-te...).
    Andreia, continuação de boa semana.
    Beijo.

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  9. Nunca li nada dessa autora, acreditas?
    Fiquei super curiosa com a história desse livro.

    Beijoca Andreia *

    https://agatadesaltosaltos.blogspot.com/

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  10. Acho que só tenho um livro dela, está em Portugal :)
    Bjinhosss minha querida*
    https://matildeferreira.co.uk

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  11. Fiquei muito curiosa coração, especialmente porque não conhecia a autora. Obrigada como sempre pela partilha coração!

    THE PINK ELEPHANT SHOE

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  12. Adoro ler, mas confesso que esse tipo de leitura nunca me cativou.
    Quem sabe um dia?

    Excelente escrita.
    Um beijinho,
    Cláu.

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  13. Que dica de leitura interessante Andreia. Um pouco fora da minha zona de conforto, mas a história me pareceu ser muito curiosa. Nunca li nada da autora, quem sabe não começo por esse? Um beijo!

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  14. Já não é a primeira vez que vejo boas criticas a esse livro, mas nunca me senti tentada a ler...

    Bjxxx
    Ontem é só Memória | Facebook | Instagram

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  15. Já li este livro e confesso que fiquei desiludida, achei-o cansativo e repetitivo. Ponderei deixá-lo a meio por diversas vezes, mas como não gosto de fazer isso fiz o esforço de o acabar.

    Não achei o melhor livro dela.

    Beijinho grande! :)

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  16. É exatamente isso, meu bem, daí ser tão importante não descurar deste grande passo :)

    Sou muito fã da Margarida enquanto autora mas este livro ainda não li. Deixaste-me muito, muito curioso!

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    InstagramFacebook Official PageMiguel Gouveia / Blog Pieces Of Me :D

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  17. Já tive curiosidade em relação a esta autora, mas engraçado ainda não li nem comprei nenhum, e isso tem de mudar :)
    Obrigada pela partilha :)

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  18. Fiquei muito curiosa em relação a este livro. Se o encontrar à venda acho que o vou trazer comigo!

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  19. Confesso que a escrita dela não é das que mais me chama à atenção, no entanto, esta review cativou-me. Vou apontar :)

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