Inconfidências | A Intelectualização Excessiva

Fotografia da minha autoria


«A vida é aceitação»



A intelectualização é um caminho saudável, prazeroso e imprescindível, na medida em que nos torna mais sábios, mais predispostos para a cultura e mais hábeis no discurso, no trato e na forma de estar na vida - e de abraçar as contrariedades e as múltiplas mudanças de rota. O problema é quando se perde o foco e o norte e se entra numa espiral excessiva, que nos faz encarar as situações de uma perspetiva única, caindo no terrível erro do julgamento gratuito.

Sinto que há uma grande fatia da sociedade que apresenta uma enorme necessidade de intelectualizar tudo, como se tudo tivesse que corresponder a um certo padrão de inteligência. E o que me aflige é constatar que existem vários patamares definíveis, assumindo uma função de verdade absoluta. E aí pergunto que autoridade suprema decretou essas designações; questiono-me sobre quem terá decretado essa escala de sapiência, geralmente, condicionada pelos seus gostos. E chego, novamente, à conclusão de que acaba por estar tudo relacionado com a vontade de compartimentar as pessoas e de lhes atribuir um rótulo, porque, de outra maneira, a convivência entre pares qualificava-se como impensável. Não poderiam estar mais errados!

É a diversidade que nos torna intelectualmente mais ricos, uma vez que nos permite descortinar novas áreas e novos saberes, novos fascínios, novos padrões  e novas atividades de conhecimento e de lazer - perfeitamente combináveis. Por isso, não me parece correto expressar que determinado ser humano é menos culto só porque ouve/lê/acompanha um artista [ou um programa] que não reúne, propriamente, consenso. A maneira como reagimos ou perpetuamos a sua influência é que pode manifestar essa característica. O resto? Nem pensar. Consoante a época e a nossa maturidade, é perfeitamente natural que optemos por projetos distintos, sendo que alguns exigem mais da nossa capacidade de análise do que outros. Faz parte. Porém, é crucial compreender que aquela escolha não nos define em pleno. É uma componente da nossa personalidade como qualquer outra. Tentarem passar-nos um atestado de burrice por causa disso é uma das maiores demonstrações de ignorância que pode existir.

Há pessoas muito rápidas a julgar e a desprezar hábitos alheios, mas esquecem-se que os seus não são verdades universais e que, no pior dos cenários, podem despoletar uma certa repulsa. Enerva-me profundamente este preconceito enraizado. Esta desvalorização dos gostos de terceiros, como se a música que ouvem, os livros que leem, os programas que veem fossem de menor qualidade só porque não se adequam aos nossos. Posso, e muito bem, não me identificar com essas escolhas exteriores a mim, mas com que propriedade é que as posso diminuir e, até, ridicularizar? Nenhuma, sobretudo porque não são as minhas preferências que ditam o que é culturalmente vantajoso e educativo. É urgente parar com esta mania de que há o que é bom para nós e o resto, porque esse «resto» é sempre importante para alguém, por muito que possamos não compreender. Sou apologista de que tudo é uma boa fonte de aprendizagem, quanto mais não seja do que não devemos privilegiar e reproduzir. No entanto, só conseguiremos filtrar essa informação se abandonarmos o pedestal em que achamos que estamos e se nos predispusermos a aceitar que há mais mundo para além da nossa bolha. Simultaneamente, devemos parar com a comparação constante, porque os gostos discutem-se, a meu ver, mas não se comparam, uma vez que as nossas experiências são pessoais e intransmissíveis.

Tudo tem uma altura apropriada. O que nos fez sentido há uns pares de anos pode não fazer hoje. E não existe qualquer mal nisso. Da mesma maneira que é viável tornar conceitos e artistas transversais a toda a nossa jornada. Se me perguntarem, por exemplo, se continuo a ouvir D'ZRT, a minha resposta será negativa, não porque tenha perdido o encanto, mas porque foi uma consequência inevitável, fruto de inúmeros fatores. Ainda assim, tenho os cd's guardados e se tiver vontade de recordar lido muito bem com essa questão. Não me sinto menos intelectual por escutar - e gostar - de David Carreira, nem por ter adorado As Cinquenta Sombras de Grey ou por, com 26 anos, continuar a apostar em Margarida Rebelo Pinto [aqui e aqui]. Desliguei-me por completo de Reality Shows, mas se quiser voltar a ver isso não me tirará o sono. E estes exemplos, meramente ilustrativos, poderiam vincar outros nomes e outras áreas. Tudo é passível de ser analisado e criticado, desde que seja feito com respeito e sem qualquer sentido pejorativo, como se fossemos moralmente superiores.

Estarmos de consciência tranquila e sermos bem resolvidos pode fazer toda a diferença, porque é o que nos faz perceber que o bom e o mau conteúdo é bastante relativo. E ser-se intelectual é compreender que um determinado caminho tem infinitas ramificações e que todas são certas, desde que signifiquem algo para quem as abrace. Esse paradigma elitista, que ainda se verifica, é tão pouco culto. Tão mesquinho. Um dia, acredito, a sociedade irá descobrir que esse comportamento só a atrasa. Aceitar a diversidade diz mais da nossa cultura do que aquilo que possamos consumir literária, musical e televisivamente. Porque intelectualizar é evoluir. E não o contrário!

Comentários

  1. Adorei a publicação. Parabéns

    Hoje: Momentos e horas vazias

    Bjos
    Votos de uma óptima Terça - Feira

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  2. Tenho dado por mim a pensar muito neste assunto ultimamente e tu mais uma vez leste os meus pensamentos com este post :) porque o saber nao ocupa lugar, quero aprender ate morrer :)
    Beijinhosss minha querida e continuacao de uma optima semana*
    https://matildeferreira.co.uk/

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  3. Não podia estar mais de acordo. Vivemos numa sociedade pobre, sem ambição e respeito pelo próximo. Não sei se devemos culpabilizar o povo ou os lideres do mundo. Contudo, há sempre alguém com o mesmo pensamento que tu, e ainda que poucos, são eles, os intelectualmente ricos, que vão tentar sempre mudar a mentalidade do próximo, por mais retrógrada que seja.

    Continua com as tuas reflexões fantásticas, é um prazer lê-las.
    Um beijinho,
    Cláu.

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  4. Pois, se quiseres bolota trepa,
    não desperdices a oportunidade
    luta contra tudo que não presta
    para bem de uma justa sociedade!

    Tenha uma boa tarde Andreia.

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  5. Não sei se eu estou apaixonada pela sua escrita, se é pela sua forma de pensar que concorda e completa com a minha ou com esse assunto que as vezes é tão deixado de lado, mas com uma grande e sultil importância. As vezes rotulos me sufocam, e esse post foi tão significativo para mim, eu sinceramente amei

    http://dosedeestrela.blogspot.com/

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  6. Excelente reflexão, com a qual concordo plenamente. Na faculdade fui muito criticada por gostar do João Pedro Pais ou por ser tímida e ouvir a música "Dirrty" da Christina Aguilera. As pessoas tímidas não podem ouvir músicas ousadas???

    Beijinhos!

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  7. Embora me acusem da intelectualização excessiva, é-me completamente indiferente aquilo de que os outros gostam.

    Cá em casa, cada um de nós tem gostos diferentes: nas leituras, na música, na programação da TV. Contudo não temos problemas de comunicação.

    Saudações de Düsseldorf 😘

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  8. Realmente é verdade mesmo, ao pensar há mesmo pessoas que não tem mesmo respeito por nada, mas pensando bem acho que devemos fazer o que gostamos e não ligar o que outros falam
    Beijinhos
    Novo post //Intagram
    Tem post novos todos os dias

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  9. Logo à partida devíamos pensar que se existe tanta gente a encher estádios e arenas a ver/ouvir música e artistas que deploramos, com certeza não serão todos burros, porque a inteligência veio toda para nós.

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  10. Eu ainda hoje gosto de ler os livros da Anita, que ainda tenho da minha infância ahahahahahah

    Não ligues ao que esses incultos dizem. Não gosto de alguns autores literários, não gosto de música pimba, não gosto de alguns filmes que estão na "moda" , nem os vou ver só porque é com o ator/atriz, que é famoso. E pouco me importa o que dizem, aliás a minha opinião ,o que vejo ou faço só a mim diz respeito. E os outros têm de a respeitar.
    Tu faz o mesmo, linda ;)
    Beijinhos

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  11. O inconveniente de se adotar "rótulos", está no determinismo de enquadrarmos (ou tentarmos enquadrar), as pessoas em nossos "escaninhos" descritivos, conforme suas diferenças, quando na verdade, a nossa riqueza está na nossa diversidade de opiniões, pensamentos etc. Nosso amadurecimento nos municia a enxergar, cada vez mais, nossa imensidão cultural.
    Abraços.

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  12. Por um acaso, a nova foto de seu perfil, mostra uma Moraes madura, além de sempre bela e simpática.

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  13. adorei o post, muito bacana pra reflexo do super intelectualismo de hj em dia

    www.tofucolorido.com.br
    www.facebook.com/blogtofucolorido

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  14. Também concordo que a intolerância é a maior prova de ignorância que existe. Quem é realmente inteligente tem a capacidade de compreender as diferenças dos outros sem os inferiorizar por isso

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  15. Tal e qual, meu bem. Não diria melhor!

    Não podia estar mais de acordo com o que escreveste, para te ser sincero. Vivemos num mundinho em que é preciso categorizar as pessoas e a forma como são "inteligentes" na medida em que têm de fazer o curso X ou Y. Mas ser inteligente nem é tanto isso. Tal como dizes, de início, ser intelectual é saber tratar, estar, ter ambição de aprender. No fundo, é ter valores que os torne melhor enquanto pessoas e, consequentemente, como profissionais!
    Felizmente, tenho muita sede de aprender sobre tudo!!!

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    InstagramFacebook Official PageMiguel Gouveia / Blog Pieces Of Me :D

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  16. A análise e a critica é bem vinda desde que seja de uma forma construtiva...

    Isabel Sá
    Brilhos da Moda

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  17. Concordo completamente com o texto da minha amiga.
    Um abraço e continuação de uma boa semana.

    Andarilhar
    Dedais de Francisco e Idalisa
    O prazer dos livros

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  18. A sociedade ainda tem que crescer, e muito. Tem de aceitar a diferença e acima de tudo respeitar! Ainda bem que não gostamos todos do mesmo, ainda bem que existe diversidade. É isso que nos torna especiais e únicos!
    Beijinho, Ana Rita*
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  19. Complementando sua resposta lá no blog, é claro que é correto só que existem pessoas que insistem no tal "pensamento único" neoliberal que aqui no Brasil tem gente (o "mercado"), que vira e mexe, quer por em prática por estas plagas.
    Abraços.

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  20. Postagem maravilhosa amei, obrigada pela visita.
    Blog: https://arrasandonobatomvermelho.blogspot.com/
    Canal: https://www.youtube.com/watch?v=DmO8csZDARM

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  21. Ora aí está uma questão que cada vez tem sido mais discutida. Vivemos num mundo que ainda tem muito que aprender, o respeito pelos gostos e diferenças dos outros é uma dessas coisas.
    Eu não sou menos inteligente do que uma x pessoa só porque eu vejo\leio algo que não é tão conhecido mundialmente ou que não é visto de bom grado por muitos olhos. "(...) devemos parar com a comparação constante, porque os gostos discutem-se, a meu ver, mas não se comparam, uma vez que as nossas experiências são pessoais e intransmissíveis." Por isso, é que somos pessoas diferentes, porque pensamos de maneiras e gostamos de coisas diferentes. É ridículo ainda avaliarmos pessoas por esse aspeto... Que seria do mundo se fizessemos e gostassemos todos do mesmo?
    Não tenho muito a acrescentar ao que escreveste. Como sempre, estou de acordo contigo e expressaste o teu ponto de vista de uma forma muito assertiva.

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