#NÃOÉNORMAL

Fotografia da minha autoria


«Não é normal achar-se que um rabo bonito é para mexer 
ou um decote para comentar»


A Declaração Universal dos Direitos Humanos é um «ideal comum», que nos coloca, enquanto sociedade, no mesmo grau de equidade, respeito e dignidade. No entanto, em pleno século XXI, falhamos logo ao primeiro artigo, porque não agimos «uns para com os outros em espírito de fraternidade». E este cenário agrava-se quando constatamos que a nossa segurança é comprometida, bem como a nossa liberdade de pensamento, de expressão e de oportunidades. E quando continuamos a ser confrontados por uma censura camuflada e pela certeza de que o caminho pela igualdade de género está longe de ter um fim. Foram construídas pontes sólidas, mas ainda existe um vasto espaço movediço a necessitar de ser palmilhado e transformado em terreno bom.

A desumanidade é uma realidade bem presente em distintas componentes. Um delas relaciona-se com o profundo terror que demasiadas mulheres têm que aprender a gerir, porque a violência física e verbal carece de meios para diminuir e porque subsiste a culpabilização da vítima. Que mundo é este em que o género feminino [maioritariamente], para além de ser considerado inferior, se vê obrigado a viver em alerta máximo, uma vez que existem anormais que se julgam no poder legítimo de comentar, de tocar, de agredir, de violentar e de usar as mulheres como se fossem um objeto dispensável, um objeto cujo único propósito é satisfazê-los? Mas, atenção, estes comportamentos deploráveis não são exclusivos dos homens. Porque partilhas como «ela colocou-se a jeito», «assim vestida estava à espera do quê?», entre tantas outras, também são assinadas por mulheres, contribuindo para destruir a paz do ser humano. E para tornar a sua identidade vazia. Os apalpões, a masturbação pública, os piropos depravados, as relações sexuais não consentidas são uma consequência brutal extrema e inaceitável, mas o desrespeito começa no exato segundo em que, no nosso interior, diminuímos as queixas e permanecemos em silêncio, numa clara defesa de que é normal, porque sempre foi assim.

O assédio - seja qual for a sua natureza - é demasiado sério para ser desvalorizado. Por isso, esta luta não tem prazo de validade. É urgente. E tem que ser assumida a vida toda. «A propósito de um vídeo humorístico sobre o machismo», Diogo Faro pediu a mulheres que tivessem sido sexualmente assediadas «para lhe enviarem um e-mail a dizer eu», sendo-lhes, posteriormente, explicados os contornos do trabalho que tinha em mente. Fui acompanhando, expectante, o seu desenvolvimento. E não podia ter ficado mais enojada e revoltada com as histórias que foi partilhando, de forma anónima, no seu instagram. Porque são de uma crueldade tremenda. Enquanto mulher, por muito que me solidarize com a angustia presente em cada palavra, a verdade é que estou longe de imaginar o horror, a insegurança, a impotência que sentiram. Tenho 26 anos e, sorte a minha, não faço parte destas estatísticas assustadoras, mas isso não significa que as possa ignorar. Aliás, se tenho alguma voz nesta plataforma, a partir da minha escrita, é para destacar causas desta magnitude. Eu sabia que era grave, muito grave, mas não estava preparada para o lixo que ia encontrar - e que muitas tiveram que suportar desde a infância. «Esta merda tem mesmo de começar a mudar»!

O que seria, então, um fragmento de humor, adquiriu proporções surreais, atendendo a que a quantidade de histórias potenciou esta atitude mais reacionária. E é bom perceber que há figuras com esta exposição mediática dispostas a dar a cara. A não permitir que seja o silêncio a vencer, porque ficar calado, neste contexto, deixa a porta aberta para a repetição e para perpetuar comportamentos obscenos. Denunciar exige coragem, ainda para mais quando continuamos a viver numa sociedade em que a igualdade de género não é um dado adquirido. Mas é crucial. É fundamental expor, seja em relatos na primeira pessoa, seja através da comédia, que «tem um papel importante de catarse». É impensável continuar a fechar os olhos. Porque não está tudo bem, porque não é correto, porque não é justo vivermos num ambiente de medo. Está «na hora da anormalidade deixar de ser normal».

A consciência cívica em relação a este problema fez crescer o movimento #NÃOÉNORMAL. Com o auxílio de amigos, foi criada uma imagem e escrito um manifesto. E estão, agora, «a desenvolver ideias». Esta luta não é [só] do Diogo Faro, nem minha, nem das milhares de mulheres que sofrem sozinhas: é de todos. E mesmo que soe a lugar comum, é juntos que podemos fazer a diferença. Portanto, vamos fazer barulho. Vamos quebrar muros e terminar esta guerra que nos divide. Como seres humanos que somos, temos que agir em conformidade. Precisamos de atuar a curto prazo, para colher frutos a longo prazo. É preciso educar. E transformar o mundo num lugar respirável e onde nos sintamos protegidos. Precisamos de cuidar mais uns dos outros. E isso só será possível quando estivermos em sintonia. Que seja agora!


Obrigada, Diogo Faro ♥

Comentários

  1. Fiquei foi encantada com a fotografia.

    Agora vou mexer o meu rabo bonito, na caminhada pelas margens do Reno. Devido ao frio, sem decotes 😂

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Só agora é que tive tempo de ler o teu texto e o do Diogo.

      # NÃO É NORMAL é uma espécie de #me too à portuguesa.

      Eliminar
    2. É dentro do género, sim, mas o #metoo não teve grande expressividade em Portugal

      Eliminar
  2. É um projecto formidável que esperamos que dê frutos rapidamente, inclusive em termos de lei!

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Estou deste lado a torcer pelo mesmo, porque é deste género de iniciativas que precisamos. Está na hora de mudar mentalidades

      Eliminar
  3. Ja Nao devia ser normal pois não? Vou enviar um email ao Diogo
    Beijinhos
    https://matildeferreira.co.uk

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. De facto, não devia. Mas o caminho ainda parece demasiado longo :/

      Eliminar
  4. Acho que por vezes tentamos chegar longe e esquecemos de " educar " quem anda mais perto... e por mais posts como este!! Obrigada!

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Sinto exatamente o mesmo, sabes? Pensamos muito a longo alcance - o que não é, necessariamente mau -, mas depois esquecemo-nos de olhar à volta.
      Eu é que agradeço!

      Eliminar
  5. A Declaração Universal dos Direitos Humanos é mesmo só mesmo uma declaração porque ninguém a respeita.
    Um abraço e boa semana.

    Andarilhar
    Dedais de Francisco e Idalisa
    O prazer dos livros

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Infelizmente, não deixa de ser verdade :/
      Obrigada e igualmente

      Eliminar
  6. Horrível mesmo...
    Mas sabe o que sempre me vem à cabeça?
    De que forma estamos educando os meninos desse mundo? Porque, na maioria das vezes, é a mãe que acaba assumindo a maior parte da responsabilidade de educar os meninos! E vejo aqui mesmo, entre as pessoas que eu conheço, mulheres depreciando suas noras, chamando-as de aproveitadoras, levianas, etc..., enquanto mimam seus filhos e tentam colocá-los contra suas namoradas e mulheres. Eu mesma passei por isso durante muitos anos, e senti na pele o preconceito - não dos homens, mas de outras mulheres.

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Grande parte do problema passa, precisamente, pela educação. Ou, melhor, pela falta dela. Ainda que também existam situações em que a educação foi exímia e, mesmo assim, há quem quebre todos os parâmetros da respeitabilidade mútua.
      E é triste perceber que esse preconceito ainda existe. E que não são raras as vezes em que parte de mulheres

      Eliminar
  7. Olá Andreia
    Acho que devemos ser uma por todas e todas por uma, mas infelizmente não é assim. Digo te os piores momentos da minha vida foram devidos a mulheres, uma no trabalho, outra familiar. As mulheres não são esses anjos que pintam digo te cruamente há grandes cobras por aí à solta e com cara de cordeirinhas. Mas a violência seja ela sobre quem for deve ser denunciada.
    Xoxo

    marisasclosetblog.com

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Pois é, muitas vezes esse preconceito é perpetuado por mulheres. E isso deixa-me de coração apertado, porque não consigo compreender este lado desumano. Além disso, não sei lidar com a incoerência :/
      Sim, sem dúvida, denunciar é o caminho

      Eliminar
  8. Vi alguns dos testemunhos e achei realmente assustador. Os que mais me assustaram foram aqueles que aconteceram enquanto crianças e em que a vitima pediu ajuda a um educador e as suas queixas não só foram desvalorizadas, como lhes foi imputada a culpa pelo acontecimento. Bem sei que os tempos eram outros já que as vitimas são hoje adultas, mas não deixa de ser assustador pensar que entregamos as nossas crianças nas mãos de adultos sem a mínima capacidade de empatia e de noção.
    Na verdade espero que o Diogo compile todas as histórias e as publique em algum lado, na integra, para que a dimensão disto atinja toda a gente que as ler...

    Sonha mas Realiza

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. É surreal! Estava enojada ao ler a maior parte dos testemunhos e só perguntava como era possível o ser humano descer tão baixo :(
      Exato, como é que é suposto sentirmo-nos seguros se as nossas pessoas são as primeiras a desvalorizar as nossas queixas? Claro que é importante falar, expor e não deixar que seja o silêncio a imperar, mas consigo compreender quando optam por denunciar. Afinal, parece que não são ouvidas e isso é triste.
      Estou muito curiosa com a fase seguinte do projeto

      Eliminar
  9. Confesso que não sabia disso, mas é mesmo triste

    Beijinhos
    Novo post
    Tem post novos todos os dias

    ResponderEliminar
  10. Nem mais! Um bom texto para refletir nos dias de hoje... (palmas!)

    Bjinho!

    ResponderEliminar
  11. Grande projecto, ainda bem que se criam iniciativas destas. Espero que consiga mudar muitas coisas.

    Beijinhos :*

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Concordo contigo, minha querida! Estas iniciativas são de máxima importância

      Eliminar
  12. Tens toda e total razão! Acho que muita boa gente deveria ler este teu texto!

    Bjxxx
    Ontem é só Memória | Facebook | Instagram

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Agradeço! Mais importante ainda é aliarem-se ao movimento, porque só assim poderemos fazer progressos

      Eliminar
  13. Acho o texto muito interessante e delicado.
    Bela foto.
    Bjs

    ResponderEliminar
  14. Enquanto os agressores não forem severamente castigados, não parará. E o facto de às vezes se fazer queixa de nada adianta, infelizmente. Este problema sempre existiu e irá continuar.
    Beijinho linda.

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Infelizmente, continua a imperar a culpabilização de vítima e não do agressor.
      É preciso não baixar os braços, acredito que podemos chegar a algum lado!

      Beijinho grande, minha querida*

      Eliminar
  15. Tens toda a razão! Excelente iniciativa :)
    r: Muito obrigada pela força querida ❤️

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. É mesmo! Estou bastante curiosa com o que virá a seguir
      Não tens que agradecer. No que precisares, estou aqui ❤️

      Eliminar
  16. Para quem gosta e aprecia a moda, no geral, é um evento incrível. Consegues tirar imensas ideias e formas distintas de ver a moda! :D
    Obrigado, meu bem!

    Julgo que Portugal precisa de mais projetos como este e só espero que venha, mesmo, a dar frutos!!!

    NEW REVIEW POST | LANCÔME: EAU MICELLAIRE CONFORT - CAN YOU BELIEVE IT?
    InstagramFacebook Official PageMiguel Gouveia / Blog Pieces Of Me :D

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. É sempre uma excelente oportunidade para alargar conhecimentos. E, até, para compreender um pouco melhor todo o ambiente que se cria em torno da moda :)

      Sinto o mesmo, meu anjo, até porque continuamos, enquanto sociedade, a perpetuar valores que não se justificam. É preciso fazer mais!

      Eliminar
  17. Hoje em dia, fala-se muito do assédio.
    Acho que o conceito é usado para tudo e mais alguma coisa...
    Que mal tem um rapaz olhar para o rabo de uma rapariga? Ou um rapariga olhar para o "volume" de um rapaz? Ou um homem olhar para o peito de uma moça? Ou uma moça olhar para o rabo de um homem? Nenhum.
    Não se pode é tornar constrangedor para a outra pessoa nem se entrar no exagero.
    Quanto às frases provocadoras, concordo que devam ser evitadas.
    Mas tb atenção, que não são só os homens que são uns tarados. Há mulheres que assediam homens e os deixam constrangidos.

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. É preciso, acima de tudo, haver consciência e bom senso!
      A questão não é essa. Ou, melhor, ultrapassa essas componentes, porque a verdade é que olhamos e, no fundo, analisamo-nos uns aos outros. O que não pode haver é falta de respeito, nem se pode ultrapassar os limites de cada. Uma coisa é eu apreciar alguém, outra completamente diferente é colocar em causa o seu conforto e a sua segurança, porque tenho comportamentos e discursos obscenos.
      Claro e ninguém quer desvalorizar isso. Aliás, é importante ser uma denuncia geral, independente do género, porque há muitos homens a sofrer em silêncio. No entanto - e ainda que não seja justificação -, o número continua a ser muito discrepante, porque continuamos a viver numa sociedade machista

      Eliminar
  18. Isto, isto, isto! Esta iniciativa é fabulosa e dou os meus parabéns ao Diogo.
    Sem muito mais a acrescentar ao que escreveste, é certo que precisamos mesmo de mudar. A violência doméstica e o assédio têm de acabar, os números têm de começar a descer até se anularem, o respeito tem de sobressair. Quero acreditar que o caminho vai começar a encurtar, quero mesmo.
    Falo de homens também, pois ainda que os números sejam maiores para o sexo feminino e sejam as mulheres as mais afetadas «é preciso educar. E transformar o mundo num lugar respirável e onde nos sintamos protegidos. Precisamos de cuidar mais uns dos outros. E isso só será possível quando estivermos em sintonia.»
    Obrigada por mais uma vez escreveres algo que deveria ser lido por muita gente!

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Foi uma atitude genial, porque, de facto, precisamos de mudar mentalidades, de agir. Os números são assustadores e ficarmos calados não é solução. Porque este silêncio só faz com que estes comportamentos se repetiam.
      Acredito que seja extremamente doloroso e difícil para as vítimas falar, mas também nos cabe a nós criar uma base de apoio, que as faça sentir seguras para darem esse passo. Porque toda a situação já é desumana o suficiente, se ainda as desvalorizamos é pior.
      Também quero acreditar nisso! Porque é a humanidade que está em perigo.
      Eu é que agradeço, de coração <3

      Eliminar
  19. Não sendo normal... é a triste realidade dos nossos dias, infelizmente...
    Gostei imenso das tuas palavras, que abordaram muito bem, esta temática... que sempre dá tanto pano para mangas... infelizmente, não pelas melhores razões...
    Lembrei-me o quanto continua actual aquele filme de Jodie Foster... Os acusados... parece que nunca nada muda...
    Beijinho
    Ana

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Infelizmente, sim. E é por isso que temos que lutar pela mudança. Porque estes comportamentos não podem ser normais.
      Muito obrigada! Quem me dera, ainda assim, que não existissem motivos para esta publicação sair.

      Eliminar
  20. É mesmo triste pensar que todas nós estamos sujeitas a comentários ridículos e a situações nojentas. Eu lembro-me de ter uns 12 anos e vir da escola e uma carrinha com 'trolhas' (não é que queira denegrir a imagem, mas não estou a ver outro nome) começaram a assobiar e a dizer 'oh jeitosa'. Eu com 12 anos já levei este tipo de comentários. Isto não é pedofilia ou algo do género? Será que faziam o mesmo às filhas?

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Fico mesmo de coração apertada ao saber destas situações. É tão nojento, tão ridículo, tão... desumano. Não sei o que é que passa na cabeça dessas «pessoas» para acharem que isso é aceitável

      Eliminar

Enviar um comentário