Storyteller Dice // Chapéu

Fotografia da minha autoria

«Debaixo do meu chapéu»

O baú de madeira era a minha parte favorita da casa. Lá dentro havia um mundo inesgotável de faz-de-conta. E, todas as tardes, perdiamo-nos na sua imensidão. Um dia, fui dragão. No seguinte, fui princesa. Virei guerreira. Vesti a pele de polícia. Atuei em grandes palcos. Naveguei como marinheira... E tu acolheste cada personagem debaixo da tua asa e do teu olhar atento, revestido de amor. Mas havia um chapéu - o teu chapéu predileto -, guardado bem no fundo, que me fazia palpitar o coração em desmedida aceleração.

Confidenciavas-me, em silêncio, que te cobria os pensamentos periclitantes. Escondia-te as lágrimas frágeis e os sorrisos endiabrados. Abrigava o céu dos teus sonhos. E as ilusões ondulantes nos teus caracóis. No interior desse chapéu de palha, tu guardavas o passaporte das tuas memórias - aquelas que correram universo a bambolear nos teus passos. Ali, anónimo, rodeado de disfarces carnavalescos, parecia um mero objeto indefeso. No entanto, não perguntes como, sempre senti que tinha um traço especial; uma energia que magnetiza e que te transborda. Poucas peças falam tanto de ti como esta. E eu quis manter algo que te gritasse em mim, até que eu própria tivesse que deixar laços aos meus. Neste perpetuar de vidas que se interligam e que se sucedem em ternas gerações.

Herdei bens com a tua perda, mas nenhum outro me entusiasmou como esta arca de piratas, cheia de tesouros, como preferias apelidá-la. Agora está praticamente vazia. Mas, quando a abri, lá estava ele: o teu chapéu. E estavas tu. Porque lá dentro continua a subsistir um portal livre para a nossa imaginação. E, de peito aberto, cumprindo o desejo que te faltou alcançar, segui caminho. Contigo no topo do meu cabelo cor de chocolate, protegendo-me a alma. À minha frente vejo o mundo que, no passado, ambicionaste palmilhar. De dedos cruzados, em planos paralelos de existência, vais comigo: de abas largas. Projetando a saudade. Encurtando a distância. Porque caberás sempre no meu regaço.

[Storyteller Dice | O Projeto]